Não é um sector propriamente fácil de penetrar e é também um domínio exigente em termos técnicos e de investimento. Contudo, existem já algumas empresas do distrito de Leiria que começam a posicionar-se no sector da aeronáutica. Desenvolvem drones, fabricam moldes, fornecem sistemas de segurança contra incêndios e concebem arrojados protótipos para aviões do futuro.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística, em 2021 existiam em Portugal 41 fabricantes de aeronaves, de veículos espaciais e equipamentos relacionados, que geraram quase 138 milhões de euros, ou seja, mais 14 empresas do que cinco anos antes.
No distrito de Leiria, embora os dados do INE apontem, até 2021, para uma actividade incipiente nesta matéria, mais recentemente têm vindo a público projectos consideráveis, desta natureza, desenvolvidos por entidades da região. Um dos mais mediáticos pertence à Tekever, com instalações em Caldas da Rainha, que se prepara para fabricar um dos maiores aviões não [LER_MAIS]tripulados do mundo.
Ao Expresso, Ricardo Mendes, presidente executivo da Tekever, líder europeia na área da vigilância marítima, anunciou que os próximos anos da empresa serão de forte crescimento. Primeiro, iniciará o fabrico do AXR, um dos maiores drones do mundo (uma evolução do actual AR5), a lançar no mercado em 2025. Será totalmente desenvolvido e fabricado em Portugal, financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência, um projecto integrado das agendas mobilizadoras Aero.Next e Aerospace. Um ano depois será a vez dos micro-satélites.
Ricardo Mendes também salientou que as empresas deste género, “que trabalham no desenvolvimento de tecnologia, têm de investir muito antes de vender”. Dado o esforço financeiro, são importantes fundos capazes de dar suporte ao desenvolvimento e à investigação.
Forte aposta em know how
O Centro Tecnológico da Indústria de Moldes, Ferramentas Especiais e Plásticos (Marinha Grande) opera no sector desde 1996. “Somos certificados para desenvolvimento e fornecimento de peças para a aeronáutica, para a OGMA”, nota Rui Tocha. “E temos apoiado empresas na implementação das normas necessárias para trabalhar nesta área. São mais de dez as empresas que têm trabalhado connosco, que fizeram investimentos, que integraram engenheiros aeronáuticos, que têm tentado posicionar-se neste sector, que é fechado, mas que ainda não conseguiram consolidar-se como fornecedores da Embraer”, nota o director-geral do Centimfe.
Trabalhar nesse sentido é importante, porque se trata de uma indústria “muito avançada”. Ajudaria “na diversificação, reduzindo a dependência do automóvel”, observa. Outra entidade do concelho que tem investido [LER_MAIS]neste sector é o grupo Vangest. Em 2006, inaugurou a unidade de produção da Distrim 2, para se dedicar à manufactura de peças para a aeronáutica, investimento que, numa primeira fase, foi de 3,2 milhões de euros.
A UE Pro (Alcobaça) comercializa moldes de injecção, que fornece a clientes de vários sectores de actividade. Para o efeito, trabalha com recurso à subcontratação de fabricantes de moldes da região, um conjunto alargado de pequenas e médias empresas com as quais mantém parcerias. Evitar a dependência do sector automóvel, cujas flutuações da actividade tantas vezes travam as indústrias de moldes e plásticos, tem sido, desde sempre, uma das estratégias da UE Pro, nota o responsável, Idálio Silva.
Portanto, além da indústria médica e de embalagem, a empresa tem apostado desde há muito no ramo da aeronáutica. Em 2012, começou a dar passos, através de um cliente do Reino Unido. E nunca mais parou. Os anos podem ser muito variáveis, mas, em média, a aeronáutica pesa cerca de 20% no negócio da UE Pro. Têm produzido moldes para tubagem das asas dos aviões, cuja injecção plástica é feita pelo cliente do Reino Unido, que, por sua vez, trabalha com a Bombardier, a Airbus e a Boeing.
Operar neste sector exige competências e materiais distintos, observa Idálio Silva. Talvez pela exigência subjacente, torna-se um mercado muito fechado, onde geralmente as empresas se mostram reticentes a procurar novos fornecedores, nota o responsável pela UE Pro.
Guilherme Santos, gerente do Grupo Normolde, da Marinha Grande, tem a mesma opinião. Há cerca de oito anos, através da UE Pro, fabricou cerca de 40 moldes para este sector, mas esse pico de encomendas não se repetiu. No seu caso, reconhece, seria necessário reforçar a aposta na prospecção de mercado externo, já que o grupo produz essencialmente para clientes nacionais (80%).
Ricardo Mendes é CEO da Tekiberia, de Pombal, que se dedica à instalação de sistemas contra incêndios, e que tem trabalhado directamente com a Airbus. A empresa equipa instalações em Portugal, onde são fabricados componentes para a aeronáutica, que depois são montados na fábrica francesa de Toulouse. Reconhece que não é um universo fácil de penetrar.
No seu caso, foi um tiro de sorte e de mérito, já que foram recomendados à fabricante por uma companhia de seguros, que conhecia de perto o currículo construído pela Tekiberia desde 2008. “É um sector exigente e é um circuito fechado, onde é comum os fabricantes recorreram aos fornecedores habituais. Privilegia-se o compromisso e a fidelidade”, nota o responsável pela Tekiberia.
“Se formos certificados, se honrarmos os compromissos e se tivermos um passado onde tudo correu bem, dificilmente procuram outro fornecedor”, salienta. Se, por um lado, “são exigentes” com prazos e qualidade, por outro, “é compensatório ao nível de condições financeiras e de trabalho no local”, explica o CEO.
Joaquim Menezes, presidente da Iberomoldes, da Marinha Grande, recorda que o grupo se estreou na aeronáutica em 1989, com o projecto de um helicóptero para a Westland. Ao longo do tempo, em consórcio, o grupo tem continuado a conceber protótipos para a área da aeronáutica, como o projecto Life, de desenvolvimento do interior de uma aeronave executiva, feito de materiais mais leves e mais eco-eficientes, da qual resultou uma maqueta à escala real. Ou a Flexcraft, uma aeronave multiusos do futuro.
“É um sector onde se aprende muito, sobre coisas que podemos utilizar para evoluir na área dos moldes, mas não é um sector onde, pelo menos para nós, se venda muito. Ainda que continuemos a fazê-lo na área dos protótipos”, salienta.
Quanto à possibilidade da aeronáutica poder reduzir a dependência do sector automóvel, Joaquim Menezes entende que não é uma hipótese, pelo menos no caso do seu grupo. “Mesmo com as dificuldades que existem, o sector automóvel é o maior consumidor de moldes do mundo.”
Resultado do interesse das empresas em potenciar esta área, os centros de saber têm ajustado a sua oferta formativa. O Isdom, da Marinha Grande, iniciou no ano passado um curso CTeSP de Gestão da Produção Aeronáutica.