“Nunca sabemos bem quem o outro é, nunca sabemos bem quem é que nós somos”, diz João Pedro Vala, acerca do livro que vai apresentar no próximo sábado durante o Fazunchar, em Figueiró dos Vinhos, quase um diário – “em muitos sentidos autobiográfico”, segundo o autor – que, por um lado, pesquisa “o que há de comum entre duas comunidades diferentes”, ou seja, os habitantes do concelho e os artistas que chegam para o festival, e, por outro, procura responder a uma pergunta: “Quem é que eu sou no meio de todas as coisas que me rodeiam?”
Duas raparigas a tocar Dua Lipa no órgão da igreja, um rosto saído de um dos quadros de Malhoa expostos no museu da vila e um anúncio de óbito afixado num café que provoca um momento insólito e inesperado – “quando levantei a cabeça, na esplanada estava um homem exactamente igual ao homem que tinha morrido” – são linhas narrativas que ajudam a coser o texto de Muro, que é o produto da residência artística de literatura protagonizada por João Pedro Vala, no Fazunchar, em 2022, e que é dado a conhecer, numa edição de pequeno formato com meia centena de páginas, depois de amanhã, na sessão com início às 18 horas.
Durante uma semana, no ano passado, João Pedro Vala deambulou pelas ruas, tascas e igrejas do concelho de Figueiró dos Vinhos até desaguar numa sinopse habitada por intrépidos figueiroenses e um morto que afinal estava vivo (ou um vivo que afinal estava morto), atestou como o tempo tem um ritmo próprio no interior norte do distrito de Leiria, conheceu os novos moradores da região, oriundos de Inglaterra, da Irlanda, dos Países Baixos e de outros países do Norte da Europa, observou as intervenções de arte pública e acompanhou a interacção entre os pintores muralistas e a população local.
“O que é mais surpreendente e que eu vou relatando é uma espécie de semelhança entre essas comunidades que parecem tão distintas”, comenta o autor do romance Grande Turismo, fundador e director d’A Gazeta. Tudo isto sem telemóvel e para concluir que “aquilo que procurava continua a monte”.
A apresentação de Muro é o primeiro momento do programa Fazunchar Faz a Festa, que, em parceria com a associação Terractividade, assinala, no próximo sábado, o décimo aniversário do Museu e Centro de Artes de Figueiró dos Vinhos. Concertos de Stereossauro e do trio de João Gil com Joana Rodrigues, um dj set, uma conversa sobre arte e comunidade e a actividade Traços e Acordes, em que o público é desafiado a desenhar ao som da música de Mouzelo e Nuno Sá, completam o cartaz.
Entretanto, o Fazunchar prossegue amanhã, sexta-feira, com visita guiada por Lara Seixo Rodrigues (que se repete no domingo) e concerto de Ana Lua Caiano – a cantora e compositora integra o conjunto de residências artísticas do festival em 2023.
No sábado, decorre a Rota dos Fregueses e no domingo está anunciado um workshop de encadernação e o tradicional piquenique comunitário.
A quinta edição do Fazunchar evento que transforma a vila numa galeria a céu aberto, com a pintura mural no centro da programação, está a decorrer em Figueiró dos Vinhos e nas freguesias de Aguda, Arega e Campelo desde 12 de Agosto e termina no próximo domingo, dia 20. Inclui ao todo três residências artísticas (música de Ana Lua Caiano, pintura de Martinho Costa e vídeo de Miguel Canaverde) e três exposições já inauguradas: De Tempos a Tempos, o resultado das residências artísticas de fotografia das edições 2021 e 2022, por Miguel Oliveira; Quais as Cores de Figueiró dos Vinhos?, criação comunitária de papéis marmoreados; e Ilustrar Malhoa, com ilustração de vários artistas sobre trabalhos do pintor José Malhoa, que trabalhou e viveu em Figueiró dos Vinhos.
Além das intervenções de arte pública que permanecem de anos anteriores, também já é possível ver, da edição de 2023, as instalações de Sófachada e os murais de Mário Belém, Daniela Guerreiro, Jaune (Bélgica), Giuliane Sampanio (Brasil) e Marta Lapeña (Espanha).
O Fazunchar é uma iniciativa da Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos com curadoria e co-organização da plataforma de intervenção artística Mistaker Maker.