Os concelhos de Pombal, Soure, Leiria, Marinha Grande, Batalha, Nazaré, Alcobaça, Porto de Mós, Caldas da Rainha, Ourém e Rio Maior estão todos sob a mira da exploração de petróleo e gás através do processo de fractura hidráulica.
Quem o afirma é a Associação de Surf e Actividades Marítimas do Algarve (ASMAA), a Quercus e a plataforma Peniche Livre de Petróleo. A ASMAA está a preparar uma manifestação contra o uso de fractura hidráulica (fracking) e exploração de petróleo e gás natural em Portugal, marcada para 21 de Dezembro, em frente à Assembleia da República, em Lisboa, dia em que uma das petições por si subscritas, alertando para o os impactos do fracking, no meio ambiente, nomeadamente a possibilidade de contaminação dos aquíferos e poluição sonora e do ar, será debatida.
Os 11 concelhos estão inseridos em duas grandes zonas concessionadas para exploração, atribuídas em Setembro de 2015, pelo anterior Governo, à empresa australiana Australis. Estas integram vários lotes de terreno contíguo e abrangem parte dos distritos de Coimbra, Leiria e Santarém, entre o estuário do Mondego, até ao município de Ourém, e ao Santuário de Fátima, inclusivamente.
Um relatório apresentado pela Australis à Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC) refere que há “grandes acumulações de gás” e que embora a exploração possa ser limitada, os testes mostram que existe um sistema de hidrocarbonetos activos.
A empresa prevê igualmente a “existência de gás em volume” e sublinha que já existe um gasoduto com capacidade de receber mais produção, além de um sistema rodoviário moderno. “O mercado doméstico depende em exclusivo de gás e petróleo importado e não há restrições para as exportações, além de um regime fiscal benéfico.”
A ASMAA conseguiu uma cópia da apresentação que a Australis apresentou a investidores, a 6 de Novembro, e, na primeira página da secção onde se refere Portugal, a empresa destacou duas frases: “baixo custo e exploração em área terrestre com necessidade mínima de mão-de-obra” e “ausência de participação governamental, no processo”.
“Estas duas frases indicam, de forma clara, o modo como o nosso Governo é visto lá fora, como a nação portuguesa é vista: um país maduro à espera de ser explorado”, refere a associação algarvia. Ricardo Vicente, porta-voz da Peniche Livre de Petróleo, recorda que a plataforma enviou uma carta aberta aos presidentes das câmaras, de Caldas da Rainha até à Figueira da Foz, numa tentativa de alertar e para que sejam tomadas medidas que impeçam que a exploração de hidrocarbonetos, por fractura hidráulica ou por outro método, avancem na região.
Se, em Peniche, quatro das concessionárias declararam que não têm interesse em explorar petróleo na bacia atlântica, nas concessões de Pombal e Batalha, esse interesse parece continuar bem vivo.
“Há a possibilidade de exploração de gás natural e de petróleo, através de fractura hidráulica”, assegura o engenheiro agrónomo que está, neste momento, a investigar o efeito das alterações climáticas, no âmbito de uma tese de doutoramento.
Pesquisa ou produção?
A fractura hidráulica ou fracking, é um processo pelo qual se injecta água misturada com areia e vários reagentes químicos, na rocha a grande profundidade, de modo a que a sua fractura por este processo mecânico liberte o petróleo ou o gás natural aprisionado.
Embora o tema seja polémico e haja quase tantos estudos científicos a defender como a atacar a fractura hidráulica, há alguns sinais alarmantes verificados nos Estados Unidos, Canadá e até no Reino Unido, de que este processo de exploração de hidrocarbonetos, em profundidade, no subsolo, pode acarretar riscos para as populações.
“Ao contrário de um poço petrolífero normal, que fura na vertical e age como se fosse um furo artesiano de água, com o fracking a exploração no subsolo ocupa uma área correspondente na superfície, por baixo de casas, empresas ou campos de produção agrícola”, explica Ricardo Vicente.
Segundo a plataforma Peniche Livre de Petróleo, a ENMC actualizou o Mapa de Licenças/ Concessões de prospecção e produção de petróleo em Portugal, dando conta do cancelamento dos quatro contratos que estavam localizados na Bacia de Peniche. “É uma boa notícia para o País”, refere a PLP, apelando às Câmaras “cujo território esteja incluído nos contratos com a Australis que manifestem publicamente a sua oposição à instalação da indústria petrolífera”
O JORNAL DE LEIRIA enviou pedidos de esclarecimento a várias autarquias visadas, mas só Pombal e Nazaré responderam. Do Município de Pombal foi-nos dito que a autarquia conhece este contrato e que, em Dezembro de 2015, houve uma reunião de trabalho com todos os presidentes das câmaras abrangidas e com o presidente do Conselho de Administração da ENMC, onde foram prestados esclarecimentos.
“O referido contrato não fala em direito de exploração. O que foi autorizado foi a prospecção”, pode ler-se na resposta deste município. Mas, no título dos dois contratos – Batalha e Pombal – a que o JORNAL DE LEIRIA teve acesso, através da ENMC, é bem patente a designação: “Concessão de direitos de pesquisa, desenvolvimento e ‘produção de petróleo’ nas áreas designadas Batalha e Pombal.”
Os documentos foram assinados a 30 de Setembro de 2015, pelos representantes da entidade nacional e do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, do Governo de Passos Coelho, e pelo australiano Ian Lincoln, em representação da Australis Oil e Gás Portugal.
Neles, prevê-se a pesquisa por oito anos, a partir da assinatura e um investimento de 10.225 mil euros e, caso haja produção, um prazo de exploração válido por 25 anos, com “uma ou duas prorrogações” de, até, 15 anos.
De Pombal surge também a informação de que a fractura hidráulica é “proibida na Europa e não é admitida, sequer, em Portugal”. Na verdade, tanto a União Europeia, como o nosso País não têm legislação que proíba a técnica. Ainda assim, os contratos prevêem, na sua cláusula número 4 que a concessionária “não poderá utilizar técnicas de fractura hidráulica, a não ser que haja autorização da tutela, a qual só poderá ser recusada, com fundamento na lei”.
A lei, alterada em 2016, prevê a realização de uma Avaliação de Impacto Ambiental. João Camargo, uma das vozes que tem questionado a necessidade de exploração de hidrocarbonetos em Portugal, diz que a única alteração que ocorreu sobre o fracking nos últimos anos é que passou a ser obrigatória uma avaliação de impacto ambiental, se houver recurso a técnicas de extracção não convencionais.
"Se o pedido de autorização prévia mencionado no número 4 anterior, não for decido no prazo de 30 dias, contados da sua apresentação, considerar-se-á o mesmo pedido aprovado", pode ler-se no número 5 do contrato, ficando patente que basta às entidades estatais não se pronunciarem sobre a questão para que a empresa possa avançar com a eventual exploração de gás natural ou outro hidrocarboneto.
“Tem sido dito e repetido por técnicos e decisores políticos que o que está neste momento concessionado não é a exploração de combustíveis fósseis, mas a sondagem e prospecção. Não bate certo. Se o que está em causa é a sondagem, porque há um contrato único de sondagem e exploração? Porque foi o Decreto-Lei nº 109/94, de 26 de Abril, então aprovado, se o seu objectivo principal foi deixar de haver quatro licenças, sendo apenas a última de exploração?”
“Quem redigiu o documento sabia o que estava a fazer”, observa Domingo Patacho. O dirigente da associação ambientalista Quercus sublinha que nem a população, nem as autarquias sabem o que se está a passar, não tendo sido ouvidas antes da assinatura dos contratos.
“Isto não é só fazer um furo e ficar automaticamente rico. Deve haver debate e sessões de esclarecimento. Claro que, por agora, se pode alegar que são apenas sondagens, mas, e se houver hidrocarbonetos em quantidade?”, questiona.
Já Ricardo Vicente remata e explica que, no nosso País, “a legislação é antiquada” e sem quaisquer exigências a nível ambiental e socio-económico. Santuário e Nazaré dizem que nunca foram ouvidos.
Fonte do Santuário de Fátima esclarece que o assunto tem sido acompanhado “oficiosamente”, pois nunca houve qualquer contacto formal com a entidade. “O que sabemos tem sido divulgado pelas associações que se opõem à exploração de petróleo.”
Também o presidente da Câmara da Nazaré, Walter Chicharro, afirma que “o Município não foi contactado sobre o assunto ou sobre os impactos esperados, e defende o esclarecimento de diversas questões que se poderão levantar com a criação de uma área concessionada para exploração de petróleo e gás, designadamente nas vertentes ambiental e turística”.
Caso a Australis decida avançar com a exploração e o Estado não tome quaisquer medidas, os contratos prevêem que Portugal receba royalties – direitos de exploração – no valor total de 1,5 a 8% do total de barris retirados, mas, mais uma vez, há uma cláusula que condiciona o pagamento.
“Só se poderá cobrar os valores, após a empresa concessionada entender que o seu investimento foi recuperado. No Norte da Europa, na Noruega, que é considerada um exemplo no sector, os royalties são de 80%”, diz Ricardo Vicente, adiantando que os contratos que foram assinados por Moreira da Silva e a Australis “permitem tudo e mais alguma coisa".
“Só se poderá cobrar os valores, após a empresa concessionada entender que o seu investimento foi recuperado. No Norte da Europa, na Noruega, que é considerada um exemplo no sector, os royalties são de 80%”, diz Ricardo Vicente, adiantando que os contratos que foram assinados por Moreira da Silva e a Australis “permitem tudo e mais alguma coisa".
“No caso do fracking, como fica a questão da propriedade dos terrenos à superfície? Terá de ser abandonado? Terá de ser expropriado?”, questiona o porta-voz da Peniche Livre de Petróleo.