As bandeiras de Portugal e do Brasil penduradas no topo da sala deixam antever um coração dividido de quem, atrás do balcão, atende os clientes que, em dia de jogo entre as selecções canarinha e a da Suíça, vão ocupando as mesas do café Tapas Grill, na praia do Pedrógão, concelho de Leiria.
O proprietário é Moisés Lima, brasileiro, que assumiu a gestão do espaço há três anos, primeiro por conta do patrão e depois como proprietário. Diz que, quando chegou, era “o único” brasileiro no Pedrogão fora da época balnear. Hoje, são “mais de 200”.
Na maioria dos casos, trabalham na zona Norte do concelho de Leiria, nomeadamente em Monte Redondo e Coimbrão, mas também em Vieira de Leiria ou na Marinha Grande, e chegaram ao Pedrógão atraídos pela tranquilidade e segurança da praia e, sobretudo, pela oferta de habitação a preços mais acessíveis.
Só este ano, a Junta de Freguesia do Coimbrão já emitiu 120 atestados de residência para pessoas de nacionalidade brasileira, na maioria residentes no Pedrógão, sendo que, em muitos casos, cada documento abrange mais do que um elemento do agregado familiar. Aquele número, registado até à última semana de Novembro, é quatro vezes superior ao total de 2021, ano em que a autarquia passou “cerca de 30 atestados de residência a cidadãos de nacionalidade estrangeira”.
Caras novas a cada dia que passa
“A cada dia que passa, há caras novas. Há quem venha sozinho, mas também vêm famílias com crianças”, atesta Manuel Quiaios, ‘filho’ do Pedrógão, com vários negócios na praia e a quem muitos desses imigrantes recorrem a pedir trabalho. “Não há muito emprego no Pedrógão, sobretudo no Inverno. Costumo sugerir algumas fábricas aqui à volta”, conta o empresário, antigo emigrante no Luxemburgo, que considera “positivo” a fixação de novos moradores na praia. “Se vierem por bem, são bem-vindos”, diz.
Entre as caras novas de que fala Manuel Quiaios está Westerly Mini, que os conterrâneos tratam por ‘Messi’ numa alusão às parecenças físicas com o futebolista argentino. Natural de São Paulo, mudou-se este ano para Portugal. Esteve primeiro em Aveiro, mas acabou por se fixar no Pedrógão, onde vive com um amigo, também brasileiro, e vai fazendo alguns biscates, enquanto procura emprego a tempo inteiro.
“Aqui, é muito tranquilo e ainda é possível arranjar casa a preço acessível”, reconhece Westerly, de 27 anos, que o JORNAL DE LEIRIA encontrou no Tapas Grill. “Mais parece o consulado brasileiro. Quando chegam, as pessoas vêm aqui pedir informações sobre o processo de legalização. É também um ponto de encontro da comunidade”, assume Moisés, que se diz “feliz” com a vida que construiu entre as praias da Vieira, onde dorme e tem a mulher e dois filhos, e do Pedrógão, onde tem o seu negócio.
Regressar ao Brasil não está nos seus planos, “principalmente depois da mudança” polític a ditada pelas últimas eleições, que deram a vitória a Lula da Silva e que reforçaram a decisão de trazer para Portugal o filho mais velho, que irá completar 18 anos.
“Há agora muita garotagem”
A residir no Pedrógão desde Maio, Júlio César, de 40 anos, também se confessa “realizado” em Portugal. Conta que trabalha numa fábrica em Monte Redondo e que fixou residência na praia por influência de um amigo.
“É um sítio bem calmo e, como tenho carro próprio, a deslocação casa-trabalho é fácil”. Para quem não tem transporte próprio, “torna-se mais complicado conciliar os horários dos autocarros e do emprego”, nota Westerly Mini, que sofre na pele essa dificuldade. Isto, apesar de ter havido algumas melhorias nos transportes públicos para servir as crianças que passaram a residir na praia do Pedrógão.
“Serão u ma s 40. Já justificava reabrir a escola”, defende Moisés Lima. “Há agora muita garotagem”, confirma Camilo Pedrosa, nascido no Pedrógão e a ainda emigrante em França, onde vive há 58 anos. “Estou à espera de vender um apartamento e resolver outras questões pendentes para v i r de todo”, conta, reconhecendo que esta “vaga” de novos residentes está a “dar mais vida” à praia. O mesmo diz Maria do Carmo, proprietária de uma das três mercearias do Pedrógão, que nota “mais movimento” no negócio. “Aqui é mais fácil arranjar casa. Há muitas vazias”, refere a comerciante, que tem negócio aberto na praia “há 32 anos”.