Para as comunidades locais, quais são os desafios ambientais com que se irá debater nos próximos tempos?
Há um conjunto de desafios que, obviamente, vão depender muito daquilo que são os impulsos ou os estímulos lançados, quer à escala nacional, quer à escala dos municípios, contudo, destacaria quatro áreas. A primeira, é a da energia e a aposta nas fontes renováveis. É de salientar a criação e colocação em prática das legislação sobre comunidades energéticas locais, onde o objectivo é que, de uma forma democrática e participada, os cidadãos tenham realmente iniciativa para, num determinado bairro ou numa determinada área, implementarem este tipo de infra- -estruturas onde, recorrendo principalmente à energia solar, haja uma partilha da energia produzida por todos, verificando-se um ganho significativo, quer em termos ambientais, porque, obviamente, é um investimento em fontes renováveis, quer também em termos económicos para a comunidade. A segunda área crucial é a da mobilidade. Necessitamos de ter planos de mobilidade que, realmente, possam ser adoptados e viabilizados, que vão desde o estímulo ao uso da mobilidade activa – seja caminhar, seja andar de bicicleta ou outro modo -, em segurança, evitando o uso do carro, negociando o acesso ao transporte colectivo, para evitar também o uso do automóvel. Sabemos que o transporte rodoviário é, neste momento, aquilo que, no nosso País, mais pesa em termos de emissões dos gases carbónicos, que promovem alterações climáticas, e, portanto, tudo o que nós pudermos fazer, que possa não apenas melhorar o cenário e traduzir-se numa redução das emissões, mas também que possa contribuir para a nossa saúde, é, sem dúvida, um excelente investimento.
Qual é a terceira área?
A terceira área importante é a dos resíduos. Nós precisamos de implementar a recolha selectiva e ecaz destes materiais, principalmente dos bio-resíduos. E essa é uma obrigação que parte da legislação europeia, porém, é também uma obrigação nossa. Na associação Zero, defendemos que se faça o esforço para a recolha porta-a-porta, num cenário onde o cidadão, realmente, contribua para fazer a diferença e que tenha consciência do seu papel. Até do ponto de vista da forma como se cobra este tipo de serviços de recolha e de tratamento, que, actualmente, pagamos em função da água que consumimos, dever-se-ia pagar de acordo com a quantidade de resíduos que é produzida. As comunidades locais podem concretizar outras soluções alternativas que podem ser, por exemplo, a compostagem colectiva, cuja produção de resíduos tratados servirá para ser utilizada em jardins e espaços verdes. Esta, realmente, é também uma valência muito importante. Já falámos da energia, já falámos do transporte rodoviário e da mobilidade mais sustentável e ainda dos resíduos. Acredito que o quarto aspecto, é, aliás, um dos temas mais cruciais do Dia Mundial do Ambiente, que, este ano, foi dedicado ao restauro do ambiente, ao combate à desertificação e à seca. Portugal é um dos países mais afectados pelas alterações climáticas dentro das fronteiras da Europa. Assim, é essencial adoptar tudo o que sejam medidas de eciência no uso da água, de garantir que o seu sistema de distribuição não tem fugas, de garantir que as pessoas tenham a formação certa para pouparem água, que temos as espécies mais indicadas para os nossos jardins e para os nossos espaços verdes. Inclusive, deveríamos recuperar espaços que foram artificializados e que nós, com algum trabalho, conseguiríamos renaturalizar. Esta é, sem dúvida, uma quarta área que encaixa perfeitamente naquilo que é o tema do ponto de vista de uma dimensão global do Dia Mundial do Ambiente.
A água é, reconhecidamente, uma questão essencial. É um tema que, de certo modo, também tem que ver com o ordenamento do território? O que podem os municípios fazer para promover, por exemplo, o uso de espécies autóctones preparadas para o nosso clima?
Temos de saber estabelecer prioridades. E, se calhar, elas não passam necessariamente por mudar radicalmente a paisagem de um ano para o outro, em termos das espécies que lá estão presentes. Temos é de identificar quais são as áreas mais sensíveis, aquelas que temos de preservar, e de ver como as poderemos expandir recorrendo às espécies autóctones que concluamos, após estudo e análise, que são viáveis permanecerem num clima que está em mudança. Portanto, nós temos já de começar a pensar naquilo que, nos próximos anos, é necessário garantirmos no território. Ou seja, dito por outras palavras e aqui os municípios têm uma enorme importância, é fundamental não continuarmos a destruir e começarmos a recuperar. São estas duas linhas que são essenciais. Isto é, não nos vale de nada estarmos a restaurar espaços, se continuarmos a destruir áreas sensíveis, importantes e interessantes do ponto de vista da conservação da natureza ou do ponto de vista da paisagem. O desafio é invertermos esse caminho que, infelizmente, se tem realizado nas últimas décadas.
A nível das empresas, quais são os desafios que se colocam?
A esse nível, a comunidade europeia pede às empresas para olharem detalhadamente para as suas emissões de gases com efeito de estufa e uso de combustíveis produzidos a partir de petróleo, quer elas estejam associadas ao seu funcionamento, quer em relação aos materiais que recebem, quer aos artigos produzidos. Ou seja, qual é a sua pegada carbónica, das matérias-primas empregadas e dos produtos que estão a produzir e a expedir. O outro aspecto fundamental é haver empresas que também contribuam positivamente, do ponto de vista ambiental. Que, por exemplo, apoiem o restauro ecológico de determinadas zonas próximas, que façam acções em prol do meio ambiente e da sustentabilidade…. E falando em sustentabilidade, que tal as empresas apoiarem os trabalhadores, havendo essa possibilidade, pagando-lhes um passe de transporte público ou oferecendo uma bicicleta, e não com carros de serviço e gasolina, no caso daqueles que residam próximo do local de trabalho? Há aqui uma responsabilidade muito grande dos empresários, também nestas áreas que dizem respeito quer ao clima, quer ao restauro da natureza. Isto para não falar já, obviamente, de todos os aspectos do uso eficiente da energia e da água. Há muitas empresas que estão a conseguir investir em fontes renováveis de energia para o seu auto-consumo.
E que podem expandir essa produção para comunidade e os trabalhadores, fornecendo electricidade a preços mais baixos.
Exactamente. As próprias empresas podem integrar e constituir comunidades de energia, integrando as residências dos colaboradores que vivem próximos. Por exemplo, podem constituir uma comunidade de energia com painéis solares que colaborem para o abastecimento da área, obviamente, baixando custos, quer para a empresa, quer também para quem esteja abrangido nessa comunidade.
Medidas como essas, também tem um impacto a nível da competitividade das empresas e do País, uma vez que Portugal é um país com poucos recursos energéticos tradicionais, gerados a partir do petróleo?
Claro que sim. Se dependermos menos de combustíveis fósseis, que nós não temos, e se se fizer investimentos em energias renováveis e na eficiência energética, para não desperdiçar recursos, para não desperdiçar água, teremos um retorno económico evidente.
Que conselho daria a uma família, para ajudar a melhorar o ambiente, nos próximos anos?
Devem fazer um esforço para não falharem naquilo que todos nós já sabemos que é importante. Devem reduzir o consumo, pois desperdiçamos muito, trocamos de equipamentos demasiadas vezes e fazemo-lo assim que surgem novidades ou uma avaria. Sim, nem sempre é fácil reparar os equipamentos, mas tudo o que seja moderar para reduzir o nosso consumo é uma poupança racional de energia e de materiais. Essa é a vertente principal do esforço que podemos fazer. Há uma palavra para a qual nós alertámos muito no Dia da Terra que é “suficiência”. Isto é, vivermos com aquilo que é o suficiente. Obviamente, é importante também que as pessoas se envolvam nas actividades dos municípios, nas actividades das associações de protecção do ambiente e naquilo que possa ser uma contribuição extra no trabalho de restauro ecológico que precisamos em várias zonas do País. A própria associação Zero tem tido esse papel activo no Pinhal de Leiria e vai continuar a ter. Este é um dos exemplos dessa vertente de restauro onde é importante ter a participação de todos.
Quase cinco décadas a lutar pelo ambiente
Francisco Ferreira, fundador e presidente da ONG Zero, luta pela protecção do ambiente desde 1976.
Foi seleccionado pelo semanário Expresso como uma das 20 personalidades portuguesas para integrar a lista daqueles que lideram a transição para um mundo mais verde.