O primeiro-ministro António Costa esteve em Leiria na semana passada e deixou a ideia de que pela primeira vez há uma revolução industrial em que Portugal não está em desvantagem por razões tecnológicas e de posição geográfica. Concorda?
Se os argumentos forem a geografia e a tecnologia, concordo. No lado da tecnologia, temos dos melhores técnicos a nível mundial, cada vez mais há empresas que vêm para Portugal, como estratégia de recrutamento, porque conseguem encontrar por 40 mil ou 50 mil euros ano o que encontram nos Estados Unidos por 80 mil ou mais. Também é verdade que é difícil encontrar talento na área tecnológica, não estamos a formar em número suficiente. Mas, sim, o conhecimento está cá, as universidades estão cá, as infra-estruturas estão cá.
Falando das áreas tecnológicas e da economia digital, os portugueses estão entre os melhores?
Somos pelo menos tão bons como os outros.
E temos características que nos colocam em vantagem?
Hoje há um ecossistema que permite, não sei se é desenrascar, ou arriscar, mas criar coisas e tentar coisas. Temos as características certas como empreendedores tecnológicos e temos uma história de indústria.
Que oportunidades traz a digitalização dos negócios a um País como Portugal?
O mercado, em princípio, passa de 10 milhões de pessoas para 7 biliões, e isso muda as regras do jogo. É claro que também nos coloca num mercado muito competitivo. Depois temos o desafio de que, quando na fase de crescimento, pode não chegar aqui tanto capital como chega a empresas lá fora. Esse é o único ponto em que estamos em desvantagem: é mais difícil conseguir financiamento para o momento de crescimento global, relativamente a outros.
Já trabalhou no estrangeiro, com pessoas de várias origens, nomeadamente na Google, em projectos internacionais. Os engenheiros portugueses têm capacidade para integrar equipas em qualquer ponto do mundo?
Sim, e quem diz engenheiros de topo diz gestores de topo.
Em termos de ambiente de trabalho, o que achou diferente?
Tem muito a ver com a cultura da própria empresa e do país. Senti necessidade de aumentar o meu nível de produtividade, quando entrei na Google. Saí daqui a achar que era produtivo e quando cheguei lá e comecei a perceber que a minha produtividade tinha que estar estrangulada entre as 9 da manhã e as 5 ou 6 da tarde, isso obrigou-me a ser mais produtivo. Logo nas primeiras semanas fiquei até às 7 e houve um dia que a minha manager passou por lá e disse-me isso não é justo para os teus colegas.
Hoje qualquer jovem português com uma boa ideia de negócio pode confiar que existem as condições para levar o conceito ao mercado?
Sim, hoje não há desculpa para alguém dizer que não tem acesso. Também é verdade que a ideia não vale muito, é mais a capacidade de entrar, experimentar, correr algum risco, de se libertar do ego e perceber que é preciso testar. Depende 80% da pessoa e da equipa e depois das oportunidades. Não dá para nos desculparmos que não temos as ferramentas necessárias, porque elas existem: incubadoras, aceleradoras, prémios, plataformas que te juntam a outros co-fundadores, investidores que entram em diferentes fases, conferências, workshops, talento, exemplos de sucesso a quem podes perguntar, portanto, todas estas coisas não existiam e agora existem.
Os jovens da sua geração são mais cidadãos do mundo?
Sim, de certeza. A União Europeia tem muito mérito nisto. Foi muito mais fácil para nós ir a intercâmbios, ter Erasmus, passar de um país para o outro sem dar conta, não haver fronteiras, e isso tornou as coisas mais fáceis. A mobilidade é muito mais barata, há voos low-cost para todo o lado.
Arrisca-se com mais facilidade?
Há mais visibilidade sobre o quão pouco importante é errar. Já se percebeu que errar faz parte do processo. Agora, é claro que há pessoas mais conservadoras do que outras. Continua a haver muitas pessoas com dificuldade em perceber qual é o custo de oportunidade de sair de um emprego e ir para outro.
No seu caso, como é que tem encarado a relação com o trabalho e com a carreira?
Quando tirei engenharia informática, queria ir para uma empresa como a Google, ser product manager, e o que me atraía era o desenvolvimento de competências. Sempre fui muito apaixonado por tentar resolver problemas sociais, sempre estive envolvido com associações. Houve um momento em que percebi que as duas coisas podiam ligar-se: que a minha missão social, ou o meu propósito, podia ser ao mesmo tempo o meu trabalho, e foi esse o caminho que acabei por seguir.
E isso faz a diferença no resultado final?
Sim, ajuda muito. Se nos conseguirmos apaixonar pelo trabalho que fazemos, as coisas resultam muito melhor, tanto para nós como para o projecto e para a nossa performance. Mas também não acho mal nenhum que uma pessoa escolha uma profissão pelo simples facto de querer ser altamente remunerada.
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