Evgeniy Onyshchenko, Fernanda Correia e Nargiza Akhrorova são exemplos de imigrantes de sucesso, que abriram negócios, criaram postos de trabalho e contribuem para o desenvolvimento económico da região de Leiria.
Com a sua ajuda, Portugal é o quarto país da União Europeia onde existem mais estrangeiros extracomunitários empreendedores, de acordo com o relatório do Observatório das Migrações, do ano passado. Em 2021, havia 37.878 empregadores estrangeiros, 26,2% dos quais brasileiros.
Fernanda Correia, 49 anos, mora em Leiria há seis anos, onde abriu um franchising da House Shine, serviço de limpezas, em 2022, na Gândara dos Olivais, depois de ter trabalhado noutras empresas. De então para cá, já teve de reforçar a equipa de duas para nove pessoas.
Oito são de nacionalidade brasileira e uma é portuguesa. Não por privilegiar compatriotas, mas porque foram as que responderam aos anúncios de emprego. “Só senti discriminação uma vez de uma cliente em relação a um trabalho. Queria portuguesas. Respondi: qual a importância da nacionalidade? São todas profissionais”, conta Fernanda Correia.
Mas não a conseguiu demover. Além desse episódio, sempre se sentiu bem acolhida. “É claro que há pessoas que não são simpáticas, mas são educadas”, observa.
A adaptação ao clima foi a parte pior. Apesar de o marido ter família no Norte, escolheram Leiria, através da internet, para viver com os dois filhos, de 19 e de 23 anos, por se localizar no centro, ter ensino superior, shopping, “comércio muito bom”, e estar próxima de Lisboa e do Porto.
Contudo, sente falta do calor do Brasil, onde teve um restaurante 20 anos na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, aberto todo o ano. “Era uma escravidão.”
Sequestrados e assaltados
Regressar não está nos planos da brasileira. “Para ficar dentro de casa? Não”, afirma. “Morávamos num condomínio, com ginásio, cinema, piscina e supermercado, porque vivíamos sempre com medo de ser assaltados na rua”, explica. Mas isso não evitou que fosse sequestrada com o marido, quando ainda eram solteiros, e lhes tivessem levantado todo o dinheiro que conseguiram no multibanco. Ou que lhe roubassem o carro quando estava grávida e, duas semanas antes de virem para Portugal, o telemóvel.
“Isso não é vida. Trabalhamos para conquistar as coisas e vem uma pessoa do nada e diz: ‘me dá, que agora é meu’”, lamenta Fernanda Correia.
Em Leiria, encontrou uma realidade completamente diferente. “Foi a primeira vez que o meu filho foi para a escola de portátil e de fones”, garante. “E que eu fiquei em paz, quando foi à Festa Amarela, e chegou às 4 horas”, acrescenta. “Aqui, andar com o telemóvel e poder tirar uma foto é uma coisa normal, mas para a gente não era”, justifica. “Sou leiriense de coração. Amo essa cidade.”
Encantada com a tranquilidade e com a comida, quer trazer a mãe, de 75 anos, para Leiria, para lhe proporcionar mais qualidade de vida.
Vontade de Deus
Crentes em deuses diferentes, Fernanda Correia e Nargiza Akhrorova, 38 anos, têm em comum o facto de acreditarem que a vida lhes tem corrido bem por Sua vontade. Muçulmana, a proprietária do centro de estética Pérola Oriental reconhece, no entanto, que a mãe teve um papel fundamental na sua mudança de vida, ao oferecer-lhe como presente de casamento a lua-de-mel em Portugal, para onde a progenitora veio viver em 2002, e trabalhou como cabeleireira. “Eu e o meu marido viemos, gostámos e ficámos.”
No Uzbesquistão, Nargiza Akhrorova era bancária. A mãe era professora e cabeleireira em part-time. Passados 17 anos a viver em Portugal, a esteticista diz que o mais difícil foi aprender português. “Quando não se sabe a língua, acha-se tudo estranho”, explica. “As pessoas eram simpáticas, falavam comigo e sorriam, mas eu achava que estavam a gozar comigo por falar mal”, confessa.
“Quando não se entende o que nos dizem, é muito difícil. Assim que comecei a perceber, adaptei-me bem.” O primeiro trabalho de Nargiza Akhrorova em Portugal foi a distribuir panfletos publicitários, durante quatro meses, o que lhe permitiu conhecer melhor Leiria, Coimbra e Aveiro.
Apesar de ter sido uma “experiência muito boa”, diz que era “muito cansativo”. Depois, trabalhou na cozinha de um restaurante e num salão de estética, onde os horários não lhe permitiam dar apoio ao filho, que tinha então 1 ano. Decidiu, por isso, criar o seu próprio negócio, em 2011, onde hoje trabalham mais três esteticistas do Uzbequistão.
Este ano, Nargiza Akhrorova voltou ao país de origem, onde já não ia desde 2015, para ir ao casamento de um irmão. E aproveitou para tirar um curso de massagem terapêutica, para disponibilizar esse serviço no Pérola Oriental, pelo que vai criar mais dois gabinetes na loja do Centro Comercial D. Dinis. “O meu objectivo é ajudar as minhas clientes, pois sinto que precisam”, garante.
Com dupla nacionalidade, considera Leiria a sua segunda casa, onde vive com o marido, que estava no último ano de Medicina no Uzbequistão, e trabalha numa fábrica, e com os filhos de 15, 10 e 5 anos.
“Sinto-me muito bem aqui”, garante a esteticista. “Gosto do clima, da comida saudável, do mar e da simpatia das pessoas”, refere. Apesar disso, só há seis anos ganhou coragem para começar a cobrir o cabelo com um lenço (hijab). “O Alcorão manda as mulheres andarem mais cobertas”, explica. “Como, ao início, ninguém usava, tinha receio que as pessoas não entendessem”, confessa.
A única reacção que suscitou foi de curiosidade, já que lhe perguntavam se tinha algum problema de saúde, por ter o cabelo tapado. Depois disso, diz que muitas amigas também começaram a usar lenço. “Sinto-me mais perto de Deus”, assegura. “Mas respeito todas as religiões.”
Dois restaurantes
Evgeniy Onyshchenko, 37 anos, não é, por certo, um estranho para quem é apreciador de sushi. Proprietário do Restaurante Yevgen Sushi, na Nova Leiria, arriscou abrir o seu próprio espaço, há nove anos, onde trabalham 15 pessoas de diferentes nacionalidades: ucranianos, portugueses, brasileiros e venezuelanos. “Sempre tive o sonho de abrir um restaurante. Inicialmente, não foi fácil construir uma equipa, mas as coisas sempre correram bem”, assegura. “Todos se respeitam uns aos outros.”
Em Junho, abriu um segundo restaurante, o Yummi Ramen Leiria, também de comida japonesa, no centro histórico. Natural da Ucrânia, Evgeniy Onyshchenko também conheceu Portugal através da mãe, que veio morar para Portugal “há muito tempo”, e com quem veio passar férias quando tinha 18 anos.
Passados seis meses de ter voltado para Mariupol, mudou-se para Portugal, onde mora desde então. Primeiro em Alverca, depois em Lisboa. O curso da Escola de Cozinheiros, na Ucrânia, onde aprendeu cozinha japonesa e francesa, abriu-lhe as portas no mundo da restauração nipónica.
Três a quatro anos depois, o restaurante de sushi onde trabalhava em Lisboa abriu um franchising em Leiria, onde esteve a dar formação, e foi convidado a ficar. Quando o espaço fechou, decidiu estabelecer-se por conta própria.
“Aqui, as coisas são mais simples, porque todos têm oportunidades iguais. Qualquer pessoa pode abrir o seu próprio negócio”, afirma o ucraniano. Apesar da dificuldade inicial em falar português, o clima, que ao início achou demasiado quente, e a simpatia das pessoas foram decisivos para ficar. “Quando abri o restaurante, houve pessoas que acreditaram no projecto e me ajudaram bastante”, recorda Evgeniy Onyshchenko.
“Entregaram-me produtos e só paguei depois”, exemplifica. “Nunca fui discriminado por ser ucraniano”, garante. “Há pessoas que têm dias menos bons, e que podem responder de uma forma menos simpática, o que pode ser confundido com racismo. Mas nunca tive problemas”, assegura. “Não ficámos fechados na comunidade ucraniana. Até falamos mais com portugueses do que com ucranianos, por causa do restaurante.”
Além de se tentar distinguir pela qualidade, confecção e apresentação, o proprietário do Yevgev Sushi Leiria garante que tentam sempre evoluir, através da criação de peças e de técnicas diferentes. “Não podemos ficar na nossa zona de conforto”, observa. Além disso, dá dois dias seguidos de folga aos empregados.
“Na restauração, as pessoas trabalham de manhã à noite. Não há fins-de-semana, nem feriados, e acaba por não se ter uma vida normal”, reconhece. “Vi-as a desmotivar, decidi dar-lhes tempo livre, e resultou.”
Casado com uma ucraniana, que conheceu em Portugal, Evgeniy Onyshchenko tem uma filha com 8 anos e um filho com um ano e meio.