Há quem a considere a mais fútil das compras da actualidade. Custa, pelo menos, um ordenado médio anual, tem custos de manutenção e operação elevados, paga seguros e impostos e, na maior parte, é utilizado apenas duas vezes por dia para pequenos percursos, entre a casa, escola e trabalho.
O automóvel é essencial para a vida moderna e um dos objectos de desejo mais democratizados no mundo ocidental desde o século XX.
É por isso, que perante os desafios provocados pelas alterações climáticas, onde o carro é apontado como um dos principais culpados, e pela escassez dos recursos naturais, quando se adquire um novo veículo convém avaliar qual é a melhor solução: a gasolina, a gasóleo ou eléctrico.
Não são apenas os particulares a ter dúvidas quanto ao futuro deste sector, uma vez que até a indústria automóvel se encontra suspensa entre continuar a investir nos motores convencionais ou esperar que a tecnologia de baterias de lítio ou de células de hidrogénio se tornem mais competitivas e forneçam maior autonomia aos eléctricos.
A única certeza dos especialistas contactados pelo JORNAL DE LEIRIA é que a electrificação, mais ou menos longínqua no tempo, das frotas automóveis é um processo irreversível, embora, neste momento, as vantagens não sejam tantas como se poderia pensar.
Não obstante, em vários cenários, já compensa a propulsão eléctrica. Ao mesmo tempo que vários fabricantes fixaram 2040 para deixar de produzir carros a gasolina e diesel, o mercado nacional segue a tendência e, este ano, houve um aumento da venda dos eléctricos, mesmo com a diminuição no valor dos incentivos do Estado.
Portugal tem cerca de 12 mil carros eléctricos a circular e um estudo da ACEA (European Automobile Manufacturers’ Association) mostra que o nosso é o único país da UE com um PIB per capita inferior a 20 mil euros, onde os eléctricos têm uma quota de mercado superior a 2%, com as vendas em 2018, face ao ano anterior a passarem de 4237 para 8241 ligeiros de passageiros vendidos.
Filtros de partículas
Diesel mais limpo
O presidente da Zero diz que é verdade que os motores diesel estão mais limpos, mas não o suficiente para resolver a questão da poluição.
“É preciso olhar para as emissões de carbono, que provocam o efeito de estufa, e para as de óxido de azoto. Um carro a gasóleo, mesmo com as novas tecnologias, ainda produz o dobro das emissões de um carro a gasolina. Além disso, muitas pessoas que compram carros a gasóleo, retiram, ilegalmente, os filtros de partículas e isso faz com que as emissões sejam brutais".
Luís Serrano, da ADAI, é mais optimista. "Fazendo uma comparação directa, não podemos dizer que um veículo a diesel polui mais do que um a gasolina, pois tratam-se de poluentes diferentes. Um diesel dentro da norma Euro 6 [a mais recente regra europeia de emissões], tem um nível de poluição muito baixo."
O especialista diz mesmo que o ar admitido nos novos motores a diesel é mais sujo do que aquele que sai pelos seus tubos de escape.
“A capacidade de tratamento das emissões faz com que, um carro a diesel actual, se seguir atrás de um carro fabricado há 15 anos, limpe a sua poluição."Quanto às partículas e à retirada de filtros, Serrano lembra que, em Portugal, a lei, datada de 1999, permite emissões até 3%, mas a legislação europeia coloca esse valor em 0,7%.
Esta terça-feira, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, anunciou que a partir de Dezembro, com a transposição para a lei portuguesa de duas directivas europeias, os centros de inspecção irão, por fim, fiscalizar esta situação.
A quota de mercado de eléctricos em Portugal é de 3,5% (a Tesla ultrapassou a Renault em 2019). Comparativamente, a Suíça tem 3,2%, a Alemanha 2% e Espanha tem uma quota de mercado de eléctricos de apenas 0,9%
Eléctrico? Vale a pena esperar mais um pouco
Podemos querer conduzir um eléctrico mas ter a necessidade de fazer muitos quilómetros diariamente e, nesse caso, o mais indicado ainda são carros a gasolina ou a gasóleo.
O consenso é que a opção pelos eléctricos, que já são capazes nos modelos de entrada de percorrer sem recarregar cerca de 300 quilómetros, é a mais barata para a maior parte dos utilizadores individuais.
Mas atenção, mesmo com um incentivo do Estado, o investimento ainda é grande e, com a velocidade com que novas autonomias vão aumentando, ao fim de dois anos, é bem possível que o valor do veículo tenha caído bastante.
"Neste momento, talvez valha a pena esperar até 2022, altura onde se prevê que o preço dos eléctricos esteja igual ao dos convencionais", diz o responsável pela associação ambientalista Zero. Francisco Ferreira adianta que, num circuito citadino, é extremamente fácil conseguir recarregar as baterias usando apenas o mecanismo de regeneração, que utiliza o movimento das rodas e as travagens como gerador.
Mas, para quem vive na cidade, faz notar, caso não tenha garagem ou área reservada de estacionamento, o apartamento onde vivemos pode ser a causa final para evitar um veículo destes, pois, a maior parte das vezes, não só não se consegue estacionar em frente ao prédio como não há equipamentos para fazer carregamento de baterias.
"O futuro será eléctrico, autónomo, partilhado e conectado. Serão os quatro chavões que vão orientar o mundo automóvel num horizonte muito próximo", diz Nuno Roldão, administrador da Lubrigaz e vice-presidente da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel.
Porém, enquanto os problemas de autonomia e carregamento dos veículos eléctricos não forem resolvidos, os híbridos farão a ponte entre os dois mundos”, afirma, lembrando que o crescimento do mercado de eléctricos é geométrico.
O empresário acredita que, a partir do próximo ano, os preços desses automóveis vão descer ainda mais e as autonomias irão aumentar. Eléctricos são mais poluentes? Têm aparecido vários estudos que parecem provar que os eléctricos têm uma pegada ecológica maior do que os veículos convencionais.
Também aqui não há um consenso. Os ambientalistas, como Francisco Ferreira, admitem que comparativa- mente aos veículos convencionais, o impacto dos eléctricos é maior, mas apenas no processo de fabrico.
“No desmantelamento, a pegada é menor, pois é possível reciclar os componentes tal como nos outros carros. A excepção são as baterias que, mesmo sendo recicláveis, são um factor de penalização, embora não seja tão importante quanto se possa pensar.”
Segundo um estudo divulgado recentemente pelo investigador da Universidade de Colónia, Alemanha, Christoph Buchal e que esteve na origem de uma acesa troca de argumentos entre especialistas, enquanto um carro com motor de combustão emite a maior parte da poluição quando está a circular, num eléctrico isso acontece durante o fabrico das baterias.
Cada kWh obriga ao consumo de electricidade correspondente à emissão de 150 a 200 kg de carbono, ou seja, em média, 40% de todas as emissões de um eléctrico são produzidas no fabrico dos acumuladores. Refere o estudo que, por comparação com um carro a gasolina, que circule em França, só ao fim de 50 mil km, o eléctrico atinge o balanço zero de emissões de CO2.
Ou seja, torna-se efectivamente limpo. Fazendo as contas, se o eléctrico percorrer 150 mil kms, emite duas vezes menos carbono do que o veículo a gasolina. E como se estima que os eléctricos tenham uma vida muito maior do que um automóvel convencional, é fácil perceber a vantagem.
Mas atenção, este cálculo varia de país para país e depende de quão limpa/renovável é a fonte de energia. Para Portugal, não foi feito este cálculo, mas o ambientalista acredita que o saldo é positivo.
“Em Portugal, onde há uma forte incorporação de energia renovável, que chegou aos 76%, em anos anteriores, é muito mais vantajoso e, no futuro, será ainda mais porque essa incorporação será cada vez maior," entende.
Já Luís Serrano, da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial, não está completamente convencido pela opção eléctrica. “Os eléctricos e híbridos têm uma grande vantagem nesse campo, pois são mais eficientes, mas há outras questões que devem ser ponderadas ao fazer uma comparação com os veículos convencionais, a diesel e gasolina.”
O professor assistente do Instituto Politécnico de Leiria, sublinha que, tanto uns como outros, [LER_MAIS] subsistem com recurso à queima de combustíveis fósseis. Serrano explica que a electricidade produzida actualmente por meios renováveis, não é suficiente para alimentar as necessidades da indústria e habitação do País, pelo que tudo o que for gasto pelos automóveis terá de vir do consumo de combustíveis fósseis, em centrais termoeléctricas poluentes.
“Em condução citadina, os eléctricos têm muitas mais vantagens e representam uma economia na operacionalidade. Mas perdem-nas, em maiores distâncias e em utilização de maior intensidade. A meu ver, no futuro próximo, os eléctricos têm um mercado específico, dentro de circuitos urbanos, onde há percursos mais curtos e de maior pára-arranca. A propulsão convencional continuará a ter o mercado das distâncias maiores e dos veículos pesados."
O especialista acredita que, nos próximos dez anos, os eléctricos não irão substituir os veículos com motor térmico, a gasolina ou gasóleo.
Francisco Ferreira também admite que a propulsão eléctrica não é uma panaceia e que há sectores que vão continuar a utilizar as soluções de propulsão convencionais.
"Os eléctricos não resolvem os problemas de congestionamento. É preciso investir no transporte público e que os veículos sejam tão partilhados quanto possível. É preciso olhar, cada vez mais, para a mobilidade como um serviço, onde a mobilidade eléctrica é uma parte, com bicicletas eléctricas, trotinetas, serviços partilhados como o Uber. Quem quiser ter um veículo tem, mas, acima de tudo, no dia-a-dia, devem ser usados sistemas de partilha."
“Como vai ser o carro do futuro? Acredito que há a possibilidade, nas grandes cidades, da partilha de auto- móveis. O paradigma aí, passa pelo pagamento da utilização, pelo car sharing ou car pooling, e não pela propriedade da viatura. Ou seja, a utilização de menos carros por mais pessoas será inevitável nas metrópoles. Nas periferias, será uma tendência que demorará mais a chegar”, prevê Nuno Roldão.
“Nos veículos pesados, a passagem para propulsão eléctrica irá demorar mais tempo, uma vez que a tecnologia de células de hidrogénio, que terá de ser adoptada por permitir produzir maiores quantidade de energia, ainda carece de desenvolvimento”, sublinha, por seu turno, Francisco Ferreira.