O Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal Litoral (ACeSPL) tem um nutricionista a meio tempo para cerca de 267 mil utentes nos concelhos de Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós.
O Governo lançou recentemente um concurso para o preenchimento de 40 vagas, sendo que apenas uma será destinada à região. A Ordem dos Nutricionistas defende um rácio de um especialista para cada 20 mil utentes. Ora, Leiria fica muito aquém deste número. Para garantir uma prestação de cuidados com um apoio significativo de especialistas na área, o ACeSPL necessitaria de 13 nutricionistas.
Pedro Sigalho, director executivo do ACeSPL, admite que um nutricionista a meio tempo é “manifestamente insuficiente”. “Numa primeira fase, se tivéssemos um nutricionista por cada concelho, daria para iniciar todo um trabalho de avaliação de necessidades que certamente levaria a aumentar o número de profissionais de acordo com as necessidades detectadas”, assume, ao afirmar que o rácio avançado pela Ordem dos Nutricionistas depende da avaliação da cada região e “dos projectos da tutela”, que “poderão levar a maiores necessidades”.
Outubro é o mês dedicado à alimentação e às patologias associadas. No dia 16 assinalou-se o Dia Mundial da Alimentação e no dia 11 foi comemorado o Dia Mundial da Obesidade. O excesso de peso e a obesidade são um dos desafios da saúde pública do século XXI.
Segundo o último estudo português, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, estima-se que, em Portugal, mais de metade da população tenha obesidade ou pré- -obesidade. Mas o excesso de peso não é o único problema que necessita da intervenção dos nutricionistas. Há também problemas relacionados com as doenças associadas à alimentação e até desnutrição.
Fernando Costa, dietista especialista da Unidade de Nutrição e Dietética (UND) do Hospital Distrital de Pombal, do Centro Hospitalar de Leiria (CHL), explica que o nutricionista intervém “na melhoria da qualidade de vida em indivíduos com obesidade, na redução do peso e na prevenção da doença”.
O principal método passa “pelas boas práticas alimentares, sempre que tal seja exequível do ponto de vista sócio-económico, bem como da saúde global, física e mental, participando em equipas multidisciplinares, com vista a um diagnóstico abrangente do estado clínico de cada paciente”.
O CHL tem sido o local para onde os médicos de família encaminham os casos problemáticos, tendo seis nutricionistas, um deles em permanência no hospital distrital de Pombal. Graça Medina, coordenadora da UND, revela que “entre Janeiro e Setembro de 2018 foram realizadas 2.795 consultas médicas e não médicas no âmbito do Serviço de Nutrição e Dietética, e em 2017, no mesmo período, 2.552 consultas”.
No entanto, a especialista adverte para a “grande lista de pedidos de consulta de Nutrição, que não se centra apenas nos problemas de obesidade, mas em qualquer outra patologia em que a nutrição possa ter influência para a recuperação”.
Considerando que o dietista/nutricionista é o profissional de saúde “melhor preparado para auxiliar na reversão desta pandemia do século XXI”, Fernando Costa constata que além das medidas preventivas, este profissional “permite despertar o interesse e ampliar o conhecimento dos indivíduos face à importância da adopção de hábitos alimentares saudáveis, para que, desta forma, seja exequível a redução da prevalência de doenças relacionadas com a alimentação”, entre as quais a diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia, outras doenças metabólicas, respiratórias, cardiovasculares, ósseas e vários tipos de cancros.
Segundo os dados da Direção-Geral da Saúde (DGS), mais de dois milhões de pessoas têm pré-diabetes, e cerca de 44% das pessoas com diabetes ainda estão por diagnosticar, alerta Raquel Oliveira, nutricionista do CHL.
Estima-se que a prevalência da diabetes na população portuguesa, com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos, se situe nos 13,3%, ou seja, mais de um milhão de portugueses, sendo que morrem entre 10 a 12 portugueses por dia pela diabetes. “Face a estes dados, é compreensível a importância da intervenção nutricional na diabetes.”
Ângela Carvalho, nutricionista do CHL, acrescenta que também as grávidas devem ter atenção à alimentação para evitar a diabetes gestacional. “Pretende-se adequar a alimentação à fase em que se encontra, estimular hábitos de actividade física adaptada, sempre tendo em vista o melhor controlo metabólico, desmistificando muitos conceitos criados à volta da alimentação na diabetes e também na gravidez.”
O objectivo será sempre a “aquisição de hábitos alimentares adequados a longo prazo e não só nesta fase, até pelo risco de desenvolver diabetes num período pós-gravidez, aproveitando este período sensível de maior adesão aos ensinamentos apresentados”.
Raquel Oliveira informa que o padrão alimentar habitual constitui, de acordo com a OMS – Oganização Mundial da Saúde, um dos principais factores determinantes passíveis de modificação na prevenção e tratamento de doenças crónicas não transmissíveis, sendo que “a terapêutica nutricional é fundamental na prevenção e tratamento da diabetes” e “nas complicações associadas a esta patologia”.
Sendo um problema que contribui para um aumento significativo dos custos do Serviço Nacional de Saúde, a aposta deveria ser na prevenção e no tratamento imediato. Consciente da importância dos nutricionistas e, sobretudo num momento em que se estima que “mais de 50% da população mundial poderá ser obesa em 2025”, Pedro Sigalho garante que uma das reivindicações junto do Ministério da Saúde tem sido aumentar o número destes profissionais nos cuidados de saúde primários, onde os problemas são inicialmente detectados.
CHL dá resposta aos cuidados primários
É o CHL que acaba por dar resposta à maioria dos problemas relacionados com a alimentação. No Serviço de Endocrinologia e Nutrição, foi criada, há cerca de um ano, uma consulta de obesidade, tendo sido realizadas até ao momento 223 consultas, correspondendo a 153 doentes.
“Tendo em conta as necessidades nesta área, a ideia é aumentar o número de consultas, promovendo o tratamento da obesidade, evitando, assim, [LER_MAIS] muitas patologias associadas que terão de ser tratadas no futuro”, adianta Alexandra Vieira, directora do Serviço de Endocrinologia e Nutrição.
Este serviço não segue casos de bulimia nem de anorexia, no entanto, identifica um maior número de outros tipos de distúrbios como o binge eating, ou seja “uma compulsão alimentar periódica, em que as pessoas comem excessivamente e descontroladamente uma quantidade de alimentos considerada exagerada pela maioria das pessoas, e que só termina quando um intenso mal-estar ou exaustão física extrema são atingidos”.
O nutricionista tem também um papel importante na área da oncologia, cujos doentes sofrem alterações do seu estado nutricional. Tânia Jorge, nutricionista do CHL, explica que, durante e após o tratamento oncológico, é frequente “haver alteração do estado nutricional por anorexia (falta de apetite), náuseas e vómitos, alteração do paladar, mucosite (inflamação das mucosas), xerostomia (boca seca), alterações intestinais (obstipação/diarreia), disfagia (dificuldade em deglutir), entre outros”.
A especialista acrescenta que “uma nutrição adequada tem efeitos positivos na função imunitária, diminuição da taxa de complicações, eficácia da resposta ao tratamento, e controlo dos sintomas”.
ESSLei aposta na promoção da saúde
Atenta aos desafios da sociedade, particularmente àqueles relacionados com a promoção da saúde e a prevenção de doença, a Escola Superior de Saúde de Leiria tem desenvolvido parcerias com diferentes instituições.
Recentemente foi criado o Observatório da ESSLei para a comunidade e a licenciatura em Dietética e Nutrição tem participado activamente em diversas iniciativas, com diferentes parceiros, que visam a promoção de uma alimentação saudável dirigida a diferentes grupos populacionais e/ou a avaliação do estado nutricional, este último aspecto essencialmente dirigido à população em idade pediátrica.
De acordo com o relatório do Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física (IAN-AF), realizado entre 2015 e 2016, pela Universidade do Porto, os portugueses comem cada vez pior, especialmente os mais pobres e com menos escolaridade.
Comparando com as recomendações da Roda dos Alimentos, os portugueses estão a consumir proporcionalmente mais 10% de “carne, pescado e ovos” e 2% de “laticínios”, e pelo contrário menos “fruta” (-6%) e “produtos hortícolas” (-12%), bem como “cereais” (- 12%), refere o estudo, alertando que mais de metade da população portuguesa não cumpre a recomendação da OMS de consumir mais de 400g/dia de fruta e produtos hortícolas (equivalente a 5 ou mais porções diárias). A inadequação é superior nas crianças e nos adolescentes, dos quais 69% e 66% não cumprem as recomendações.
A insegurança alimentar foi avaliada no IAN-AF, que concluiu que os maus hábitos alimentares estão associados “não apenas a condições de pobreza estrutural, mas também a condições transitórias – mas nem por isso menos graves – de escassez de recursos, nomeadamente financeiros”.
No IAN-AF 2015-2016, “10,1% das famílias em Portugal tiveram dificuldade, durante este período, de fornecer alimentos suficientes a toda a família, devido à falta de recursos financeiros; 2,6% destas famílias, indicaram experimentar insegurança alimentar moderada ou grave referindo a alteração dos seus hábitos alimentares habituais, e a redução do consumo de alimentos, em muito casos alimentando-se com poucos alimentos ou até mesmo que “sentiram fome mas não comeram por falta de dinheiro para adquirir alimentos”.
Crianças com excesso de peso
Um estudo realizado pela nutricionista Joana Moutinho, do Centro Hospitalar de Leiria, para o Município da Batalha, detectou um aumento do número das crianças do 1.º ciclo e jardim de infância com excesso de peso. O estudo comparativo constata que mais 9% das crianças no jardim de infância e mais 4,3% dos alunos do 1.º ciclo, em 2017/18 registavam excesso de peso, face a 2016/17. No entanto, os números relacionados com a obesidade diminuíram em 7%. Num estudo realizado pela Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil, em parceria com o Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, indica que a região de Leiria tem 33% das crianças com excesso de peso, um número que coloca a região no meio da tabela do país. Joana Moutinho revela que o serviço de Pediatria-Dietética do CHL recebe crianças dos 0-18 anos reencaminhadas dos centros de saúde e pedidos internos do hospital. “Uma grande percentagem vem devido a excesso de peso ou obesidade, mas são também encaminhadas crianças com outras patologias, como dislipidémias, paralisias cerebrais, perturbações do comportamento alimentar, regimes
alimentares especiais, conflitos alimentares, atrasos de crescimento, doenças inflamatórias intestinais ou insuficiências renais.” Além do plano alimentar personalizado, Joana Moutinho destaca a importância de se conseguir “captar a atenção e empatia das crianças” e “envolver todo o seio familiar, na perspectiva de haver maior adesão à alteração de hábitos alimentares”. “Só assim vamos conseguir obter bons resultados. Os hábitos alimentares adquiridos na infância são aqueles que perduram para toda a vida.”
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consultas semanais são realizadas no serviço de Pediatria-Dietética do Centro Hospitalar de Leiria
2795
consultas foram realizadas entre Janeiro e Setembro de 2018 no Serviço de Nutrição e Dietética do Centro Hospitalar de Leiria. Em igual período de 2017 registaram-se 2552