Duas equipas, duas rotas, dez doentes internados. Na segunda- -feira, dia em que a Unidade de Hospitalização Domiciliária (UHD) do Hospital de Santo André, assinalou três anos de existência, o JORNAL DE LEIRIA acompanhou uma das duas equipas que diariamente visitam cinco doentes para lhes prestar todo o apoio como se estivessem internados numa cama de hospital. “Assim ainda é melhor, porque no internamento não temos a visita do médico todos os dias”, afirma Cláudio.
Vânia Rodrigues e Ricardo Patrício, médica e enfermeiro do Centro Hospitalar de Leiria, saíram do hospital pouco depois das 9:30. Na carrinha levam a medicação acondicionada em frigorífico, material de enfermagem e até equipamento de emergência.
A primeira paragem foi na Barreira, onde Maria José, 69 anos, esperava ansiosamente a equipa. Aguardava alta para poder viajar para o Canadá e ver os netos. Há oito dias internada, os três dias no hospital foram bem diferentes daqueles passados em sua casa.
“São uma equipa fantástica e é muito melhor estar em casa do que no hospital, correndo o risco de apanhar uma bactéria resistente”, confessa.
O marido foi o seu cuidador e durante os dias do internamento domiciliário registava os sinais vitais, como a tensão arterial, medição de febre e da saturação do oxigénio, parâmetros verificados em todos os internamentos.
“Já posso ir às minhas comprinhas?”, questiona Maria José, após lhe retirarem a pulseira do internamento e lhe prescreverem os últimos dias de medicação para consolidar o tratamento a uma infecção na pele.
O destino seguinte foi a Marinha Grande. Ricardo Patrício voltou a colocar mochila às costas, com cerca de 13 quilos, e subiu três andares, onde encontrou Cláudio deitado na sua cama. “Sento-me para as refeições, mas passo o dia deitado porque o pé começa a inchar”, conta.
Primeira unidade certificada
Durante cerca de meia-hora a médica procurou saber como tem passado o doente, enquanto o enfermeiro renovou a medicação endovenosa, colocada num pequeno aparelho, que é programado para administrar o medicamento na hora devida. Além das análises efectuadas pelo enfermeiro, o doente foi auscultado e observado cuidadosamente por Vânia Rodrigues, que relembrou os cuidados a ter na higiene do pé, onde começou uma infecção da pele que alastrou. Em casa estava também um sistema de telemonitorização, que permite ao cuidador medir os sinais vitais e registá-los automaticamente num tablet.
“É muito melhor estar em casa. Tenho aqui tudo. Posso ver televisão e distrair-me. No hospital é só ouvir cada um a queixar-se. Se precisar de alguma coisa tenho o número de telefone para onde posso ligar”, explica Cláudio.
Os cuidados na transmissão de infecções, um dos principais problemas dos internamentos hospitalares, estão no topo das preocupações da equipa, que se faz acompanhar da embalagem de álcool, utilizada várias vezes antes, durante e após a visita.
Amália Pereira, coordenadora da Unidade de Hospitalização Domiciliária, sublinha que a “prevenção das infecções hospitalares com bactérias multirresistentes” é uma das grandes mais-valias do serviço. “Em mais de mil doentes, durante estes três anos, nunca tivemos nenhuma infecção ‘hospitalar’ em casa”, constata.
“Queria ir às festas dos Conqueiros e ao café, mas só se tirar a pulseira e deixá-la aí”, brinca Domingos, 80 anos, que ficou internado na sua casa, em Ortigosa, após uma infecção do trato genito-urinário. “Este internamento não tem comparação possível. Devia ser mais divulgado para que os doentes soubessem que podem ficar em casa com todas as condições.
Além do apoio da minha mulher, todo o acompanhamento que tenho não tem qualquer diferença para o tratamento que é dado numa cama no hospital”, salienta. Domingos realça ainda o bem-estar de ficar no seu “cantinho”, como poder ver o canal de televisão que quer, poder receber todas as visitas e a qualquer hora e tomar refeições caseiras.
“O apoio médico, se calhar, ainda é melhor, porque no hospital não tinha médico todos os dias. Aqui não há cheiros nem o risco das bactérias hospitalares”, reforça.
Ludovina Domingos acrescenta que ter o marido em casa lhe dá uma maior tranquilidade, pois pode estar 24 horas com ele e não tem de andar a ligar para o hospital a tentar saber informações. O número de telefone disponível é uma segurança para os doentes ao qual Ludovina já recorreu.
“Telefonei às 4 da manhã e dentro de meia-hora estavam cá. Além disso, ligam todos os dias ao final do dia para saber como é que passou o dia”, relata.
30 km/30 minutos
Nem todos os doentes têm critérios para internamento domiciliário: a residência não pode ficar a mais de 30 minutos ou 30 quilómetros do Hospital de Leiria. Outro requisito é a garantia de ter um cuidador, sobretudo, as pessoas que não estão autónomas. Há ainda critérios sociais, que são avaliados por uma assistente social que integra a UHD.
Mais de 50% dos doentes são referenciados pelo serviço de urgência, seguindo-se o internamento, a consulta externa e o Hospital de Dia, sendo Leiria o principal concelho, seguindo-se Ourém e Marinha Grande.
Há também pedidos das Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas e dos centros de saúde. “Temos um projecto com os Agrupamentos de Centros de Saúde do Pinhal Litoral e do Médio Tejo para referenciação directa, que vai avançar este mês”, revela Amália Pereira, explicando que a avaliação médica é feita nos cuidados de saúde primários.
A patologia mais frequente é a infecciosa, nomeadamente genito-urinárias (43%) e da pele (18%), e o internamento demora em média 7,6 dias.
O retorno ao hospital é residual, não chegando a 1%, registando-se uma taxa de mortalidade de 2,4% de “doentes expectáveis”, refere Amália Pereira, que pretende aumentar a resposta para as 15 camas, garantindo mais uma equipa.
Apesar de ser um número flutuante, o custo diário de internamento num hospital público ronda os 1.900/2.000 euros diários, segundo fonte do Serviço Nacional de Saúde. Em 2022, cada doente em hospitalização domiciliária custou cerca de 1.700 euros.