Na aldeia das Meirinhas, no concelho de Pombal, praticamente toda a gente conhece Ian Pattison. É o “marido da Anabela” e um dos pais que, praticamente todos os dias, vai levar e buscar os filhos à escola local.
O que poucos sabem é que este cavalheiro inglês, quando não está a cumprir as tarefas familiares, é um dos responsáveis por fazer com que a Sail GP, a Fórmula 1 da vela, seja uma das mais espectaculares modalidades a que podemos assistir dentro de água.
Ian é um dos técnicos responsáveis pelas velas das nove equipas que competem em embarcações do tipo F50 (Foiling 50), no circuito mundial. Cada barco é, geralmente, tripulado por cinco pessoas e podem chegar a velocidades de 50 nós, ou seja, mais de 90 km/h, o que, para um veículo que se desloca numa superfície aquática apenas com a força do vento, é uma velocidade extremamente alta.
“Os barcos levantam o casco fora da água e apenas os hidrofoils tocam nela. Estão, na verdade, a ‘voar’, em cima de três pontos: os dois lemes na popa e um foil na proa”, explica o britânico, que fez das Meirinhas o seu lar e a sua base, quando não está a viajar à volta do Mundo.
A utilização destas superfícies reduz o atrito e potencia a eficiência e velocidade da embarcação. É ele quem zela pelo bom estado das velas…
“A ‘vela’, não é bem uma vela. Na realidade, é uma ‘asa’. Uma estrutura em carbono, que se assemelha à asa de um avião e que é revestida com um material plástico, aplicado recorrendo a calor, até ficar esticado como a pele de um tambor”, revela.
Esta estrutura é operada com recurso à electrónica e a mecanismos hidráulicos e funciona com o mesmo princípio da asa de um aeroplano. Todas as noites, a “asa” tem de ser retirada da posição vertical, enrolada e guardada numa espécie de tenda a bordo.
“É possível torná-la mais côncava, mudar o ângulo de ataque, de modo a conseguir o máximo de velocidade”, conta o britânico, adiantando que, na frente dessa “asa”, está ainda posicionada uma outra vela.
“Sou responsável pela manutenção do conjunto formado pela asa e pela vela, em todas as equipas que competem na Sail GP.”
Quando a qualidade da equipa é mais importante Toda a frota é composta pelo mesmo modelo de embarcação, o F50, e com as mesmas especificações. A única coisa que muda são as equipas, a sua experiência e talento.
“É essa a beleza do desenho único. No final de contas, o que realmente importa são as tripulações”, salienta Ian.
Há um timoneiro, uma pessoa responsável pela “asa” (wing trimmer), uma pessoa que controla a elevação do barco fora de água, outra que caça a bujarrona (um tipo de vela) e um outro elemento da tripulação que determina a táctica a empregar, lê a superfície da água e a direcção do vento.
O trabalho colectivo é determinante para que um barco seja mais rápido do que outro. O tamanho do percurso de cada prova depende do local da competição. Normalmente é um circuito fechado, com a forma de um triângulo, e marcado com boias, com duas ou três milhas náuticas de extensão (entre 3,7 a 5,5 quilómetros), por manga, disputada pelas equipas da Austrália, Canadá, Dinamarca, Espanha, França, Grã Bretanha, Nova Zelândia e EUA.
Em jogo, até pode estar um prémio final de um milhão de dólares, alcançado ao fim de uma temporada, na final que, este ano, tem lugar em São Francisco, mas é a adrenalina e a emoção da competição que fará com quem estes homens e mulheres corram entre si.
Na época 2022/2023, a Sail GP, que arrancou nas Bermudas, irá percorrer 11 países de todo o Mundo, sempre com imagens espectaculares.
“Já fomos a Chicago, Saint Trópez, Cádiz, Dubai e acabei de chegar de Singapura. Entretanto, irei para Sidney, na Austrália”, conta Ian.
“Quase nunca estou em casa, em Portugal. Estou sempre em digressão!”, brinca e, apontando para o grande relvado nas traseiras da sua casa nas Meirinhas, diz que “um dia, gostava muito de viver aqui!”
De Portsmouth à America’s Cup e à Sail GP Ian Pattison nasceu na ilha de Malta e cresceu em Portsmouth, em Inglaterra, onde existe uma grande comunidade ligada ao mar e ao mundo da vela. Após a escola, desenvolveu conhecimentos na arte da concepção de velas, durante quatro anos.
Aprendeu a desenhá-las e a fabricá-las, após o que conseguiu emprego na Lucas Sails, uma grande empresa da área. Passou, de seguida, pela Northsails, até que, em 1999, se mudou para os EUA, para ocupar o cargo de supervisor, no departamento de laminados 3D, também na Northsails.
“Em 2000, acabei por me envolver na America’s Cup, outra grande competição de vela, até que me convidaram a integrar a Team Alinghi, uma equipa que é propriedade de um milionário suíço. Fiquei com eles dez anos. Vencemos a America’s Cup em 2003, na Nova Zelândia, defendemo-la em Valência, Espanha, em 2007, e acabámos por perdê-la para a equipa Oracle, em 2010”, conta.
Depois dessa data e até 2015, Ian transferiu-se para a equipa italiana Luna Rossa, da família Prada.
Seguiu-se a britânica Ben Ainslie Racing.
A Sail GP acabou por lhe sair em caminho, ou em rota, após este longo percurso como responsável pela construção de velas em algumas das mais, mundialmente, conhecidas equipas de corridas de veleiros.
“Era um trabalho bastante diferente. Passei a tomar conta de uma ‘asa’ com uma estrutura sólida, em vez de uma vela.”
Aceitou o desafio e passou a integrar uma equipa com mais de 100 pessoas, que conta com especialistas da hidráulica à electrónica, passando pela construção de velas e de barcos.
Este é um desporto milionário, entre patrocínios, direitos televisivos e construção das embarcações.
“É uma competição que arrancou em 2019, com apenas sete equipas. Agora, na terceira temporada – porque parámos devido à pandemia -, há mais equipas – que deverão chegar às 12 -, mais países envolvidos e muito mais público.”
O técnico acredita que muito daquilo que se vê na Sail GP será aplicado no futuro da construção naval: “asas”, hidrofoils e outros avanços tecnológicos.
“Até na America’s Cup os barcos já ‘voam’ fora da água!”
Mas como foi que a vida levou Ian Pattison, habituado a paragens como Dubai ou São Francisco, até às Meirinhas?
Durante a America’s Cup, em 2007, quando a competição decorreu em Cádiz, Espanha, conheceu a mulher, Anabela, uma portuguesa proprietária de uma agência de catering, natural das Meirinhas, Pombal. Casaram e ficaram na cidade espanhola até 2010.
“Foi quando, decidimos vir para Portugal, porque os pais dela são das Meirinhas e nós queríamos ter filhos, pelo que fez sentido fixar- -nos aqui, perto da família e com uma boa escola.”