“Tum tum, tum tum, tum tum.” O som dos skates a cruzar as lajes calcárias que forram o chão do terreiro da fonte luminosa é um ruído familiar para os cidadãos de Leiria. Alguns gostam de ver aquela malta a fazer manobras com a tábua que até dão alguma animação a um espaço “morto”, enquanto outros riem-se com as movimentos mal calculados e com as quedas espalhafatosas.
No entanto, também há quem não goste, alegando excesso de barulho, ocupação abusiva e destruição do mobiliário urbano. Pouco lhes importa. Por estar longe de ser consensual, ao longo dos tempos a autarquia até já criou dois skate parks para a rapaziada. O primeiro a ser construído, em São Romão, foi alvo de boicote por ter sido “mal concebido”.
Já o segundo, mais recente, que na semana passada até passou a ter iluminação que possibilita a prática nocturna, agradou à tribo. Ainda assim, e por muito que não queiram, o espaço de referência foi, é e vai continuará a ser a fonte luminosa. E não só em Portugal, garantem-nos três “lendas” do skate na cidade. “Conseguimos pôr Leiria no mapa do mundo e hoje tem uma importância gigante”, diz Steve Carreira.
Natural do Canadá, chegou, de vez, em 1999. Abriu de imediato a Tribos Urbanas, uma skate shop que continua a ser, também ela, uma marco daquela cultura. Mas já la vamos. Os skaters são vaidosos, gostam de se filmar e fotografar, e quando surgiu a mania dos viagens, Leiria tornou-se uma “paragem obrigatória”. Pela loja, sim, mas sobretudo pela fonte luminosa, reconhecida pelas imagens partilhadas pelo pessoal da terra.
“A Câmara ficaria surpreendida como Leiria é vendida no mundo do skate. Se juntarmos as fotografias e vídeos de atletas profissionais e conhecidos mundialmente conseguimos fazer um calhamaço para mostrar”
“O piso é excelente e o facto de ter aqueles bancos à volta, com várias alturas e ângulos, permite-nos ser criativos. Como é um espaço aberto, quem é de fotografia e vídeo fica encantado, ainda para mais com os enquadramentos perfeitos” que o castelo e a própria estátua de Lagoa Henriques, no centro da fonte, possibilitam.
Por Leiria já passaram, anónimos para o cidadão comum, nomes relevantes do mundo do skate. “É daqueles sítios onde qualquer pessoa de fora quer filmar. Se juntarmos as fotografias e vídeos de atletas profissionais e conhecidos mundialmente conseguimos fazer um calhamaço para mostrar. É um nicho pequeno, mas promove a cidade. A Câmara ficaria surpreendida como Leiria é vendida no mundo do skate”, atira o skater.
“De cabeça”, João Sales lembra-se da equipa da marca DC, de vários skaters europeus patrocinados pela Vans, de Pontus Alm, do mítico Jamie Thomas com mais de 600 mil seguidores no Instagram. “Esteve dez dias a comer, a dormir, a sair à noite, a dinamizar o comércio local e a publicitar a cidade”, prossegue Rúben Pinto, que também se recorda de tours da Fallen e da Zero, marcas de sapatilhas e de tábuas, respectivamente.
E tudo isto porquê? “É uma praça urbana, com um bom chão e obstáculos lisos, numa cidade agradável, não tão movimentada assim, que oferece comida e estadia barata, boa iluminação e um espaço amplo que permite linhas de filmagem. Com o castelo e a própria fonte é impossível não tirar boas imagens. E depois, os leirienses olham de lado, mas também não interferem. Somos de cá e também sentimos isso”, explica João Sales. “Fora o acolhimento que os de Leiria fazem a quem vem de fora”, completa Rúben Pinto.
[LER_MAIS]Ainda por cima, entende Steve Carreira, uma praça que “se não fossem os skaters não estava lá ninguém”. “Não há mesas, nem sombras, nada. Quem é que quer estar na fonte luminosa no Verão?”
Bem resolvidos
A verdade é que a fonte luminosa já não é tão sobrecarregada, mas não se pense que é viável deixar de ser utilizada. “O novo skate park veio ajudar, mas não vai tirar o skate da fonte. Só se mudarem o piso, os cantos e os bancos e mesmo assim vai haver algum criativo que consegue” fazer novas manobras no espaço, diz Steve Carreira. “Podemos encaminhar os mais novos para o skate park, mas não podemos impedir os estrangeiros que vêm de propósito para filmar na fonte luminosa. Andam em todo o lado e não vão andar em Leiria?”, pergunta Rúben Pinto.
A construção do skate park no parque do avião, em 2016, foi a resposta perfeita às ânsias da comunidade, ao contrário do parque radical de São Romão, realizado no âmbito do Polis, que nunca colheu. “Não foi boicote. Aquilo não era bom. Um parque a descer não é um parque”, explica Rúben Pinto. “O piso é horrível, o material estraga-se e aleijas-te. Até podíamos dar uma voltinha, mas aquilo não tem pés nem cabeça”, prossegue Steve Carreira.
Desta vez, a Câmara Municipal ouviu um especialista – Francisco Lopes – para desenvolver um projecto, um arquitecto que também é skater e que se especializou a fazer skate parks. “É muito bem desenhado e estruturado. Daí estar sempre cheio. Criámos o hábito de ir à quarta e ao sábado. Juntamo-nos na loja, bebemos um café e vamos.”
Curiosamente, Francisco Lopes já tinha sido sondado para fazer o primeiro, mas a autarquia “não quis pagar e pediu aos arquitectos da Câmara”. “Foram tirar medidas a outros parques e saiu aquilo”, desabafa Rúben Pinto. “Este é bom! É mesmo feito par a prática do skate e está no centro da cidade, o que é um incentivo.”