Qual o propósito da Semana Nacional das Migrações, que se celebra entre 11 e 18 de Agosto?
Sensibilizar não só a população em geral, mas também a própria Igreja, para a questão das migrações. Foi criada com este propósito. E coincide sempre com o 12 e 13 de Agosto, porque queremos ter cá os nossos emigrantes, porque queremos fazer desta peregrinação um tempo de encontro em Fátima com os nossos emigrantes. Ao longo do tempo, foi-se alargando também aos imigrantes e aos refugiados. E hoje é conhecida como a peregrinação do migrante e do refugiado, com o ofertório do próximo domingo [nas missas] a ser consignado aos projectos de mobilidade humana.
Qual tem sido o papel da Igreja Católica no acolhimento e integração da população imigrante?
A partir das suas estruturas, como os secretariados diocesanos de migrações e as Cáritas Diocesanas, é prestada muita atenção ao acolhimento de emergência, mas também no apoio à documentação, ao ensino da língua e às necessidades dos grupos novos que chegam. E há ainda as congregações religiosas que se envolveram de uma forma activa e que têm dado esse testemunho do que é acolher, até aquele que não pertence à mesma fé. No fundo, são as nossas antenas do que se está a passar a nível nacional com as migrações.
E qual é o retrato do País a esse nível?
Vamos testemunhando que estão a chegar de facto mais pessoas, sobretudo do Brasil, do Bangladesh, do Paquistão … E o que nos vai preocupando em algumas zonas do País é quando estas pessoas cam sem trabalho e começam a recorrer mais aos serviços. Por outro lado, aquilo que vamos percebendo é que as comunidades locais se vão sentindo incomodadas com as comunidades que não conhecem.
A que se deve esse sentimento de incómodo, no seu entender?
Não sei se é uma questão numérica ou linguística. Eu acredito que é fundamental a comunicação, de preferência em português, que as comunidades que chegam não se fechem só no seu núcleo e estejam abertas a conhecer a comunidade de acolhimento. Mas depois também é importante que as comunidades autóctones estejam disponíveis para participar nesse processo de encontro e de diálogo. Se houver só o esforço de um dos lados, é difícil sentirem-se todos como parte da mesma família.
Sente que as migrações estão a ser instrumentalizadas pelos interesses partidários?
Sim, seja contra ou a favor dos migrantes, às vezes acaba por instrumentalizar-se algo que faz parte da natureza humana. A migração faz parte da economia, nós precisamos economicamente dos migrantes, e ninguém migra só porque sim, mas porque precisa por diferentes causas. Então vamos construir um projecto comum, com todos os actores que estão no terreno: um projecto migratório bem pensado desde o acolhimento até à integração. Se conseguirmos conversar e construir um país em conjunto, ficamos todos a ganhar. Temos de fazer alguma coisa para evitar a instrumentalização política e tensão social e acredito que o grande desafio da Igreja Católica é ajudar a promover o encontro entre as comunidades, fazer parte deste processo de inclusão.
O que se pode fazer para travar os discursos de ódio e de desinformação em relação aos migrantes?
Durante muitos anos tivemos uma coisa em Portugal que funcionou. A população sabia que tinha familiares lá fora, queria que eles fossem bem tratados, logo, queria tratar bem quem chegava. E tentávamos equilibrar desta forma, a partir da experiência. Então, é importante nós termos a experiência de conhecermos quem está no nosso território. Se a experiência for positiva, essas pessoas passam a ter um nome, a fazer parte da comunidade, e deixa de haver discurso anti-imigração. Depois vem a parte administrativa e burocrática.
Como está a decorrer a transição do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para a actual Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA)?
Estamos numa fase de transição sofrida. As medidas que foram tomadas não foram suficientes.
A nova lei da imigração não veio ajudar?
Veio para ajudar num determinado sentido, mas o que temos ouvido em vários pontos do País é que ficou criado um vazio. Sabemos que a manifestação de interesse foi extinta porque não estava a funcionar e estava a ser usada de uma forma abusiva, mas a verdade é que são as pessoas que estão no terreno, inclusive empresários, que dizem que não conseguem legalizar os trabalhadores que têm ou que precisam. Portanto, tem de se arranjar um sistema que funcione, que não seja abusado nem instrumentalizado por máfias, ou por redes oportunistas, como aconteceu com as manifestações de interesse e que levou à saturação do sistema.
Os fluxos migratórios, de origem e destino, têm mudado muito nos últimos anos. Que percepção de futuro tem em relação a estas tendências?
No que diz respeito aos refugiados ou aos requerentes de protecção humanitária, não conseguimos prever porque são vítimas de guerras. Ou seja, se conseguíssemos acabar com as guerras e com o terrorismo, deixaria de haver refugiados e deslocados internos. E ficaria mais fácil dedicarmo-nos às vias legais e seguras para as migrações. O que temos neste momento é uma grande dificuldade em lidar com a questão dos refugiados, sobretudo com aqueles que não vêm da Europa. Ainda recentemente, assistimos a um fenómeno interessante. Houve algumas resistências com os refugiados que vinham da Síria e não sentimos resistência nenhuma com os deslocados da Ucrânia, nem sequer lhes demos o nome de refugiados.
Como chegámos a este tipo de diferenças e resistências?
Não sei. Nós falamos muito do medo de quem recebe, não sei se há também o medo de quem parte. Por isso é que digo que é importante não nos fecharmos e darmos oportunidade de nos conhecermos, porque há preconceitos em todos os lados e a única forma de os combater é enfrentando-os, indo ao encontro.
E o que vai acontecer às pessoas que vão ser obrigadas a abandonar as suas regiões ou países por causa das alterações climáticas e nem sequer são reconhecidas como refugiadas?
O que temos de ter em conta, como nos recorda o Papa Francisco, é que esta é a nossa casa comum. Se esta é a nossa casa comum e se queremos ser uma família humana, apesar da diversidade, e mesmo que não nos demos bem com todos os parentes, pelo menos que haja cordialidade e respeito para que exista um cantinho para cada pessoa. É um imperativo aprender com a natureza. Houve um tempo em que aprendíamos com a natureza a competir. Agora temos que aprender com a natureza a cooperar. Este é o segredo do futuro: cooperar, preservar, cuidar uns dos outros.
Além da força do trabalho, que mais-valias podem trazer as novas gerações de imigrantes ao nosso País?
Podem trazer a criatividade, a inovação, outra maneira de ver o mundo. Uma forma diferente de ver as coisas, que nos ajuda a desenvolver.
As instituições que trabalham com as questões das migrações são ouvidas pelo poder político?
Gostaríamos que o Fórum de Organizações Católicas para a Imigração e Asilo (FORCIM) fosse mais ouvido. Porque muitas das instituições que integram o Fórum têm implantação nacional e podem aportar informação importante e relevante. Por outro lado, podem transmitir a luz que vem da Palavra e uma mensagem de fraternidade e de amizade social. Nesse sentido, um dos nossos projectos é fazer o pedido para integrarmos o Conselho das Migrações.
Psicopedagoga e catequista
Eugénia Costa Quaresma nasceu em 1975, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, em Lisboa.