Que contributo presta o festival ART& TUR e os vídeos sobre turismo para a dinamização do sector?
Em 2014 a Google publicou um estudo de acordo com o qual 65% das pessoas, quando escolhem uma viagem, vêem vídeos. Quando escolhem destinos vêem vídeos, quando escolhem um hotel também procuram vídeos. Ou seja, o vídeo é um indutor da tomada de decisão. E cada vez mais. Se em 2014 era verdade, agora é muito mais verdade. A dependência do marketing turístico ao digital aumentou. No digital, o vídeo é preponderante. Portanto, quem não entende ainda a importância do vídeo na promoção do turismo…
Está fora…
Devia estar fora. Mas alguns deles ainda estão dentro. E o festival existe para criar referências de qualidade na promoção turística audiovisual. E com isso consegue melhorar a qualidade global do sistema, porque trabalhamos à escala global. O nosso júri é composto por pessoas de 17 países de quatro continentes, os filmes vêm de todo o mundo. O júri é totalmente autónomo nas suas decisões em relação a nós, que somos da direcção. É interessante ver a dinâmica de inovação que o próprio festival induz nos participantes. E não estamos sós, porque o festival faz parte de uma rede mundial de festivais. Somos uma espécie de veículo de melhoria da qualidade da promoção turística. E apoiamos valores do turismo, da sustentabilidade, do património, etc. Não somos neutros.
Dados do INE demonstram que Julho de 2022 foi o melhor de sempre para o turismo nacional.
Tem havido uma melhoria, um aumento de turistas. Mas, mais do que isso, tem havido um aumento da receita. Há uma década falava-se do aumento do número de turistas. Mas às vezes isso fazia-se acompanhar por uma redução da receita. Agora não. A receita está a evoluir a um ritmo superior ao fluxo de turistas. As regiões do interior de Portugal também [LER_MAIS]estão a beneficiar de uma espécie de redescoberta do País, induzida também um pouco pela Covid-19.
Os resultados nacionais foram positivos. E na região de Leiria, foi diferente?
Não. Mas é um pouco difícil separar, porque a região Centro é muito heterogénea e as estatísticas devem ser lidas com inteligência. Uma pessoa que faz um check in na Nazaré e depois vai à Serra da Estrela conta como duas pessoas. Prefiro, por isso, falar de fluxos turísticos ao invés do número de turistas.
Primeiro, a pandemia motivou muitos portugueses a viajar cá dentro. Mas depois, desde que a Covid-19 passou a dar tréguas, parece que é de novo o mercado externo que impulsiona o sector…
Sim e não. Durante a pandemia foi o mercado interno, o mercado doméstico, que segurou o que era possível. Em 2022, o crescimento é mais rápido do turismo internacional, também porque ele estava a um nível muito baixo. Mas continua a haver turismo doméstico.
Quais são os aspectos da região de Leiria mais valorizados pelos turistas?
Este ano, o Observatório ainda só fez o estudo da satisfação dos residentes e da percepção que os empresários têm dos indicadores de monitorização que vamos começar a utilizar mensalmente nos nossos inquéritos, feitos aos próprios empresários. Sobre os turistas não temos ainda dados e tudo o que possa dizer são intuições minhas.
E que lhe dizem as suas intuições?
Creio que o turismo da região de Leiria tem muita heterogeneidade. Por exemplo, Marinha Grande versus Pedrógão Grande. São ambos grandes no nome, mas são muito diferentes naquilo que oferecem. Actualmente, o turismo não se administra na lógica territorial de distritos, mas por comunidades intermunicipais. Mas quer o distrito de Leiria quer a Comunidade Intermunicipal de Leiria continuam a ter essa grande diversidade, essa heterogeneidade. Municípios como Leiria, com componente urbana e rural, onde a dimensão urbana se destaca; municípios como Marinha Grande, onde há uma zona litoral atractiva, como São Pedro de Moel, por exemplo; e municípios como Castanheira de Pera, Pedrogão Grande, Ansião ou Figueiró dos Vinhos têm grande potencial para turismo de natureza. Só que o turismo de natureza em Portugal, na minha opinião, ainda não está devidamente estruturado.
E o que falta potenciar?
É preciso fazer muitas coisas. Infra- estruturas como passadiços são necessários, mas quando o turismo evolui apenas por mimetismo, por imitação dos casos de sucesso que vão acontecendo… isso não basta. Às vezes até é ir pelo mau caminho. É importante olhar para os recursos endógenos de cada região e o turismo de natureza e o turismo rural podem combinar muito bem. Os produtos endógenos, ao nível dos queijos, ao nível do artesanato, as atracções naturais e tudo aquilo que a região pode oferecer de único deve ser valorizado. Mas, ao mesmo tempo, nunca lógica de longo prazo. Ou seja, preservado e valorizado. Não numa lógica, como acontecia antigamente, de tentar aproveitar ao máximo um recurso, turistificando-o e desnaturando- o. Actualmente é necessário turistificar, conservando, valorizando. Neste território de Leiria, que também tem uma grande componente de interior, e que é de natureza, cada região tem de encontrar o seu perfil. Não é por imitação.
A interioridade é um constrangimento ou uma oportunidade?
A interioridade é um constrangimento ao nível de certas infra-estruturas de turismo se os decisores não compreenderem o valor, o diamante que aí têm. E tem sido um constrangimento. Só que como os recursos estão lá, felizmente estão em estado quase virgem, é possível ver uma grande oportunidade no interior. Se os decisores locais trabalharem em conjunto com as comunidades locais. Porque, muitas vezes, as comunidades não são tidas nem achadas. E o desenvolvimento sustentável significa satisfazer os turistas, os investidores, os residentes e as gerações seguintes.
Mas se faltam recursos humanos para trabalhar neste sector até nos centros urbanos, o que poderão fazer quanto a isso os territórios de baixa densidade?
Às vezes vejo no Facebook empresários que se queixam que não há funcionários. E vejo logo de seguida comentários dos profissionais de turismo, que respondem ‘paguem melhor ’. Os recursos humanos, como qualquer outro recurso, são escassos. A gestão de recursos depende também da oferta e da procura e da capacidade e da competência de gestão de quem gere os recursos. Ora, se os recursos humanos são importantes têm de ser valorizados. Não é só formação. Formação é importante, mas também é a manutenção dos recursos humanos. Um dos aspectos importantes para a manutenção de recursos humanos é a integração no posto de trabalho, é a estabilidade laboral e também é o salário. O turismo tipicamente tem sido um sector de mão-de-obra barata e de empregabilidade instável, sem vínculo. É tempo de pensar que há funções no turismo que são para automatizar, há outras onde os recursos humanos continuam a ser fundamentais, mas têm de ter um valor elevado de formação e motivação para continuarem e para se deslocarem para locais onde valha a pena estar. Há casos no interior onde não há falta de recursos humanos. Quando um projecto é bem pensado, tem em conta a componente de recursos humanos, as pessoas não faltam. Se calhar, chegou a altura de não se competir pelo preço, mas sim pela qualidade. Portugal ainda tem margem para subir um pouco os preços ao consumidor final e melhorar as condições de trabalho das pessoas. Talvez um dia este problema se resolva. Mas não se resolve automaticamente com a importação de imigrantes para tapar buracos. Esse não é o melhor caminho.
E qual é a receita para dinamizar turisticamente um local sem lhe retirar identidade, sem o poluir, equilibrar aposta turística e sustentabilidade?
A melhor receita é não aplicar receitas. Quando se aplica uma receita significa que se está a copiar um modelo que vem de fora. A melhor receita é dar autonomia, dar capacidade de decisão aos locais. Criar capacitação dos actores locais para fazerem o melhor, para trabalharem em rede, permitir ao poder local e aos empresários locais comunicarem entre si, para decidirem o melhor modelo. E trabalharem de forma a valorizar os recursos que conhecem melhor. Se pensarmos em receita à moda antiga, importam-se modelos que ignoram o carácter diferenciador do destino.
Está na ordem do dia o problema de Lisboa, onde o turismo massificado retirou moradores dos bairros históricos, inflacionou preços de casas, dificultou a vida aos estudantes…
Quando houve o incêndio no Chiado, em 1988, foi possível referenciar que viviam cinco famílias no Chiado. Portanto, o turismo tem as costas largas. Está muito politizado, indevidamente. É claro que o turismo influencia os preços, é claro que o turismo torna mais difícil encontrar rendas baratas. E agora há o caso dos estudantes, por exemplo, que não conseguem arranjar quarto. Mas isso faz parte da lógica global do mercado e o turismo não existe sozinho.
Por cá, também há quem critique a “Benidormização” da Nazaré. Concorda?
O problema do turismo é sempre um problema dos equilíbrios e da dose certa. Existe um modelo já antigo, da década de 70, chamado Irridex, segundo o qual, num destino onde não há turismo, estamos todos de braços abertos, estamos na fase do entusiasmo. D epois, à medida que a atractividade do destino começa a ser reconhecida e começa a existir um fluxo crescente de turistas, de visitantes, começa a haver uma certa indiferença. Quando atinge determinado nível, começa a haver uma irritação e, no final, antagonismo. Portanto, é normal em todo o mundo que, quando o destino atinge uma certa maturidade, do ponto de vista do ciclo de crescimento, haja vozes anti-turísticas, a ideologia anti-turística seja mais difundida e os impactos negativos comecem também a ser mais percebidos. Quem adopta posturas anti- turísticas de forma simplista está a ignorar por completo os grandes impactos positivos, os grandes benefícios que o turismo gera. Há que reconhecer que às vezes é preciso ir devagar, moderar, estabelecer limites, mas o caso da Nazaré, na minha opinião, ainda não é problemático a esse ponto. O turismo pode ter as costas largas, mas há que lhe reconhecer esse mérito, o do desenvolvimento da Nazaré nas últimas cinco décadas. É fácil bater no que funciona. Mas têm alternativa?
Que mais-valia traria para o nosso território a construção de um aeroporto em Santarém, como foi sugerido?
Estamos numa época em que até é difícil ter uma opinião bem definida sobre a melhor opção. Eu compreendo e concordo em parte com as vozes dos actores da região Centro para quem, por exemplo, Monte Real seria uma boa opção para haver um aeroporto na região Centro. Provavelmente, para certo tipo de voos, seria útil. Mas, por vezes, o excesso de aeroportos leva a que se anulem mutuamente. Na Galiza, Corunha, Santiago de Compostela e Vigo, todos queriam um aeroporto internacional, todos fizeram um aeroporto internacional. Há três aeroportos internacionais na Galiza. À conta disso, voam através do Porto. Nenhum dos aeroportos tem massa crítica para ser um hub, para interessar às grandes companhias. Quando se criam aeroportos regionais, eles têm de estar muito bem integrados nos aeroportos centrais. Se não, perturbam-se uns aos outros. Quando se decide sobre uma infra-estrutura, ela tem de ser útil e viável. Imagine um TGV que parava em todos os concelhos, não era TGV. É a mesma coisa em relação aos aeroportos. Quando se pensam aeroportos, tem de se pensar de forma estratégica para o País, com um todo. O aeroporto é uma infra-estrutura para todos os aviões, para todas as companhias. E a questão está em saber qual é o plano estratégico do desenvolvimento turístico, económico, social para o País e em que medida um aeroporto regional é realmente útil. Se se fizer um aeroporto a norte de Lisboa, reduzse em parte a pertinência de um aeroporto como por exemplo o de Monte Real ou na região Centro. Se um aeroporto avançar em Alcochete a pertinência de um aeroporto na região de Leiria é maior. A distância entre aeroportos também conta, porque eles também concorrem entre si.