Acabar com os abusos no recurso ao trabalho temporário é um dos principais objectivos da proposta de alterações entregue pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social aos parceiros sociais (sindicatos e confederações patronais), no âmbito de um plano para promover o “trabalho digno”, com especial enfoque no combate à precariedade.
Uma das metas é acabar com o uso injustificado de trabalho não permanente, reforçando as regras contra a sucessão de contratos a termo e “impedindo a nova admissão ou afectação de trabalhador através de contrato (a termo, temporário ou de prestação de serviços) cuja execução se concretize, no mesmo posto de trabalho, para o mesmo objecto ou na mesma actividade profissional”, avança a TSF, que teve acesso ao documento.
Para isso, o Governo quer obrigar as empresas de trabalho temporário a fazerem contratos sem termo aos trabalhadores que são sucessivamente cedidos a diferentes empresas.
A proposta refere igualmente que se pretende mais rigor nas regras de renovação dos contratos de trabalho temporário e apertar o controlo das empresas de TT com “certificação de qualidade” e verificação da idoneidade dos seus sócios e gerentes.
“No contexto que atravessamos, sentimos que este é um possível retrocesso do país. A capacidade operativa do tecido empresarial português pode sair prejudicada por algumas iniciativas em curso, colocando em risco a recuperação das empresas e a sua capacidade de enfrentar os desafios que se seguem nos próximos anos e para as quais o trabalho temporário é importante quando considerado no conjunto da população activa”, aponta Afonso Carvalho.
O presidente da Associação Portuguesa das Empresas do Sector Privado de Emprego e de Recursos Humanos frisa que “muitas das medidas que estão a ser consideradas são prejudiciais para o tecido empresarial”.
“Neste caso particular, a mudança certa e que é exequível passa por fiscalizar e punir as empresas não cumpridoras que recorrem a formas de trabalho irregular e que prejudicam os trabalhadores e a economia do país”.
Para o dirigente, algumas das mudanças propostas, como a introdução de um número máximo de renovações (seis) aos contratos de trabalho temporário, aproximar a contratação a termo do trabalho temporário, e obrigar à existência de uma percentagem de efectivos no quadro total de trabalhadores temporários não vão ajudar a combater as situações irregulares e acabam por limitar e prejudicar o tecido empresarial português, pois limitam a capacidade das empresas de gerirem a sua força de trabalho”.
[LER_MAIS] “Ciclicamente temos sidos confrontados com medidas de combate à precariedade e ao trabalho temporário. Acontece que desde que estejamos na presença de trabalho pontual ou de curta duração, o trabalho temporário continuará a ser uma ferramenta com enquadramento legal”, comenta César Santos.
O CEO do Grupo Talenter, com escritório em Leiria, diz que “apenas 10 a 15% do trabalho precário é trabalho temporário”. Como tal, acredita que estas medidas “não terão um grande impacto nas empresas de TT”. “Se servirem para combater os falsos recibos verdes ou mesmo o trabalho não declarado, poderão ter um efeito positivo nas empresas de TT”, entende.
“As mudanças apresentadas visam supostamente o combate à precariedade e ao trabalho temporário e podem ser agregadas em três grupos de medidas: o primeiro são os abusos relativos ao período experimental, à protecção dos jovens trabalhadores estudantes, o combate ao falso trabalho independente e ao trabalho não declarado. Neste caso, parece-me é que apenas uma questão de fazer cumprir a lei! Estou curioso em perceber o que falta regular”, diz César Santos.
“Num período em que vamos saindo ‘lentamente’ da pandemia, em que ainda não sabemos o impacto da crise económica, nomeadamente na falência de muitas empresas e no desemprego; quando estamos prestes a lançar o Plano de Recuperação e Resiliência, com dois grandes objectivos ao nível da transição para a descarbonização da economia e à transformação digital, que terá um grande impacto na vida de muitas empresas e na manutenção de muitos postos de trabalho, qual foi a prioridade identificada pelo governo? O combate ao trabalho temporário e aos contratos a termo! Obviamente parece-me pouco exequível”, afirma o gestor.
“Não conheço ainda os detalhes, não sei se é ou não exequível [celebrar contratos sem termo com os trabalhadores]”, diz por sua vez Pedro Ferreira, gerente da CMGD, empresa de trabalho temporário de Leiria.
O gestor explica que as empresas de TT celebram com os seus trabalhadores contratos a termo incerto, precisamente por “não saberem se a missão dura uma semana ou um mês”. “Só numa ou noutra situação específica, de substituição devido a baixa ou licença de maternidade, por exemplo, é possível fazer contrato a prazo”.
Também Fernando Sousa, da Flexitemp, entende que, “à primeira vista, a medida não faz sentido”. “Se a empresa nossa cliente deixar de precisar das pessoas, onde as vamos colocar? Ficamos ‘com o menino nos braços’ se as tivermos efectivas”, explica o responsável desta empresa de Ourém, que trabalha sobretudo para o sector da metalomecânica.
Uma das principais dificuldades é mesmo encontrar pessoas para trabalhar. “É dificil, quer qualificadas quer indiferenciadas. O que nos tem valido são os emigrantes da Índia e Bangladesh”.
Pedro Ferreira afirma igualmente que este é um obstáculo. “Até 2020 era difícil encontrar pessoas qualificadas, agora também não há sem qualificações.
“Há muita gente a receber subsídio de desemprego, a fazer formações e cursos. Preferem estar em casa a receber pouco mas sem horários a cumprir do que receber mais mas ter obrigações”, diz o gestor da empresa de Leiria, que trabalha essencialmente para a indústria e construção civil.
De acordo com a última edição do Barómetro do Trabalho Temporário, as empresas de fabricação de componentes e acessórios para veículos automóveis estão entre as que mais recorrem ao TT, representando 14,5% do total de contratos celebrados.
O último estudo da Informa D&B, de Fevereiro, revela que o sector do TT registou no ano passado um facturação total de 1.200 milhões de euros, uma quebra de 17% face a 2019, “consequência da pandemia de Covid-19, e após um grande crescimento de 60% deste sector entre 2013 e 2019”.