O Teatro da Rainha apresenta amanhã e sábado, 10 e 11 de Janeiro, no CCC, em Caldas da Rainha, a peça Jorge Patego ou o Marido Humilhado, de Molière. As duas apresentações, ambas com início às 21:30 horas, dão início às celebrações dos 40 anos de actividade da companhia, com sede em Caldas da Rainha, de que Fernando Mora Ramos é director artístico, além de encenador, actor e tradutor.
Em quatro décadas de Teatro da Rainha, contam-se 106 criações, dezenas de digressões por todas as regiões do País, do Minho ao Algarve e ilhas, internacionalizações em Moçambique, Espanha, Brasil e Roménia e residências de criação prolongadas em Évora, Lisboa, Coimbra e no Porto. “Andámos por todo o tipo de espaços”, resume Fernando Mora Ramos. “Desde espaços absolutamente precários, como é o nosso, aos mais luxuosos teatros nacionais”.
Que marca mais define o Teatro da Rainha, agora que chega aos 40 anos de actividade?
Por muito estranho que seja, o que nos continua a definir é não estar em Lisboa. É ter sido um projecto, desde o início, que combate a macrocefalia, a ideia de que quem está na grande capital tem direito àqueles bens culturais todos e quem está no interior ou vai a Lisboa ou não. As pessoas também têm essa ânsia, de ir para a capital, em vez de combaterem pela concretização da existência de estruturas de criação radicadas no território e nas suas terras.
Ser uma companhia profissional, mas estar em Caldas da Rainha, longe dos centros de decisão como Lisboa ou Porto, condiciona ou influencia o Teatro da Rainha de alguma maneira?
Condiciona em muitos aspectos. O primeiro tem a ver com mecanismos de reconhecimento. Estando fora de Lisboa, não se pertence àquele núcleo restrito de pessoas que andam lá numa espécie de flirt constante com os media. Para dizer que existimos, temos de estar sempre a pôr o braço no ar e a ter de fazer um esforço maior de informação da nossa actividade, que depois não tem eco crítico de nenhum tipo, a não ser aquele que vamos tendo agora pela existência das redes sociais. Desapareceu do mapa a figura do crítico de teatro.
O que não existe em Lisboa não existe de todo?
O que é que fazemos, há muitos anos? Temos parcerias com entidades que no fundo são entidades de criação nacional. Temos uma relação com mais de 20 e tal anos com o Teatro Nacional São João, com muita frequência vamos ao Teatro Nacional São João. Depois, por tabela, acabamos por ir parar ao Teatro Nacional D. Maria. Temos uma parceria com os Artistas Unidos. Temos uma relação estreita com o O’Culto, na Ajuda [em Lisboa]. E, portanto, o território para nós são todos estes sítios onde vamos fazendo os nossos espectáculos.
O que está previsto para 2025 como programa de comemoração do aniversário?
Primeiro, temos um conjunto de exposições, que vamos realizar, a partir da data de aniversário, 9 e 10 de Março. Vamos ocupando progressivamente até converter o nosso espaço numa gigantesca instalação. As exposições continuam noutros espaços. O nosso espectáculo de Verão, que será A Noite dos Visitantes, do Peter Weiss, em coprodução com o Teatro das Beiras, estará em cena na ruína da sala onde a gente começou a fazer teatro.
Haverá outras estreias em 2025?
A primeira estreia é a concretização de uma oficina de escrita partilhada entre quatro autores, que são a Cecília Ferreira, a Elisabete Marques, o Manuel Portela e o Henrique Fialho, e esse espectáculo é sobre um tema que é a invisibilidade, como aquela notícia que não surge quando deveria surgir, porque é convertida numa outra coisa, ou um excesso de notícia que acaba por ocultar o que acontece, como muitas vezes com estes fenómenos da violência, da guerra, seja Gaza seja Ucrânia, muitas vezes a gente não sabe de facto o que é que se passa porque o que está permanentemente a acontecer-nos é o exercício da exploração daquela violência toda. Chama-se Quem Está Aí? O segundo espectáculo é A Noite dos Visitantes e o terceiro chama-se Os Órfãos, de Dennis Kelly. É uma história que se passa na periferia londrina e que tem a ver com uma espécie de racismo anti-paquistanês. É uma coisa escolhida muito antes do fenómeno da Rua do Benformoso.
Será para quando?
Lá para Outubro. Ainda no âmbito da criação teatral, vamos fazer uma Pimentíada, portanto, vamos apresentar um ciclo de espectáculos e de leituras baseado na obra do Alberto Pimenta.
Como é que o Teatro da Rainha, e o teatro, em geral, se podem afirmar nestes dias cada vez mais dominados pelo digital?
É uma questão sobre a qual nos debruçamos muitas vezes. Este último espectáculo, por exemplo, Na República da Felicidade, esteve sempre cheio, tanto no Porto como aqui nas Caldas. O que sinto é que esta deriva em que a situação existencial das pessoas é cada vez mais transportada para um universo que se afasta do presencial está a levar a que as pessoas tenham um desejo cada vez maior de se se encontrarem fisicamente.