A infância e juventude de Francisco Lacerda foram passadas entre os estudos no antigo Liceu de Leiria e as brincadeiras no Largo da Infantaria 7, onde nasceu em 1952. Viria a formar-se em Engenharia Electrotécnica (ramo de Telecomunicações e Electrónica) no Instituto Superior Técnico, acabando por rumar à Suécia, onde está radicado há quase 40 anos.
Especialista em Fonética, é professor catedrático na Universidade de Estocolmo, onde chefia o Departamento de Linguística e integra a Royal Swedish Academy of Sciences ( Real Academia Sueca das Ciências), que ajuda a eleger os prémios Nobel da Física e da Química.
Mas recuemos até ao revolucionário ano de 1974, quando Francisco Lacerda se formou em Engenharia Electrotécnica. Estava, então, “muito longe” de imaginar que o seu futuro seria passado entre espectrogramas e vibradores acústicos a tentar perceber o que se passa no cérebro quando falamos.
“Não fazia ideia nenhuma do que era a Fonética”, recorda ao JORNAL DE LEIRIA, numa passagem pela cidade que o viu nasceu, onde vem com alguma regularidade para visitar a mãe. Um “acaso” levou-o, primeiro ao Centro de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e depois, em 1979, ao Departamento de Linguística da Universidade de Estocolmo.
E, quase instantaneamente, deixou-se seduzir, quer pela área de investigação e pelo ambiente universitário quer pela capital sueca. “O clima de trabalho era muito inspirador e a equipa tinha uma energia contagiante. Havia também uma relação de muita proximidade com os professores, muito diferente do que acontecia em Portugal”, conta.
Além disso, sentiu em Estocolmo “um clima social e uma organização” muito a seu “gosto” e “uma fantástica explosão da natureza”. Foi, reconhece Francisco Lacerda, “uma revelação” que lhe daria “a volta à cabeça” e ao seu percurso profissional.
[LER_MAIS] Findos os três meses de estágio, ainda regressou temporariamente a Portugal, mas acabou por “ir fincando” na Suécia. Primeiro como bolseiro, mais tarde como docente e hoje como catedrático da Universidade de Estocolmo, com a função de responsável científico e administrativo do Departamento de Linguística.
Ao longo da sua carreira, têm-se dedicado a estudar os processos de linguagem. Investiga, por exemplo, “o que leva um bebé a produzir certo tipo de sons e não outros” ou como “é que ele percebe os sons da fala que ouve à sua volta”.
Centro para imagens do cérebro
Actualmente, tem em mãos a missão de criar um centro para imagens do cérebro na Universidade de Estocolmo, que irá juntar especialistas das várias faculdades (Letras, Ciências Sociais, Ciências Naturais e Direito).
Será, explica Francisco Lacerda, um centro para “estudo do cérebro, desde insectos, peixes até humanos”, que pretende compreender “o que acontece no cérebro quando comunicamos” ou “qual a conectividade entre as diferentes estruturas do cérebro” durante esse processo.
“É um desafio enorme, porque iremos juntar diferentes linguagens e áreas do saber muito distintas, como a Zoologia, a Psicologia, a Física ou o Direito”, diz o investigador que considera “um grande prestígio” ter sido convidado pela reitoria para liderar este projecto.
Orgulho é também o que sente por fazer parte da Real Academia Sueca de Ciências – “sou o membro 1619”–, integrando as classes de Química, Física e Economia. Participa, por isso, na votação que, anualmente, elege os prémios Nobel da Física e da Química.
“É um processo extremamente sério e muito escrutinado, com um código de conduta incrível”, assegura Francisco Lacerda, que integrou e coordenou várias comissões de avaliação internacional de unidades e projectos de investigação em Portugal, a convite da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e do antigo ministro Mariano Gago.
“A investigação mudou muito em Portugal. Quando comecei a fazer esse trabalho, nos anos 90 [do século XX], estávamos muito longe do que se fazia no estrangeiro. Hoje, há coisas óptimas e é um gosto ver que atingimos um nível internacional”, afirma o investigador, que não pensa regressar ao País.
"Venho muitas vezes a Portugal e colabora com grupos de investigação portugueses, mas acho que posso contribuir mais estando na Suécia.”