A chegada à feira de Pataias antecipa sempre grande reboliço. À entrada, formam-se filas de carros, autocarros, “papa-reformas”, gente nova e menos nova fura o trânsito a pé e de bicicleta. Cruzam-se grupos de ciclistas e de motociclistas, colhem-se assinaturas para petições, donativos para travar doenças, moedas para pensos ou para o Borda D’Água.
E no recinto, ainda cedo, pelas 10 da manhã, é já forte o aroma a frango assado, que convida os famintos madrugadores a sentar nos restaurantes. Às modestas mesas de plástico chegam ricos pratos de frango assado no churrasco, morcelas ou bifanas, toda a variedade de sumos, colas, cervejas e os clássicos copos de três.
Simpática, uma menina abeira-se de um grupo de rapazes, pronta a anotar os pedidos. Depois de uma breve conferência, a decisão recai sobre quatro frangos com molho picante e 12 pães. “Vão desejar salada?”, pergunta a rapariga. E a resposta sai quase em coro: “Não. Cerveja para todos”.
Vestidos a rigor, os homens trazem casacos a combinar. “Apanhados por elas”, lê-se na indumentária deste grupo motard vindo da Bidoeira de Cima. “É que a salada estraga a nossa dieta mediterrânica”, justifica João Soares em tom de brincadeira. É de resto pela alegria da feira, pelos comes e bebes que os amigos passam por Pataias.“Ficamos uma hora ou duas e [LER_MAIS]depois vamos até à Nazaré”, acrescenta Paulo Pereira.
Carlos Farinha é o dono desta roulote transformada em restaurante. Lamenta-se da carga fiscal, mas reconhece que é uma feira “forte” e “estruturada”, onde se trabalha bem. Dos assadores até ao atendimento, Carlos conta com uma equipa bem oleada. “Portugueses, da Índia ou do Brasil. Aqui não há discriminação. Só têm de ter vontade de trabalhar.
Um ícone da freguesia
O mercado em Pataias surgiu na década de 40, no actual Largo da Anunciada (junto da antiga Igreja Paroquial), expandindo-se, no início da década de 70, para o Largo Comendador Joaquim Matias. Devido ao seu crescimento, em 1988 foi transferido para a actual localização, na Rua Nossa Senhora da Vitória (junto das piscinas municipais). Conta hoje com cerca de 150 feirantes das mais diversas actividades, que ali se apresentam todos os domingos pela manhã.
Peixaria, florista, charcutaria, legumes, calçado, vestuário, mobiliário, cestaria, restauração, comércio de animais vivos, velharias, de tudo se encontra neste espaço, onde as pessoas circulam ao ar livre. “É uma feira muito antiga, que surgiu de forma espontânea, por iniciativa de um conjunto de produtores locais, que se juntavam próximo da igreja”, contextualiza Valter Ribeiro, presidente da União de Freguesias de Pataias e Martingança, autarquia responsável pela gestão do mercado.
Ainda hoje, como forma de apoiar os produtores locais, estes gozam de benefícios no pagamento do terrado, expõe o presidente. Embora reconheça que o equipamento é merecedor de mais investimento, salienta que os melhoramentos vão sendo feitos aos poucos, à medida das possibilidades da freguesia. A aposta é inevitável, até porque se tornou num dos ícones deste território, parte integrante de vários roteiros, que também mobiliza visitas organizadas, provenientes de vários pontos do País, realça Valter Ribeiro.
Provas de resistência
Contra crises e shoppings modernos, há quem resista há décadas nesta feira. Na sua tenda, entre têxteis e roupa interior, Artur Almeida afirma ser actualmente o mais antigo feirante deste mercado, onde recebe várias gerações de clientes, desde 1971. “Os clientes são os habituais. Primeiro vinham os avós, depois os filhos e agora os netos”, conta o comerciante. “Alguns vêm comprar aqui há 50 anos”, frisa Artur, para quem todos eles “são praticamente família”.
“Têm aqui liberdade, caminham, vêem e não são pressionados a comprar”, valoriza o feirante. Resistente e genuinamente feliz com o seu trabalho é também Maria dos Anjos Candeias, de 78 anos, que vende hortaliças em Pataias há quase meio século. “Repolhos, cenouras, agrião, coentros, tudo isto sou eu que cultivo, com as minhas irmãs, em Valado dos Frades”, explica a vendedora.
Na banca, Maria dos Anjos conta com a ajuda do filho, braço direito de longa data, que numa manhã de domingo chega a cortar 30 quilos de couve para caldo verde. E por vezes, também a neta dá uma mãozinha, com a supervisão atenta da avó.
Na banca do peixe seco, a nazarena Francelina Quinzico dá continuidade ao ofício da família. “A minha falecida sogra foi uma das primeiras a vender em Pataias, quando ainda a feira se fazia próximo da igreja, junto ao coreto.” Secos ou enjoados, Francelina tem peixes para todos os gostos de gente vinda de vários concelhos e até de fora. “Muitos ucranianos gostam de peixe seco, sobretudo de verdinhos”, conta a vendedora.
Publicidade a todo o pulmão
Na zona do vestuário, as vendas têm sido mais difíceis. Em tempo de crise, os clientes fecham a carteira a quase tudo o que não sejam bens essenciais. Por isso, cada negócio é resultado de muito namoro ao freguês e de pregão a pleno pulmão. “Três peças por cinco euros, tudo lindo e de qualidade”, grita uma vendedora na sua banca de lingerie. “Às vezes dói-me de gritar, mas quando não vendo dói-me ainda mais”, confidencia a feirante.
Também Vera Limas fala da dificuldade que é vender camisolas. “É muito trabalho e tira-se pouco. As pessoas não compram, queixam-se que mal dá para a mercearia.” De vez em quando, Suria, de 9 anos, acompanha a avó. Também ela já vende bijuteria. Mas já percebeu que a vida de feirante pode ser difícil e por isso diz aplicar-se na escola.
Clientes de todas as idades
Carrinhos de bebé, empurrados por jovens casais, até aos idosos que, à força da bengala, procuram novidades e velhos conhecidos. Gente de todas as idades tem na feira de Pataias um passeio habitual. É o caso de Albertino Tiago, de 86 anos, que, apoiado nas muletas, aproveita a ocasião para conversar com o irmão. Natural da freguesia, Albertino é frequentador da feira há cerca de 60 anos. Agora, que é utente do lar de idosos vizinho do mercado, continua a sair todos os domingos para “matar saudades, conversar e apanhar sol”. E claro, fazer compras indispensáveis. “Venho comprar maçãs e um bolo”.
“Venho à feira desde que me conheço”, partilha também Cristina Simões, natural da Marinha Grande. “Faço as compras e depois almoço aqui”, conta a cliente habitual.