Os dados apresentados no relatório anual de avaliação da actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens do País em 2019, mostram um aumento significativo, tanto do número de comunicações como no de crianças acompanhadas.
A conclusão é da presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, Rosário Farmhouse.
O documento revela que no distrito de Leiria se registou um volume processual global de 2568 casos, registando-se uma média mensal de processos activos de 1214.
É na capital de distrito que se verifica o maior número de acompanhamento de famílias e crianças.Leiria trabalhou 674 processos de menores durante 2019.
De acordo com o relatório enviado à Assembleia Municipal, destes números 330 são novos casos, 13 recebidos de outras CPCJ, 89 reabertos, 35 arquivados em fase preliminar, 339 arquivados em fase pós preliminar e 13 enviados a outras CPCJ. O total de processos activos no ano de 2019 foi de 287 processos.
[LER_MAIS]Este número continua a pôr a CPCJ de Leiria “como a de maior movimentação de processos a nível distrital”, refere o relatório.
A exposição a comportamentos que possam comprometer o bem-estar e desenvolvimento da criança: (violência doméstica), as situações de perigo em que esteja em causa o direito à educação (absentismo), a exposição a comportamentos que afecta o seu bem-estar e desenvolvimento, sem que os pais se oponham de forma adequada, estão no topo das sinalizações.
As autoridades policiais e os estabelecimentos de ensino surgem como as principais entidades que sinalizam as situações.
Isabel Confraria, procuradora do juízo de Família e Menores de Leiria, alerta para o papel que a comunidade deve ter a sinalizar situações de perigo para as crianças, nomeadamente, vizinhos, amigos e familiares. “Devem dar o maior número de informação para habilitarem as CPCJ a uma intervenção mais célere, adequada e eficaz.”
As principais medidas aplicadas são a de apoio junto dos pais, respeitando-se a prevalência dada às famílias na promoção dos direitos das crianças e jovens e as medidas que integram as crianças e jovens na sua família biológica ou adoptiva. “A medida de retirada de uma criança a um agregado é a mais grave e só a aplicamos quando todas as outras falham”, sublinha Isabel Confraria.
A procuradora precisa que a primeira é sempre o apoio junto dos pais, seguindo- se depois a entrega a familiares ou a pessoa de confiança e idónea. Só depois aparece o acolhimento residencial.
O acolhimento numa instituição pode também ser provisório e por pouco tempo. “Por vezes, é porque a situação do agregado familiar ainda não está suficientemente caracterizada, mas a criança está num perigo tão grande que não pode estar à espera. Cautelarmente protegêmo-la.”
As CPCJ só podem actuar com consentimento dos pais ou da pessoa que tenha a guarda da criança. Se o jovem tiver 12 ou mais anos também tem de dar a sua não oposição à intervenção.
“Basta não ter um consentimento ou a oposição da criança e somos obrigados a remeter o processo ao Ministério Público”, adianta Noémia Narciso, presidente da CPCJ de Leiria.
“Quando há uma sinalização, começámos por fazer a avaliação da situação para aplicar uma medida de promoção e protecção. Se não houver indícios de perigo o caso é arquivado”, acrescenta esta responsável.
Também nos casos de crimes sexuais intra-familiares, quando quem tem de prestar consentimento para a intervenção é o maltratante ou abusador, o caso é imediatamente remetido para o Ministério Público.
“Quando o processo chega ao tribunal, se o MP conclui que existem factos suficientes para caracterizar a situação de perigo daquela criança, judicializamos o processo. Ou seja, fazemos um requerimento em forma de petição, em que identificamos qual a situação de perigo”, revela Isabel Confraria.
A procuradora reforça que “se criança está numa situação de perigo tão grave exige a aplicação de uma medida cautelar, mesmo sem consentimento dos pais”.
Nem sempre os processos chegam ao juízo de Família e Menores com a informação suficiente para garantir que se trata de uma situação de perigo. Por exemplo, numa denúncia de violência doméstica às forças policiais, o caso é sempre comunicado à CPCJ. Mas, o crime por si só “não dá informação suficiente sobre a dinâmica do agregado familiar nem até que ponto a criança está exposta ao perigo”.
“Quando há carência de dados para judicializar o processo pedimos à Segurança Social que avalie e averigue a situação daquela criança e nos indique quais são os factores de perigo e de protecção”, avança Isabel Confraria, salientando que “os factores de perigo podem não ser suficientes para levar à judicalização do processo”.
“Imagine-se que a criança até foi sujeita ao conflito e com consequência negativas, mas entretanto a mãe saiu de casa. Já não há fundamento.” Quando há um incumprimento reiterado dos acordos de promoção e protecção estabelecidos pelas CPCJ, os processos seguem também para o juízo de Família e Menores. Também aqui o problema pode estar no tipo de intervenção. “Por vezes, concluímos que deveria ser realizado um novo acordo ou uma intervenção diferente junto da família.”
Isabel Confraria e Noémia Narciso revelam que em mais de 90% dos casos os pais aceitam a intervenção e aderem aos acordos realizados. A maior parte das medidas são aplicadas em meio natural de vida, ou seja junto dos pais ou de outro familiar ou de pessoa idónea. A institucionalização “é sempre o último recurso”, garantem as duas responsáveis. Uma criança ou jovem só é indicado para adopção quando tudo falhou.
“Quando os pais comprometem de uma forma irremediável os direitos das criança e quando não há outras alternativas capazes e suficientemente fortes e capazes de se constituírem para o projecto de vida daquela criança, que é ter uma família, temos de partir para esta solução”, constata Isabel Confraria.
Todas as outras medidas são aplicadas no pressuposto de que os pais têm capacidade para que a criança volte a reintegrar o seu agregado. Há sempre um prazo estabelecido a pensar no “superior interesse da criança”.
Nestes casos, se a criança estiver entregue a um familiar que mostra interesse em ficar com a criança é instaurado um processo tutelar cível, no qual o tribunal confia a criança a terceira pessoa.
“Transferimos as responsabilidades parentais, que eram dos pais, para esta pessoa, que foi a cuidadora dela numa situação de perigo. A criança pode, assim, não ir para a adopção porque há aqueles laços com o cuidador.”
E se os pais se reorganizarem passados cinco ou seis anos e quiserem o filho de volta, quando este já criou laços com aquela família? “Defendemos sempre primeiro o superior interesse da criança. Se a qualidade de vínculo que foi estabelecida foi forte para a criança, só pelo facto dos pais quererem, ainda que se tivessem restabelecido, não dá lugar a essa alteração”, afirma Isabel Confraria.
No caso mediático de Valentina, a menina que terá sido morta pelo pai com a conivência da madrasta, foi revelado que a criança já tinha fugido de casa do pai e que a CPCJ, depois de analisar o caso, arquivou o processo. O que se passou, desconhece-se, para já. É possível uma interpretação menos correcta dos factos? Sem referir-se a casos concretos, Isabel Confraria denuncia que as sinalizações às CPCJ são de tal forma numerosas, que, por vezes, “é difícil haver uma intervenção profunda em todas as situações”.
“Às vezes, a sinalização são duas linhas e pode ser um caso gravíssimo e nem sempre há disponibilidade dos meios necessários.” “O trabalho que é feito no tribunal não é leviano e a avaliação da Segurança Social não é pela rama. Agora perante todas as sinalizações que existem nem todas podem ter o mesmo tratamento, até porque existe carência de meios humanos e técnicos. Mas há um esforço nítido para haver uma resposta adequada às situações”.