Leiria foi o palco escolhido para a apresentação da Estratégia Nacional para os Efluentes Agro-pecuários e Agroindustriais (ENEAPAI 2030), mas sobre soluções concretas para o problema da poluição da Bacia Hidrográfica do Rio Lis nada foi adiantado. Na sessão realizada esta terça-feira não houve, inclusive, qualquer referência à construção da Estação de Tratamento de Efluentes Suinícolas (ETES) da Região do Lis, prometida há décadas.
No final da sessão, em declarações aos jornalistas, os secretários de Estado da Agricultura e do Ambiente não esclareceram se a região vai ou não ter uma ETES. Confrontado com a questão, o representante do Ministério da Agricultura, Nuno Russo, começou por frisar a prioridade definida na estratégia para a valorização agrícola dos efluentes e acabou a admitir que a hierarquia de soluções terá também de contemplar uma resposta pública para o tratamento, sem se pronunciar sobre a ETES, alegando que “o processo está a ser acompanhado pelo Ambiente”.
“Uma ETES está sempre como solução pública e tem de ser reavaliada tendo em conta todo o atraso que houve, a reavaliação dos dados e o encontro entre a oferta e a procura, para percebermos os locais onde temos de actuar”, disse, por sua vez, a secretária de Estado do Ambiente, Inês Costa.
Segundo a governante, “tem de existir uma solução” para o tratamento, quando não há possibilidade de concretizar outras soluções de encaminhamento dos efluentes. “Não posso dizer que é uma tecnologia como a que estava pensada anteriormente. Temos de pensar na evolução dessa tecnologia para beneficiar todos e não apensas a comunidade de Leiria”, ressalvou a governante, que durante a sessão referiu que a Águas de Portugal (AdP) se encontra “a estudar técnica e financeiramente uma solução”.
À margem da apresentação, David Neves, presidente da Associação de Suinicultores de Leiria e da Recilis, constatou que na estratégia apresentada “não há nenhuma orientação” sobre a ETES, recordando que há dois anos foi assumido pelos Ministérios do Ambiente e da Agricultura que haveria “uma solução pública para a gestão dos efluentes e que Leiria seria uma das zonas piloto”, o que ainda está a ser estudado.
Para Paulo Batista Santos, presidente da Câmara da Batalha, que não esteve na sessão por se recusar a ir “ouvir mais do mesmo”, “há um grave retrocesso” na ETES. “Na cabeça dos responsáveis do Ministério do Ambiente há a convicção de que é possível tratar os efluentes nas nossas ETAR [Estação de Tratamento de Águas Residuais], nomeadamente na do Coimbrão, mas já se percebeu que a estrutura não tem capacidade para tal. Só com os efluentes domésticos já teve situações de ruptura. Imagine-se como seria juntar-lhe os efluentes pecuárias”, concretiza.
O autarca lamenta ainda que se continuem, “ano após ano”, a apresentar estratégias e a fazer diagnósticos e não se apresente uma solução para o tratamento. Recorda que há mais de um ano, um despacho conjunto dos ministros do Ambiente e da Agricultura alocou “um milhão de euros à AdP para apoio à construção de uma solução integrada para a recolha, o tratamento e a valorização dos efluentes agropecuários e agro-industriais”, sem que se conheça ainda o resultado. “Onde está o trabalho? Não era importante conhecê-lo antes de se apresentar uma nova estratégia?”, questiona.
Menos pessimista parece estar o presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes, que no discurso que proferiu na abertura da sessão de apresentação da ENEAPAI considerou a escolha do concelho para a realização do evento como “um sinal de compromisso e de abordagem firme e frontal de um problema crónico que este concelho enfrenta”.
O autarca de Leiria espera, por isso, que a nova estratégia para os efluentes possa conduzir a uma solução de “impacto estrutural e duradouro”, garantindo que a Câmara e os seus representantes serão, nesta área, “colaborativos na procura de soluções, proactivos na busca de consensos e de processos de acção e intransigentes na defesa dos superiores interesses da nossa população”.
Prioridade à valorização agrícola
Contribuir para a melhoria “significativa das massas de água” é o grande objectivo da ENEAPAI 2030. O documento reconhece que o sector agropecuário é “fundamental para o desenvolvimento do País”, mas que muitos dos “graves” problemas ambientais que afectam as linhas de água resultam da “má gestão dos efluentes pecuários”.
Um dos pilares “basilares” da estratégia apresentada passa pela valorização agrícola como destino privilegiado dos efluentes, mas “dentro dos limites que a natureza permite”. Isto porque em 67 concelhos do País, que representam 24% da área territorial, existe excesso de azoto e de fósforo. Leiria e Alcobaça estão entre os concelhos mais críticos.
Confrontado com a situação da região, com terrenos saturados por décadas de espalhamentos, o secretário de Estado da Agricultura admitiu que pode não haver condições para implementar esta solução em algumas zonas. “É preciso avaliar onde existe necessidade desse fósforo e desse azoto e transferir-lo para concelhos limítrofes, não a grandes distâncias”, referiu.
A ENEAPAI aponta, por isso, a necessidade de identificar áreas onde é possível fazer essa valorização e onde a mesma deve ser condicionada ou interdita, assim como uma caracterização e quantificação dos efluentes produzidos e das necessidades de nutrientes em cada região.
No documento é ainda proposto a constituição de uma solução pública que “assegure a recepção, o tratamento e o encaminhamento a destino final adequado dos efluentes das unidades produtivas que, individual ou colectivamente” não disponham de soluções para tal.
Prometida mais fiscalização
Para que “não pague os justo pelo pecador”, como referiu o secretário de Estado da Agricultura, está também previsto o reforço da fiscalização, com esta tutela a anunciar a criação de equipas de intervenção para a “verificação dos licenciamento da actividade pecuária e dos planos de gestão de efluentes”, explicou Nuno Russo.
Por seu lado, o Ministério do Ambiente vai indicar a pecuária intensiva como sector a incluir no plano de acção para a fiscalização ambiental, o que, nas palavras da secretária de Estado Inês Costa, será “um passo fundamental, a juntar à reabilitação das estruturas de acompanhamento, que vão ter mais capacidade, meios e ferramentas para monitorizar a concretização das medidas desenvolvidas”. “O diagnóstico está feito, a estratégia apresentada. Agora falta a concretização. Vamos ao trabalho”, prometeu Nuno Russo.