Um grande felino carnívoro a 10 quilómetros da Praça Rodrigues Lobo? Ossos recuperados no decurso de escavações arqueológicas (ulna e fémur) revelam a presença da pantera (Panthera sp.) no Vale do Lapedo, durante o Paleolítico Superior.
Também o abutre-barbudo (Gypaetus barbatus) está documentado (vulgarmente conhecido como quebra-ossos) através de excrementos preservados pelo tempo.
Mas a fauna pacientemente extraída do Abrigo do Lagar Velho (freguesia de Santa Eufémia, concelho de Leiria, onde foi descoberto o esqueleto da Criança do Lapedo, com 29 mil anos) é muito mais rica e diversa. No período de há 30 mil a 24 mil anos, encontram-se todas as classes de animais vertebrados: aves, répteis, anfibios, peixes e mamíferos, incluindo o lince-ibérico (Lynx pardinus) e o lobo-cinzento (Canis lupus).
O veado (Cervus elaphus) seria, provalmente, a fonte de alimentação abundante e favorita dos grupos humanos de caçadores-recolectores, numa dieta com cavalo selvagem (Equus sp.), auroque (Bos primigenius, o antepassado, já extinto, do boi), cabra-montês (Capra pyrenaica), camurça (Rupicapra rupicapra), corço (Capreolus capreolus) e javali (Sus scrofa).
“Os animais contam histórias, de facto”, comenta a arqueóloga Ana Cristina Araújo, da equipa de investigação da Direcção-Geral do Património Cultural para o Abrigo do Lagar Velho. Sobre alimentação, que contemplava a pesca na ribeira da Caranguejeira, vestuário, adornos, ferramentas. “Por outro lado, reflectem ecologias, reflectem paisagens”, realça. “Trazem-nos informação preciosa”.
Ana Cristina Araújo integra o comissariado científico da exposição Ossos do nosso ofício, animais da nossa história. O Lagar Velho contado pelos seus bichos, que é inaugurada no sábado, 1 de Junho, às 15:30 horas, e se distribui por três núcleos: Avenida Heróis de Angola, CIA – Centro de Interpretação Ambiental de Leiria e Museu de Leiria.
Engloba ilustrações de grande formato da autoria de Nuno Farinha e ossos provenientes das escavações, entre outros elementos.
No período de há 30 mil a 24 mil anos, o planeta experienciava um dos períodos mais frios da sua história em termos climáticos: o Último Máximo Glacial. Nos animais já identificados no Abrigo do Lagar Velho, há uma ligação com a arte rupestre de Foz Côa, explica a equipa do Museu de Leiria, responsável pela organização da exposição, que integra o programa de Comemoração dos 25 Anos da Descoberta do Abrigo do Lagar Velho e da Criança do Lapedo e “pretende ser, também, um alerta para a discussão em torno das consequências da actividade humana nos ecossistemas e da extinção de espécies”. É um mundo que se perdeu que se revela agora em Leiria.