Na semana passada, a Associação Nacional de Produtores de Pera Rocha (ANP) anunciou uma quebra de produção de 60%. Foi a seca dos dois últimos anos e as alterações climáticas?
Há um conjunto de circunstâncias. A pêra rocha tem alguma exigência de frio e aquilo que aconteceu nos últimos dois anos, foram Invernos muito amenos, com temperaturas altas. Houve, por isso, um impacto na floração, porque as árvores ficaram um pouco desreguladas. As reservas das pereiras diminuíram e o resultado foram florações com menos qualidade, e, depois, houve ainda problemas associados a essa falta de frio. É importante, no caso das fruteiras e da pêra, termos tempo frio, e depois, no período de floração, termos condições de Primavera boas e não um excesso de temperatura, como tivemos este ano. Há uma variabilidade climática muito grande, que nos está a colocar problemas novos, porque estamos num mercado global, e, ao termos menos produção – é o segundo ano em que temos quebras na ordem dos 60% -, isto coloca-nos problemas que não tínhamos antes. Normalmente, há um ano mais difícil e depois, no seguinte, a quebra é compensada. No entanto, pelo segundo ano, há uma quebra, ainda mais com estes últimos dias de calor que acrescentaram mais prejuízo ao que tínhamos. Vamos tentar que o preço compense a falta de produção, mas é praticamente impossível. O que vai acontecer é a produção ter prejuízo.
Qual é o impacto nos produtores mais pequenos?
Isso tem muito que ver com o nível de exposição de cada produtor. Em cada exploração, o produtor tem uma determinada quantidade de pêra, de maçã e de outras frutas. Vai ser mais difícil para os que estiverem mais expostos à pêra. A não ser que tenham uma reserva, e há pessoas que a têm, mas, quanto maior é a exploração, maior será a quebra e menos será o rendimento. Acredito que os pequenos, se calhar, até se conseguem aguentar e os grandes talvez consigam mitigar, porém, quanto maior a exploração, maior será o prejuízo.
A solução é diversificar?
A pêra rocha é a rainha da produção nacional. Para o produtor, uma das formas de mitigar é não pôr os ovos no mesmo cesto, como se costuma dizer, e estar menos exposto ao produto e ter outro tipo de cultura. A pêra rocha beneficia de uma marca colectiva reconhecida pelo cliente nacional e internacional e de um produto certificado, com dominação de origem. Pretendemos que o preço seja uma forma de compensar a quebra na produção. Não estou a falar de ondas inflacionárias, mas de, na cadeia de valor, haver alguma sensibilidade. Os supermercados, ao perceberem que há menos produto disponível, devem ter alguma abertura para ter menos margem no lucro, e, de alguma forma, compensar. É um produto promovido pela associação há 30 anos, foi o primeiro frutícola a ser exportado…
A CARSAG diversificou para o morango…
Houve um período em que a Espanha teve, praticamente, um domínio total sobre a cultura do morango, mas começámos a ganhar espaço para o morango nacional, nos últimos dez ou 15 anos, quando começou a haver uma preferência dos consumidores pelo produto nacional, devido à sua qualidade, sabor e textura. Começaram a valorizar o que é seu e também teve que ver com os períodos de crise que vivemos e que fazem valorizar o produto nacional. Nos últimos tempos, também temos tido pólos de produção aqui e ali, consoante as culturas que fazemos. Temos pessegueiros para lá da Serra dos Candeeiros, porque há lá condições de humidade e de temperatura diferentes da região Oeste, conhecida pelas nuvens no Verão, péssimas para os banhistas, mas que criam um microclima favorável para a pêra e maçã.
A falta de água afigura-se como um problema no futuro da zona Oeste. Quais poderiam ser as soluções?
Temos o Projecto Tejo, iniciativa apadrinhada há anos pela ANP, que é uma das formas de, daqui a uns anos, termos infra-estrutura de regadio. Sabendo nós da sazonalidade da chuva, a questão pertinente é o seu armazenamento e o Tejo é a bacia hidrográfica onde há mais quantidade disponível. No fundo, é criar uma ou duas barragens e fazer uma gestão da água do rio, em função do regadio e não só em função de electricidade. Infelizmente, a gestão que tem sido feita é mais em função de energia e, praticamente, não existe infra-estrutura de regadio ou a possibilidade de abrirmos uma torneira e de termos água sob pressão para regar. No Alqueva, isso até ajudou a valorizar os terrenos. Conseguiríamos preservar a água que, neste momento, estamos a explorar, que é a subterrânea. A maior parte das explorações tem furos e outras têm charcas. A barragem de Alvorninha está a funcionar e existe uma outra aqui, na Cela Velha, que é um regadio com água sob pressão, mas há uma série de zonas que não estão cobertas e não existe água disponível para fazer tanto regadio. Faria sentido transportar a água pela zona da Serra de Candeeiros, para o lado de cá e teríamos água disponível e sob pressão para todos. Há outra ideia que já está um pouco por toda a Europa e também por todos os países do Norte de África com problemas de água, que são “as autoestradas da água”, onde há acesso para toda a gente. Cada vez mais, esse tipo de projectos faz sentido com as alterações no clima. Só é notícia quando há falta de água para o consumo humano, mas a verdade é que, se não houver água para produzir alimentos, teremos de importar tudo. Não faz sentido não aproveitarmos este bem que temos, pois há óptimas condições para ter reservatórios de água e bacias de retenção, devido à latitude e condições naturais. Cai muita chuva quando ninguém a quer, e se conseguirmos armazená-la será para quando é necessária na agricultura e noutras actividades. É também há uma forma de impedir a desertificação e os incêndios, se tivermos zonas agrícolas a fazer barreira às plantações florestais. É um projecto difícil, mas, de forma integrada, se conseguirmos associar a agricultura com o preenchimento do território e a produção florestal, será um casamento perfeito. Temos de pensar na água como um bem-comum e um desígnio nacional. A ANP tem sido solidária com os projectos de regadio, não só os que existem, mas também com o seu reforço, porque, sem água, não é possível fazer agricultura. Há confusão na cabeça do consumidor, criada pela imagem de que “a agricultura gasta água”, mas a agricultura não “gasta água”, transforma-a em alimento. Tem havido uma série de projectos no sentido de dar apenas a quantidade de água que a planta precisa, na época certa. Há uma série de constrangimentos, que têm muito que ver com as alterações climáticas, ou com as pragas e doenças, que, devido à globalização, importarmos de outros locais do globo.
Com a alteração climática, se não há frio, algumas pragas não morrem e o Politécnico de Leiria está a testar soluções naturais para a pêra rocha, no caso do fogo bacteriano.
Exactamente, as pragas não morrem, pois não se quebra o ciclo com o frio. Ficam para o ano seguinte e ganham mais importância. Temos formas de mitigar e há anos onde há mais problemas e, noutros, há menos. No caso do fogo bacteriano, há duas formas de lidar com o problema, ou ter produtos naturais, que, segundo a legislação europeia, é o caminho, ou fazer um melhoramento genético. Para o ano, a ANP vai co-organizar a Interpêra, um evento de dimensão europeia, onde se falará disso. Já sabemos que existe, nos Estados Unidos, uma variedade resistente e esse poderá ser um caminho. Como referi, as novas doenças são um desafio, que têm que ver muito com a globalização e com produtos de outras origens. Nos últimos 30 anos solidificou-se uma garantia que não existia no início deste caminho e temos uma segurança alimentar que nos garante que o que consumimos é seguro.
Se estas condições meteorológicas se mantiverem, poderemos haver uma alteração nas culturas exploradas no Oeste?
Temos de realmente ponderar tudo, mas há um trabalho a fazer no melhoramento genético das variedades e dos porta-enxertos. É um caminho que demora tempo e as respostas não aparecem no imediato.
Segundo o INE, a pêra rocha é campeã da exportação do distrito de Leiria e, mesmo com a quebra, ainda sobra fruta para exportar. Estão a trabalhar novos mercados?
Estávamos a trabalhar em novos mercados e havia até uma abertura do chinês, mas, agora, com o histórico dos dois últimos anos de menor produção, vamos gerir os mercados onde já estamos presentes e que não queremos perder. Assim, para já, não vislumbramos novos mercados, porque não existe pressão comercial. Quando temos muita produção, temos todo o interesse em abrir mercados para não estarmos a desvalorizar o produto. Estamos a exportar para o Brasil, Marrocos, Reino Unido, Alemanha, Irlanda e França.
O aproveitamento da fruta feia para novos produtos, como as bebidas, está a resultar como destino para a fruta que não seria comercializada? Há mais projectos deste tipo?
Para já, o que temos é a produção de polpas e sumo. Existem algumas aplicações de quarta gama, como as metades, onde já é utilizada a pêra. Os subprodutos são uma forma de valorizar o produto… aliás de valorizar um não-produto. Por exemplo, há uma aguardente de pêra rocha, a Old Nosey, de um colega nosso de Torres Vedras. É um produto exclusivo, mas como é alcoólico, tem dificuldades ligadas à produção de álcool em Portugal, mas, de facto, é um produto nobre que está presente no mercado e ganhou prémios. Há um caminho a fazer dentro da quarta gama, pela valorização do produto via indústria.
Será presidente da ANP até 2025. Quais vão ser as principais metas a que se propõe até essa data?
Queremos ter uma marca colectiva que dignifique realmente a marca e consiga valorizar o produto para o sócio da ANP e para o produtor, de modo a que sejam recompensados pelo seu esforço na busca da qualidade. Temos uma marca colectiva que é um bem-comum e reconheço que o sector da produção provavelmente é dos que menos comunica com o consumidor. Temos pela frente, o desafio de comunicarmos directamente com o consumidor de forma integrada. Não adianta cada um ir com a sua marca, mas vale a pena promovermos um produto com uma marca comum. Isso já foi feito na maçã da Alcobaça, por via de parcerias e dessa imagem colectiva. A Pêra Rocha do Oeste até começou mais cedo, mas existe sempre um bairrismo ligado à produção e, neste momento, todos rumam no sentido comum de ter uma marca colectiva forte e abdicar da marca individual. Tudo o que está colocado debaixo “do chapéu da marca colectiva” deve dignificá-la, seja pelo sabor, seja pela qualidade e isso também é um trabalho que queremos reforçar no âmbito da Associação Nacional da Pera Rocha. Queremos também focar-nos em mercados onde já começámos a fazer exploração.
Negócio que é tradição familiar
O avô de Filipe Ribeiro era vitivinicultor, mas a agricultura da região sofreu uma transformação e os produtores viraram-se para espécies com mais rendimento como a maçã de Alcobaça e a pêra rocha do Oeste. O pai de Filipe seguiu as pegadas do avô e a Casa Agrícola Ribeiros, actual CARSAG, foi criada.