Há cinco meses a viver num camarote do Estádio Municipal de Leiria, a dificuldade em encontrar emprego e casa obriga a que refugiados da Ucrânia não consigam uma melhor integração. Natália Shchukina e Tetiana Kovalenko são dois exemplos de refugiadas ucranianas que ainda ocupam duas das 54 camas dos camarotes do Estádio Municipal de Leiria. Este centro de acolhimento está sempre cheio, pois sempre que há uma vaga ela é preenchida por um pedido da rede nacional.
“Estão sempre lotados os 54 lugares do estádio e os 20 na Maceira”, adianta a vereadora do Município de Leiria, Ana Valentim. As nacionalidades de refugiados não são apenas ucranianas, mas há também pessoas da Nigéria ou da Jordânia, por exemplo, que também se encontravam na Ucrânia aquando da invasão da Rússia.
Médica cardiologista, Natália Shchukina, 47 anos, lamenta a “burocracia” portuguesa e a posição da Ordem dos Médicos, que a têm impedido de poder exercer Medicina. Em cinco meses já percebe e fala um pouco português. Não se atreve a usar mais vezes a língua de Camões, porque diz ser tímida. A conversa decorreu entre o inglês, o português e o ucraniano e Natália Shchukina conta que chegou a Leiria com a mãe, uma idosa de 84 anos, e a cadela, “também já velhinha”, com 8 anos.
“Gostava de poder ser médica em Portugal, mas a burocracia é terrível. São necessários muitos passos e é tudo muito difícil. Ao menos, que fosse possível ser assistente de Medicina, como acontece no Canadá”, aponta.
Originária de Kharkiv, a médica diz que gostava de viver em Lisboa, por ser uma cidade grande idêntica à sua. Em Leiria, já conhece tudo. “É muito pequena.” No seu dia-a-dia dedica-se aos estudos. Não só da língua, mas também tem aulas online numa universidade ucraniana, onde está a tirar o curso de design. “Gosto muito de estudar. É preciso estarmos sempre a estudar, porque ajuda a desenvolver o cérebro. Também sei falar turco, porque tenho facilidade em aprender línguas”, adianta. O seu apartamento, no 9.º andar, foi destruído pela guerra. Por isso, não tem para onde voltar.
Natália Shchukina vive de um pequeno subsídio, mas que não lhe permite arrendar uma casa. “Só me oferecem emprego para fazer limpezas. Com todo o respeito, sou especialista de cardiologia, posso ajudar muitas pessoas, e não vou aceitar um emprego que me desclassifique”, afirma, ao referir que vai fazendo traduções para ganhar algum dinheiro. Natural de Kiev, Tetiana Kovalenko, 40 anos, já esteve a viver numa casa, em Santa Eufémia, com os dois filhos de 11 e 17 anos, e o cão da família.
O marido ficou na Ucrânia, mas a mulher gostaria que ele viesse para Portugal, apesar das dificuldades que tem encontrado. A família que lhe cedeu a casa necessitou dela e Tetiana Kovalenko foi obrigada a voltar para o camarote do estádio. “É difícil encontrar emprego, porque não há transporte. Se não tiver uma casa perto do trabalho fica complicado. Também já fui a alguns locais que dizem que não precisam ou por não ter transporte que não vale a pena”, revela.
Natalia Shchukina
Já fez o curso de um mês de Língua Portuguesa, mas o seu português não é tão desenvolto como o de Natália. A burocracia é também um dos aspectos apontado como problemático para os refugiados. “Tivemos muito tempo a aguardar pelos documentos do SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] e só podíamos ir à Segurança Social após termos esses documentos. Depois de todo o tempo à espera, só em Junho é que recebi um apoio”, lamenta. Para trabalhar também é necessário o número de Segurança Social e toda a demora vai dificultando a procura.
Em Bucha, cidade onde viveu nos últimos oito anos, era assistente de vendas num supermercado. Agora, gostava de trabalhar em algo ligado a flores. “Vivia numa casa arrendada, mas a cidade está toda destruída, não há onde alugar casa.” As boas condições de Portugal, nomeadamente para estudar e a segurança, fizeram Tetiana escolher o nosso País.
“Achei que era o melhor País para os meus filhos, para poderem estudar, e depois o meu marido pode juntar-se a nós. Quando os meus filhos crescerem, logo vemos o que fazer”, diz.
Apesar do olhar denunciar que gostaria de puder ter a sua vida organizada em Portugal, Tetiana Kovalenko não desiste e afirma que continua à procura de um local para viver com os filhos e de um emprego, mas “um tem de ser próximo do outro”.
Depois de conversar com o JORNAL DE LEIRIA, na sexta-feira, Tetiana recebeu uma proposta de trabalho, que incluía habitação. No dia seguinte mudou-se para o Alentejo.
Cerca de cinco meses depois de chegarem a Leiria fugidos de uma guerra sem fim à vista, Yuliya Hryhoryeva, representante da associação dos Ucranianos em Leiria, adianta que já houve pessoas que decidiram partir para outros países europeus, outras regressaram à Ucrânia e outras encontraram emprego e optaram ficar.
“Cada caso é um caso. Ainda têm a vida em suspenso, não sabem o que lhes reserva o futuro. Alguns gostavam de voltar, mas a situação ainda não é favorável. Como têm de sobreviver, tentam integrar-se”, conta.
Yuliya Hryhoryeva explica que já não se assiste à chegada em massa de refugiados. “Deixou de haver transporte humanitário para ir buscar pessoas”, pelo que as que chegam é porque têm alguma ligação cá ou capacidade financeira. Quem é pobre não consegue”, salienta. Casa e emprego são as principais dificuldades que todos sentem. “
Os valores das rendas são elevados e há quem peça seis meses adiantados. Há apoio da Segurança Social, mas demora muito tempo a chegar.”
Depois de toda a ajuda que a solidariedade dos portugueses fez chegar aos centros de acolhimento, roupa e calçado são suficientes para as necessidades. No entanto, os produtos de higiene, alimentação e medicamentos continuam a ser necessários. Yuliya Hryhoryeva diz que quem quiser ajudar com estes bens pode continuar a doar.
Primeira refugiada empregada