O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós, Paulo Carreira, admite a possibilidade de reduzir o número de trabalhadores, na sequência do aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) de 760 para 820 euros ilíquidos, que entrou agora em vigor. O JORNAL DE LEIRIA ouviu mais três instituições de acolhimento de idosos da região que também se manifestam apreensivas com o aumento dos custos com salários, mas afastam a ideia de despedir colaboradores.
“Poderemos ter necessidade de dispensar alguns trabalhadores e de cortar noutras rubricas de gastos, o que pode interferir na qualidade do serviço”, assume o provedor. Dos 117 colaboradores da Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós, garante que 60% são abrangidos pelo aumento directo do salário mínimo. “Só estes representam um valor avultado, mas não podemos deixar de ter em atenção as restantes pessoas, cujos salários também serão actualizados”, assegura.
Com cerca de 120 utentes na Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), no centro de dia e nos cuidados ao domicílio, a Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós tem ainda creche e jardim de infância. Só o encargo mensal com ordenados é de 100 mil euros. Contudo, Paulo Carreira garante que não vai reflectir o aumento do SMN nos utentes e nos familiares, pois as mensalidades não podem ultrapassar determinados “valores máximos”.
Quanto aos apoios concedidos pela Segurança Social para minimizar este impacto, prefere não criar muitas expectativas. “O Estado nem sempre actualiza na mesma ordem de razão”, justifica Paulo Carreira. “Além disso, não nos podemos esquecer da inflação. Como a do ano passado não foi compensada, prevejo que a situação se agrave”, lamenta. “Temos de contar connosco e com a nossa gestão.”
Instituições em risco
Liliana Prior, presidente da direcção da Associação Social, Cultural e Desportiva de Casal Galego, na Marinha Grande, não esconde a sua preocupação com o aumento de 60 euros do SMN, que farão reflectir nos vencimentos de todos os 21 colaboradores do centro de dia e técnicos do serviço de apoio domiciliário. “Cada vez está a ser mais complicado manter as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) abertas”, confessa. “A maior parte dos nossos utentes tem reformas muito baixas, à volta dos 300 euros”, justifica.
“Já abordámos este assunto na direcção. É complicado para nós, porque as reformas não sobem da mesma forma”, comenta Liliana Prior. “Temos de nos guiar pela CNIS [Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade]. O patamar vai subindo ao longo dos anos, mas não podemos levar mais dinheiro às pessoas, porque não têm capacidade de pagar”, refere. Defensora do aumento da comparticipação por utente por parte da Segurança Social, diz que o valor que lhes é atribuído “nunca é suficiente”. “Ou a Segurança Social começa a aumentar o acordo de cooperação, ou muitas instituições terão de fechar, porque não conseguem fazer face às despesas”, alerta.
No caso concreto da Associação Social, Cultural e Desportiva de Casal Galego, a presidente da direcção garante que estão a ter prejuízo, pois têm capacidade para dar apoio domiciliário a 56 utentes, mas a Segurança Social não comparticipa 14. “Todos os anos, sempre que se revêem os acordos de cooperação, falamos nisso, mas não adianta”, lamenta. “No centro de dia, temos capacidade para dez, e a Segurança Social apoia oito. No centro de convívio, que funciona só de tarde, temos capacidade para 20 e apoio para dez.”
Liliana Prior manifesta ainda desagrado por o actual executivo autárquico não conceder qualquer apoio à associação para a área social dos idosos, por considerar que seria “duplo financiamento”, enquanto o anterior executivo os apoiava com 20 mil euros por ano. “Estamos a pedir ajuda apenas para 14 utentes que a Segurança Social não apoia”, esclarece. Desde que os órgãos sociais da Associação Social, Cultural e Desportiva de Casal Galego tomaram posse, em “plena pandemia”, em 2021, a presidente da direcção garante que as dificuldades se têm sucedido.
Embora não tenham despedido ninguém nesse ano, Liliana Prior recorda que tiveram de recorrer ao lay-off e manter apenas metade da equipa a funcionar. “Mesmo assim foi muito complicado, porque as que ficaram tinham de trabalhar mais horas, o que representava um custo mais elevado”, recorda. Desde então, na tentativa de aumentar as receitas prestam serviços ao fim-de-semana, que são cobrados à parte da mensalidade, e promovem actividades e eventos para realizar dinheiro, de que é exemplo a recente participação na FAG – Feira de Artesanato e Gastronomia da Marinha Grande, que decorreu de 30 de Novembro a 10 de Dezembro. “Mas começa a não ser suficiente”, admite.
Dois anos de prejuízo
Lúcio Roda, presidente da direcção do Centro Social e Paroquial dos Pousos, em Leiria, instituição com as valências de centro sénior, academia sénior e centro infantil, assegura que não vão dispensar nenhum dos 90 colaboradores, apesar de representarem 70% dos custos totais. “Queremos manter os níveis de qualidade prestados”, afirma. No entanto, entendeu que devia partilhar o impacto do aumento do SMN em 7,89% com os familiares dos utentes. “Reagiram com alguma surpresa por estarmos a partilhar abertamente as dificuldades por que estamos a passar”, conta. Mas valeu a pena.
“Conjuntamente com as famílias, vamos rever as mensalidades em todas as respostas, mas também queremos que o Estado assuma uma comparticipação maior”, sublinha Lúcio Roda. “O SMN cresceu cerca de 50% nos últimos cinco anos e o Estado não acompanha este ritmo de crescimento”, denuncia. “Temos feito um ajuste de mensalidade mínimo, mas isto está a tornar-se insustentável”, assegura. “Os encargos de remunerações também crescem e isso tem repercussões ainda nos seguros de acidentes de trabalho.”
O presidente do Centro Social e Paroquial dos Pousos revela que o compromisso estabelecido com as famílias foi ajustar o valor a três anos, para acompanhar o custo real. “A inflação do sector social é superior à inflação média”, sublinha. “Não abdicamos de ter os espaços aquecidos e só o gás aumentou mais de 200%, na sequência da guerra [Rússia-Ucrânia]”, assegura. “Antes tínhamos superavit e íamos reinvestindo. No ano passado, as contas deram prejuízo e este ano a projecção também aponta para prejuízo”, revela. “Algumas famílias têm-nos procurado, mas acabam por não contratualizar connosco, invocando que não tinham capacidade de suportar a mensalidade”, lamenta. As únicas receitas da instituição decorrem da consignação do IRS.
Famílias sobrecarregadas
Isabel Vaz Serra, presidente do Conselho de Administração da Fundação Dr. Lourenço Júnior, em Pombal, confirma que “o aumento do SMN tem sempre um impacto muito forte”, até porque também aproveitam para actualizar os salários médios e só os recursos humanos representam 60 a 65% do orçamento da instituição. “Para cobrir estes encargos, temos de aumentar a receita, com as mensalidades dos utentes e com acordos de cooperação. É inevitável”, sublinha. No caso dos utentes com pensões mais baixas, as famílias são chamadas a comparticipar o valor da mensalidade, apesar de admitir que, muitas vezes, não podem, pois também estão sobrecarregadas com despesas.
Favorável à actualização do SMN, que lamenta não acompanhar a “escalada de preços”, Isabel Vaz Serra não esconde, porém, que, como as IPSS estão sempre condicionadas nas receitas que podem obter, “a gestão torna-se muito complicada, por muito esforço que se faça”. Com uma ERPI com capacidade para 37 idosos, mais 12 a 15 no centro de dia e a prestação de apoio domiciliário a cerca de 30 pessoas, a Fundação Dr. Lourenço Júnior quer manter a equipa multidisciplinar base, que caracteriza como um “quadro muito estável, equilibrado, com formação e metodologia, nas áreas de bem cuidar”.
“A nossa preocupação é comum a todas as instituições”, assegura Isabel Vaz Serra. “Fazemos parte da CNIS [Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade], que, recentemente, assinou um protocolo de cooperação com o Estado para o próximo ano, com algum apoio extra, que poderá minimizar alguns impactos, com reforço de verbas”, acredita. “Temos de ir fazendo uma gestão cuidada, em função da variação dos preços. Temos de aprender a gerir indefinições e obstáculos e antecipar alguma situação”, defende, em alusão às consequências da pandemia de Covid 19 e da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Obrigação legal: Plano individual cuida com humanitude
“O plano individual cuida com humanitude, ao colocarmo-nos no lugar do outro”, assegura Patrícia Gomes, directora técnica da Associação Social, Cultural e Desportiva de Casal Galego. Assente nos princípios da “dignidade, no respeito pelo outro e em quem era antes”, este instrumento destina-se a conhecer as especificidades de cada utente, para melhor adequar os serviços às suas necessidades. No entanto, critica o facto de terem de analisar todos os meses, ou de três em três meses, os planos individuais dos 96 utentes. “A legislação obriga a tudo, mas não podem ser muito detalhados, se não alguma coisa fica para trás”, avisa.
Patrícia Gomes alerta ainda os familiares para a necessidade de tomarem decisões com mais antecedência. “Tem sido um flagelo. Queremos promover a autonomia das pessoas na sua habitação, mas as pessoas já vêm condicionadas do ponto de vista da locomoção e da demência”, lamenta. “Quando nos procuram, já não é a resposta adequada ao doente. A ideia é que as pessoas sejam autónomas, possam ir passear e fazer actividades lúdicas”, explica. “Normalmente, vêm muito paradinhas e depois acabam por desenvolver outras competências, devido aos estímulos intelectuais”, garante a directora técnica. “Mas também há as que rejeitam. Nalguns casos resulta, noutros não.” Antes, é aplicado um questionário para perceber qual o gosto e interesse das pessoas.
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“Gerir uma IPSS é um acto incrível”
Que impacto vai ter o aumento do salário mínimo nas instituições?
Brutal. A esses 60 euros vai ter de se somar a TSU [Taxa Social Única], os seguros e multiplicar os salários por 14 meses. Como somos financiados só em 12 meses, isto dá um impacto por trabalhador de mais 86 euros. Não está em causa a justiça do aumento do salário mínimo, mas o impacto que isto tem nas contas das instituições. Se se sobe o salário mínimo, tem de se subir toda a tabela salarial.
Como correram as negociações com o Governo?
Conseguimos um aumento da comparticipação de 12% por utente para os lares e estruturas residenciais. Nos centros de dia e serviços de apoio domiciliário, o aumento é de apenas 7,3%, pelo que não chega para acompanhar o salário mínimo. Vamos fazer uma avaliação no final de Fevereiro, porque não sabemos como se vai comportar a inflação. Francamente, acho 2.1% muito benevolente. Combinámos com o Governo que o Estado pagava 50% das respostas da cooperação. Estamos a 38% nos lares. O Estado não está a cumprir. Hoje, gerir uma IPSS é um acto incrível.
É possível repercutir esse aumento sobre os utentes?
Não. As reformas aumentaram 6,2% e podemos ir buscar até 90%. Esses 20 euros por mês, mesmo assim, não chegam. Se a mensalidade andar pelos 1400 euros, o Estado devia pagar 700, mas está nos 529 e agora com estes 12% vai para os 580. Por outro lado, é muito difícil pedir dinheiro às famílias.