Vinte e sete anos depois de prometido, através do Plano de Pormenor da zona, o Jardim de Almuinha é, finalmente, uma realidade. Localizado numa das principais entradas da cidade de Leiria, o espaço abriu ao público, esta quarta-feira, mas, como fazem questão de sublinhar dois dos seus autores, os arquitectos Rui Ribeiro e João Marques da Cruz, o projecto está ainda no início. É, frisam, um “recém-nascido”, que precisa de tempo para crescer e desenvolver-se e tornar-se “um adulto forte” e “cheio de vida”.
A concretização do Jardim da Almuinha chega com anos de atraso ou, como alegou, na semana passada, o vice-presidente da Câmara, num momento em que as condições financeiras do Município o permitiram.
A verdade é que a generalidade das cidades e vilas à volta de Leiria já têm parques verdes de dimensão relevante. A Marinha Grande, por exemplo, conta actualmente com três (Mártires do Colonialismo, da Cerca e das Bernardas), que totalizam cerca de 15 hectares, ou seja, mais do dobro da área do Jardim da Almuinha.
Também Ourém já dispõe de um parque da cidade há quase 15 anos – o Parque Dr. António Teixeira (antes designado por Parque Linear)-, que se estende por dez hectares e que o actual executivo pretende alargar. Pombal, Alcobaça, Batalha e Porto de Mós são outras das localidades à volta da capital de distrito com parques verdes.
É verdade que Leiria tem o Polis, que permitiu recuperar o corredor ribeirinho e que representou um ganho significativo para a cidade, com a utilização massiva que lhe é dada a mostrar que os leirienses estão ávidos de espaços desta natureza. Um apetite que poderá não ficará totalmente satisfeito com a concretização do Jardim da Almuinha.
[LER_MAIS] Na última reunião de Câmara, Fernando Costa, vereador do PSD, deixou o repto: “Leiria precisa de começar a projectar um verdadeiro parque que a cidade precisa”.
Para já, a Câmara está a desenvolver o projecto de requalificação do actual percurso Polis. Em estudo encontra-se também a criação de uma ciclovia desde a nascente do Lis, nas Cortes, e até à foz, no âmbito de uma candidatura da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria na área da mobilidade urbana sustentável. O projecto envolve os municípios da Marinha Grande, Batalha e Porto de Mós e abrangerá também o rio Lena.
Em fase de “finalização de estudo prévio” encontra-se o parque urbano que nascerá ao lado do IC2 (junto ao Aki) e que será custeado pela empresa Poligreen no âmbito das áreas de cedências do loteamento em construção na outra margem da via. A
nova zona verde irá ocupar cercar de 7,6 hectares e deverá custar perto de 1,2 milhões de euros. “Esperamos validar o estudo prévio nas próximas semanas”, adianta a Câmara, informando que, após essa aprovação, a equipa projectista “tem 30 dias” para elaborar o projecto de execução.
Ainda no plano das intenções encontra- se a criação de um parque nos terrenos agrícolas existentes junto à ETAR de São Romão. Segundo avançou o presidente da Câmara numa das últimas reuniões de executivo, já houve abordagem aos proprietários das parcelas, com vista à sua aquisição, ainda sem grande avanço nas negociações.
“Poderá vir a existir uma possível candidatura para um agro-jardim [Parque das Olhalvas] numa segunda fase do PEDU [Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano] depois de 2019”, informa o Município.
A par destes projectos perspectivados pelo Município, o JORNAL DE LEIRIA desafiou quatro arquitectos e paisagistas a identificaram alguns locais na cidade e na sua envolvente com potencial para serem transformadas em parques verdes (ver bloco de texto ao lado).
Se uns, como Rui Ribeiro, co-autor do projecto do Jardim da Almuinha, defendem que “a Leiria continuará a faltar um grande parque urbano”, outros, como o recém-eleito presidente da Associação de Desenvolvimento de Leiria (ADLEI), o arquitecto Francisco Marques, entendem que, mais importante do que projectar novas áreas verdes, a cidade precisa de manter e tratar bem as que já existem.
Partilhando dessa opinião, Patrícia Selada entende como mais prioritário o reforço da arborização “ao longo da cidade”. Por seu lado, o paisagista João Marques da Cruz frisa a importância da criação de uma estrutura ecológica urbana “contínua”.
Na constituição dessa estrutura, Leiria conta ainda com alguns espaços, uns públicos e outros privados, que têm conseguido resistir ao betão, como a mata do seminário (uma mancha verde com cerca de cinco hectares 'vizinha' de uma das zonas com maior densidade de construção na cidade – a Avenida Marquês de Pombal), a Quinta de São Venâncio, que funciona como um 'tampão verde' entre a cidade e o campo, ou os terrenos da ex-prisão escola, que servem de pulmão para a cidade, embora inacessíveis aos cidadãos.
Opinião
Que locais identifica na cidade ou na envolvente que possam ser transformados em zonas verdes?
Existem no centro de Leiria grandes espaços de zonas verdes que, pela sua dimensão e localização (inseridos no centro da cidade), se assumem como espaços estruturantes, como é o caso do novo Jardim da Almuinha, do Polis ou do Jardim Luís de Camões, que oferecem zonas de passagem ou permanência, bem delimitadas, de vegetação centenária, no caso do jardim Camões ou da zona Polis. A cidade não carece de mais espaços verdes de grande dimensão, mas da presença de zonas arbóreas que, nos espaços de domínio público, ofereçam pontos de sombra e favoreçam a renovação do ar no centro urbano, de forma mais distribuída e constante ao longo da cidade. Como exemplo, refiro o terreiro (Largo Cândido dos Reis) ou a Rua José Jardim, onde foi retirada parte da vegetação.
Patrícia Selada, arquitecta
Mais do que pensar em novos parques verdes, precisamos de fazer a manutenção e tratar bem dos que já temos, a começar pelas árvores, que, nos últimos anos, têm sido alvo de quase vandalismo. É certo que se plantam novas, mas levam anos até terem um porte conveniente. Uma das zonas que precisa muito de árvores é o parque de estacionamento do estádio. Mesmo com a construção do multiusos, haverá espaços a arborizar. Um pouco por toda a cidade e até na periferia há urbanizações com espaços verdes desprezados. Não valerá a pena pensar em mais parques, se não tivermos capacidade e cuidado para fazer a manutenção do que existe. Fará, no entanto, sentido dar continuidade ao Polis e ao Jardim da Almuinha.
Francisco Marques, arquitecto e presidente da Adlei
Leiria deve combater a urbanização dispersa através da definição clara de centralidades urbanas densas e de uma estrutura ecológica urbana. Esta estrutura constrói-se através da rede contínua de ruas bem arborizadas, corredores verdes, jardins e parques agro-florestais. Estabelece um contínuo entre a cidade e o campo, assegura as boas condições climáticas dentro da cidade e serve como rede de circulação pedonal e ciclável. O Polis é um excelente modelo, que podia estender-se a toda cidade. As ribeiras do Sirol e do Amparo são oportunidades para a instalação de corredores verdes. As várzeas do Lis e do Lena devem ser parques para a produção agro-florestal sustentável, conjugada com funções de lazer, desporto, circulação e estadia. A Mata dos Marrazes deverá consolidar-se como um pulmão verde da cidade. Os cumes, como o Castelo, cemitério, Senhora da Encarnação e Capuchos, deverão ser mantidos como espaços verdes e livres de edificação, porque disso depende a boa circulação do ar e o conforto térmico dentro da cidade.
João Marques da Cruz, arquitecto paisagista
Ao longo das margens do Lis há bastantes espaços para intervenção neste domínio, que estão classificados como REN e RAN e que podem ser aproveitados e potenciados. Essa disponibilidade existe tanto a montante como a jusante do Jardim da Almuinha. A Leiria continuará a faltar um grande parque urbano na cidade. Essa questão não fica resolvida com o novo jardim. Nas margens do rio há várias possibilidades. É importante identificá-las, ver as vantagens e as possibilidades de cada uma.
Rui Ribeiro, arquitecto