De que se ri Fernando Mendes?
Hoje em dia, com estas coisas, a gente liga a televisão, só ouve guerras, não dá para rir de muita coisa. Rio- -me pouco. Por acaso, ultimamente, ando-me a rir pouco. Rio-me de alegria quando o meu Sporting marca golos.
Novela, revista ou apresentação. Onde é que se sente mais um espectáculo?
O espectáculo que eu gosto de fazer é revista e já não faço há muito tempo. Novela não gosto nada de fazer. E acho que não faço bem, nunca fiz bem, por isso é que não faço. Por não querer e, como já sabem que eu não gosto, não me convidam. Adoro fazer O Preço Certo, pronto. Mas onde eu gosto mais de estar, o verdadeiro espectáculo, é em cima de um palco e sentir o público do outro lado. Se bem que O Preço Certo também tem essa coisa, que é ter o público ali mesmo em cima de mim, como no teatro temos o público na plateia. Portanto, divirto-me nas duas maneiras, num palco e no meu querido Preço Certo.
Já fez cinema?
Entrei uma vez num filme. Eu gosto, mas baldo-me muito às coisas. É culpa minha, porque não tenho assim grande interesse em fazer. E temos grandes actores de cinema, ainda bem, alguns grandes amigos meus. Eu prefiro fazer o teatro e prefiro fazer o meu Preço Certo.
E até quando será o senhor Preço Certo?
Serei o senhor Preço Certo até que a voz me doa. Há a questão das audiências, agora temos que jogar com essas coisas, mas eu ligo mais ou menos às audiências. Eu gosto é de andar na rua e sentir o carinho das pessoas, se gostam ou não gostam, se vêem ou não vêem. E quando ando com um espectáculo pelo o País inteiro, sinto que as pessoas vêem e adoram. Fico feliz. Portanto, O Preço Certo é até que a voz me doa.
Qual é o segredo para um êxito de tantos anos?
É ser genuíno, não inventar muito, ser eu próprio, ter carinho e respeito. Uma coisa é brincar, outra coisa é gozar. É brincar com as pessoas e que elas brinquem comigo também e termos ali uma cumplicidade. E essa cumplicidade existe. Portanto, é mais por aí. E claro que os prémios são importantíssimos para as pessoas. Quando fazem muitos quilómetros para estar ali, eu fico muito triste quando não levam nada. Mas isto é um jogo. Eu habituei-os um bocadinho mal. Não gosto que saiam dali sem levar um prémio para casa.
Ainda tem espaço em casa para tantos galhardetes, de tantas câmaras, juntas e associações?
Não, não tenho.
Então, como é que se gere?
Gere-se, porque trabalham ali 50 pessoas e muita gente leva muita coisa para casa. Às vezes, os concorrentes levam ofertas e não é para nós comermos muito. É para promoverem as terras, para promover os talhos, para promover os supermercados. E ali é o programa ideal para isso. Portanto, às vezes há críticas, lá estão eles, os lambões, comem muito, só querem comer, só querem beber. A gente não pede nada, as pessoas é que trazem.
Até porque para chouriças e guloseimas, nitidamente deixou de ter espaço. Em que momento achou que tinha que perder peso?
Tenho 61 anos. Isso foi há cinco. O meu pai morreu muito cedo e eu disse ‘é pá, se calhar isto é giro, mas lá em cima não conheço. Se tivesse restaurantes, a gente ainda ia lá em cima. Mas como não sei se tem…’ Acho que foi uma boa opção, porque ainda quero ver os filhos, que já estão crescidos, mas também quero ver os netos a crescer. Isso é importante. Foi mais por uma questão desaúde e pensar que o meu pai foi muito cedo. O meu pai partiu com 42 anos e pesava mais ou menos 150 quilos. Eu não queria que isso me acontecesse.
Alguma vez receou que a perda de peso roubasse a graça ao “gordo”?
Logo, logo, logo. Aliás, antes de fazer a operação, ainda no dia anterior, até o médico disse ‘olhe, ainda vai a tempo de dizer que não’. Realmente era uma coisa estúpida, mas aconteceu. Pensei, isto agora não vai correr bem, aliás, esta peça que eu estou a fazer neste momento é sobre um tipo que vive sozinho, gordo e que não se consegue mexer, não se mexe para nada, que quer é estar sentado. Como eu fazia antigamente. Cheguei a pensar, esta peça vai perder também a graça, porque eu vou ter menos 40 quilos. Mas foi estupidez da minha parte, foi um pensamento estúpido, porque realmente não tem nada a ver.
Manteve sempre o mesmo carinho do público.
O mesmo carinho. É isso que eu sinto. O carinho que as pessoas têm por mim é muito importante.
O sentido do humor é genético?
Eu acho que sim. O meu pai partiu muito cedo. O meu pai viveu numa altura diferente da minha. Na altura, no Parque Mayer – o meu pai praticamente só trabalhou no Parque Mayer – havia sempre umas exigências que hoje não há. Nessa altura, o meu pai era o actor mais popular que havia neste País. Mas também não podia fazer tudo o que queria no teatro, nem dizer todas as coisas que queria. E hoje as coisas mudaram muito. As pessoas já metem as tais ‘buchas’ à vontade. As coisas são completamente diferentes. Se o meu pai fosse vivo hoje, se calhar eu não era actor, não sei.
Aprendeu muito com ele?
Aprendi, claro. Aprendi com ele e com todos os campeões que trabalharam com ele nessa altura. Eu tive a sorte, quando me estreei no teatro, de apanhar alguns deles. E depois foi continuar a aprender, já dentro do palco, já em cima das tábuas. Aprendi com esses campeões, como o Henrique Santana, o [Eugénio] Salvador, a Florbela [Queirós] e outros tantos, tantos, tantos.
A revista continua a ser vista como um formato menor dentro do teatro ou começa a recuperar o prestígio de outros tempos?
Não sei. Vou ser sincero, vou muito pouco ao Parque Mayer. Mas acho que o Parque Mayer agora está a melhorar. E neste momento convém dizer que já estão os teatros todos abertos. O ABC, onde me estreei, esse é que fechou mesmo, já nem existe. Mas eu não tenho ido muito à revista. Infelizmente, só há uma revista. Mas temos o La Féria, que faz muitas revistas musicais, que também são revistas, bem feitas.
Depois de tantas décadas na televisão, que maiores mudanças é que observou no pequeno ecrã?
Hoje trabalha-se para as audiências. Acho que há uns programas bons, há outros mais ou menos e há uns que são muito fraquitos. E sei que os números é que importam.
Mas o Fernando não trabalha para as audiências?
Não, não, não. Felizmente, sempre estive na RTP1. E temos ali um programa que, por acaso, tem audiências. Por isso, é que se calhar posso estar a cantar de galo. É trabalhar para o que as pessoas gostam. Agora para as audiências, não sei se é importante.
Para o poder de compra médio do português, a cultura é um produto acessível?
Eu acho que sim. Falando nos bilhetes dos teatros, nós vamos a qualquer parte do País – não falo só de Lisboa e Porto – e os teatros são cheios. As pessoas vão ao teatro. Custa um bocadinho às vezes pagar o bilhete, mas não é tão caro como é em qualquer outra parte do mundo. Eu sei que o salário mínimo em Portugal é muito pouco, que as pessoas ganham pouco. Mas gostam de ir ao teatro. E se gostam de ver os actores que estão nessa peça, fazem esse sacrifício, muitas delas, para tirar do seu porta-moedas o dinheiro para o teatro.
Não sendo uma vida particularmente estável, que conselhos deixa aos jovens que sonham com uma carreira de actor?
Deixo aqueles que me deram a mim. É ter de trabalhar muito. Não pensar só no pequeno ecrã, em aparecer na televisão. Aparecer hoje e amanhã e já ser conhecido na rua. Isso não chega. E trabalhar, não ser só uma cara bonita, tanto homem como mulher, não ser só mostrar as roupas, que são importantes também, mas trabalhar para ter o talento. O talento trabalha-se e aprende-se com os mais velhos. Os mais velhos são muito importantes.
Que outros projectos gostaria de fazer no futuro?
Eu tive sempre sorte na minha vida, que nunca tive de fazer planos. As coisas foram-me acontecendo. Portanto, fui sempre tendo trabalho na revista e na televisão. E apareceu-me O Preço Certo. Felizmente, foi uma coisa que eu ia fazer três meses, mas que já faço há 21 anos. E vai continuar. Portanto, o projecto é continuar com meu O Preço Certo. E depois montar espectáculos. E pronto, o futuro a Deus pertence, como dizia o outro.
Aprender com os campeões