Quais são os receios em específico que afastam o público da mobilidade eléctrica?
Os receios ou mitos que ainda são entraves à adopção de um veículo eléctrico por algumas pessoas, devem-se à falta de informação ou até à desinformação, por algo que é novo, é disruptivo, é inovador e altera algumas das rotinas. A mudança, o romper de hábitos há muito adquiridos, a inovação tecnológica, que os veículos eléctricos nos proporcionam, necessitam de muita e credível informação. O que digo sempre: experimente, faça um test-drive, confirme por si as grandes vantagens dos veículos elétricos.
Quanto tempo podem durar as baterias de um carro?
As baterias de um carro elétrico podem desempenhar a sua função de tracção durante cerca de dez anos, com alguma degradação, mas ainda permitindo a utilização de uma forma eficiente. Após esse período, podem ser utilizadas como baterias estáticas servindo como acumuladores de electricidade, normalmente proveniente de sistemas de produção com painéis fotovoltaicos, e neste caso podem ter uma “segunda vida” de cerca de mais 20 anos, após estes 30 anos, as baterias poderão ser recicladas em cerca de 95% e os minérios assim obtidos utilizados no fabrico de novas baterias. Existem vários exemplos de reutilização de baterias, é o caso da Arena de Amesterdão onde joga a equipa de futebol do Ajax e a sede da ACAP/Valorcar, em Lisboa.
Fala-se muito da questão da substituição desses componentes, que são a parte mais cara de um automóvel deste tipo…
As baterias vêm actualmente com uma garantia média de oito anos durante os quais os fabricantes substituem as baterias com avaria que as tornam menos eficientes ou que não tenham uma capacidade mínima, podendo variar de marca para marca. Após o período de garantia é sempre possível substituir a bateria por valores que as marcas disponibilizam.
Com baterias cada vez mais eficazes, que proporcionam maior autonomia e rapidez de carregamento, que atractivos há em adquirir já um veículo eléctrico e não daqui a dois ou três anos?
Como todos os equipamentos com uma grande incorporação tecnológica, estão sempre a ser disponibilizados modelos com maior autonomia, com velocidades de carregamento superiores, com sistemas de apoio à condução autónoma mais desenvolvidos, com melhores e mais eficientes motores eléctricos… Se estivermos sempre à espera do último modelo, acabamos por perder as vantagens que os veículos eléctricos, já hoje nos disponibilizam, como a muito maior eficiência dos seus motores, em relação a qualquer motor de combustão interna, maior economia nos custos de utilização, quer pelo preço da electricidade, que é inferior ao da gasolina ou do gasóleo, quer pela ausência de manutenção de peças que, neles, existem.
Para a maior parte dos consumidores, na sua opinião, qual é o argumento que pesa mais para a troca de paradigma de mobilidade? O ambiental ou o económico?
Actualmente, a opção pelo carro eléctrico é económica, pois o veículo eléctrico – carro, mota ou furgão – é muito mais económico e eficiente do ponto de vista energético. Existe um quadro de benefícios fiscais e de incentivos à aquisição de um veículo deste tipo muito significativo e que torna a sua aquisição a opção mais económica. No entanto, os gravíssimos impactos das alterações climáticas que estão a ser devastadores e cada vez mais presentes no nosso dia-a-dia, a necessidade de pôr um fim ao consumo de combustíveis fósseis, os principais responsáveis pelos gases de efeito de estufa, de reduzir a poluição atmosférica e sonora nas grandes áreas metropolitanas, levarão as pessoas a ponderar, cada vez mais, o seu impacto nas alterações climáticas da Terra, que inevitavelmente colocarão em causa a possibilidade de se manterem as condições de vida para os humanos no planeta.
A rede de carregamento actual permite fazer uma viagem, por exemplo, de Lisboa a Paris?
A Rede Nacional de Carregamento para Veículos Elétricos, que inclui a Rede Pública sob gestão da MOBI.E e as diversas Redes Privadas (Tesla, Continente Plug & Charge, Power Dot ou Mobiletric para TVDE, diversas redes em concessionários, Nissan, Renault, VW, BMW, Porsche, etc.) com mais de seis mil pontos de carregamento, dos quais mais de 900 são rápidos, super-rápidos ou ultrarrápidos, permite hoje viagens por todo o território nacional. A Rede Nacional de Carregamento terá obviamente de acompanhar o crescimento do número de veículos eléctricos a circular, o que tem acontecido quase diariamente. Pessoalmente já realizei mais de 250 mil quilómetros em carros eléctricos, tendo já realizado viagens a Marrocos (Marraquexe), Noruega (Kristiansund) ou Escócia (Glasgow), viagens de muitos milhares de quilómetros.
Quando olhamos para o mapa da rede de carregamento, ficamos com a impressão de que há uma “litoralização” da mobilidade eléctrica. Por que razão, no interior, a mudança é mais lenta?
Essa concentração de carregadores no litoral e nas grandes áreas metropolitanas já não é tão pronunciada e vai-se diluindo gradualmente. No entanto, faz parte da evolução da própria Rede Nacional de Carregamento. Quando apareceram os primeiros carros com motores de combustão interna, também era muito difícil viajar de Lisboa a Bragança. Por exemplo, não existiam “bombas de gasolina” ou estações de serviço como se chamam hoje e as viagens tinham que ser planeadas e obrigavam a várias paragens.
Se os aumentos de preços dos combustíveis fósseis se tornarem frequentes, como parece ser a tendência, acredita que o público se sentirá mais rapidamente atraído para os veículos eléctricos?
Sim, será sempre um factor importante na tomada de decisão final. Embora o preço da electricidade também possa aumentar o seu custo será sempre muito mais vantajoso para o utilizador. Portugal não dispõe de petróleo e, portanto, está sujeito às variações de preços dos combustíveis fósseis nos mercados internacionais, mas dispõe de sol, vento e água, que são recursos nossos que permitirão produzir cada vez mais electricidade por fontes renováveis, evitando a dependência do estrangeiro.
O hidrogénio também é muito falado como alternativa aos combustíveis fósseis ou à electrificação simples. É certo que um processo cuja principal emissão é vapor de água é muito atractivo, mas quais são as razões para que ele não seja, para já, utilizado em grande escala?
O processo é complexo e dispendioso, obrigando à criação de redes de distribuição, transporte e armazenamento, que necessitam de grandes investimentos e, muito provavelmente, de transporte rodoviário utilizando combustíveis fósseis. Por comparação, o veículo eléctrico já conta com uma rede generalizada de distribuição de energia eléctrica. Em 2006, tive a oportunidade de me deslocar a Long Beach, na Califórnia, para assistir à Conferência Anual do Hidrogénio nos Estados Unidos da América, que tinha como objectivo o lançamento do veículo eléctrico a pilha de combustível. As conclusões finais da conferência foram, no essencial, que os custos de produção, distribuição e armazenamento do hidrogénio eram incomportáveis para a economia norte-americana. Só o custo de infraestruturar todo o território dos EUA com um sistema de distribuição de hidrogénio inviabilizava a opção. O que era para ter sido o lançamento em força da opção hidrogénio para os veículos eléctricos ligeiros acabou por ser o seu fim. Em Outubro, 27,6% dos veículos vendidos em solo nacional foram eléctricos ou híbridos plug-in.
A esta velocidade, daqui a quanto tempo ultrapassarão a fasquia dos 50%?
É um mercado com uma tendência de crescimento muito acelerada. É sempre difícil fazer previsões, mas num período de dois ou três anos poderá ser atingida a quota mensal de 50% na venda de veículos eléctricos em Portugal.
Que avaliação faz da COP 26, onde esteve presente?
O alerta é vermelho, os sinais de alarme soam em todos os quadrantes. O grande problema que iremos enfrentar tem um nome: sobrepopulação, que resulta no consumo excessivo dos recursos naturais, no aumento exponencial da poluição atmosférica, na poluição dos rios e dos oceanos, na introdução de micro-plásticos na cadeia alimentar dos humanos, na libertação do metano devido à destruição do permafrost, no fabrico de inúmeros equipamentos fúteis e não essenciais aos cidadãos em geral. Não seria de esperar muito mais de representantes de países que dependem quase em exclusivo dos combustíveis fósseis, e foram esses quem mais se opôs a dar passos firmes e concretos em relação ao futuro, passes esses que podem ser dados, negociados e planeados de forma faseada mas urgente, ou dados de uma forma demolidora, devastadora, podendo mesmo vir a pôr em causa as sociedades democráticas, as liberdades e mesmo a própria existência da Humanidade.