É verdade que já foi um grande pescador?
Falso. É verdade que já fui um grande amante da pesca, um vício que começou na infância e que se cimentou na adolescência, altura em que passou a ser uma forma de me juntar com amigos, sairmos da zona de conforto e partirmos à procura dos melhores sítios de pescaria.
Prefere mares agitados ou nadar em água doce?
Prefiro não nadar. Gosto de água, em todas as formas, mas sou mais do estilo contemplativo.
Em que é que continua a ser um alentejano de gema?
Na cultura do pão; na emoção do cante alentejano; no prazer do campo e de passear na Feira de Castro.
Estar ligado ao brincar tem alguma coisa a ver com aversão ao trabalho?
Poderá ter a ver com alguma aversão a como a maior parte das pessoas olham para o trabalho. Para mim é uma forma de realização pessoal. Sei quais são as minhas competências e utilizo-as para melhorar a vida de outras pessoas, através do brincar, sendo naturalmente remunerado por isso.
Portanto, brincar dá muito trabalho.
O acto de brincar não dá trabalho; não pode; tem que ser natural, espontâneo… senão, não é brincar; é outra coisa qualquer. Por outro lado, preparar programas estruturados que promovam o desenvolvimento e bem-estar das pessoas, através do mediador brincar… isso sim, dá trabalho, exige planeamento, muita dedicação, atenção e, sobretudo, persistência (tudo características essenciais a um brincador).
Mais e menos da cidade de Leiria?
Mais: a quantidade de pessoas com vontade de fazer acontecer – numa cidade tão pequena, a densidade de gente com ideias que passam a projectos é inigualável, do que conheço. Menos: a liderança confusa e a falta de se perceber uma identidade clara da região.
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Andar de bicicleta não é demasiado para um alentejano?
Andar de bicicleta é prática quase diária. Se pudesse andava sempre nela, mas os horários nem sempre o permitem. No Alentejo anda-se sobretudo a pé, expressão máxima da capacidade contemplativa de qualquer alentejano.
Há algum fundo de verdade nas anedotas de alentejanos?
Conheço poucas anedotas sobre alentejanos e as que conheço são sobretudo palermas (a anedota é por si só uma coisa palerma). Em relação ao estereótipo de ingenuidade e lentidão… é puro desconhecimento sobre a raiz alentejana; eu substituiria por autenticidade e contemplação.
Conte-nos a sua favorita.
Conto uma quase anedota: o abandono do Alentejo interior. Às vezes parece que os nossos líderes olham para esta região como se fosse um território estrangeiro, para onde de vez em quando fica bem enviar ajuda humanitária… sem um vislumbre de estratégia e verdadeira solidariedade.
Para quem só conhece a auto-estrada para o Algarve, o que tem Castro Verde que mais nenhuma vila tem?
A cultura e a identidade do cante alentejano e da viola campaniça (não se explica; sente-se), o museu da ruralidade (que não é em Castro Verde, mas no concelho, e deveria ser visita obrigatória para todos os que passam pela A2), um património natural assombroso (reserva da Biosfera da UNESCO) e uma biblioteca que faz inveja a Leiria, nalguns aspectos.
O que aprendeu durante os anos em que foi treinador de goalball?
Que a maior parte de nós deveria tapar os olhos e ir para o campo (de goalball), para descobrir um pouco mais de si, das suas fragilidades e, depois, das suas forças, do potencial do seu corpo, dos seus sentidos.
A licenciatura em Psicomotricidade ensinou-lhe que…
O corpo é um sistema integrador de toda a nossa existência. O físico é ponto de partida (é a partir dele que sentimos o mundo) e de chegada da nossa existência (é a partir dele que nos expressamos para o mundo); e que quando assim não é – quando perdemos a consciência disto – a nossa saúde mental está em risco e o nosso potencial de aprendizagem e relação com as coisas e com as pessoas está ameaçado.
Quando (e porquê) decidiu dedicar a vida ao brincar?
Durante a minha passagem pela Casa da Praia, um centro que apoia crianças com problemas de comportamento. Brincar (escutar, desafiar, (co)construir) era a única forma de chegar àqueles miúdos e fazê-los voltar a acreditar no seu lado bom.
Nunca lhe disseram que já tem idade para ter juízo?
Os meus pais. Tantas vezes.
Quando não está a brincar como é que ocupa o tempo?
A pensar nos desafios do Brincar de Rua, a cozinhar, a ir ao Alentejo. Brinco cada vez mais, porque tenho cá em casa um brincador que claramente já me supera!
O que é que um projecto como o Brincar de Rua diz das cidades em que vivemos?
Diz que as cidades são das pessoas e que consequentemente as pessoas têm que as reclamar, ocupar, participar; frui-las, para além dos trajectos rotineiros do trabalho e das compras. Diz, sobretudo, que temos que rapidamente inverter esta tendência de higienização das nossas vidas e garantir que a cidade seja a expressão máxima do equilíbrio da nossa existência: entre o natural e o edificado, entre o espontâneo e o planeado/tipificado, entre a funcionalidade e a contemplação. Diz que, se não o fizermos por nós, que o façamos pelas nossas crianças, que, segundo os especialistas, estão a ficar doentes e totós.