Desenvolver um curativo para promover a regeneração da pele, através da técnica electrospinning, criar um dispositivo que monitorize os parâmetros básicos dos utentes que entram no serviço de urgência do hospital de Leiria ou utilizar algas invasoras para substituir as películas plásticas são projectos científicos desenvolvidos por três investigadores da região.
Hoje, dia 24 de Novembro, celebra-se o Dia Mundial da Ciência. O JORNAL DE LEIRIA falou com três jovens investigadores da região, que está bem servida de homens e mulheres de excelência na área da ciência. A escolha não foi fácil. Alguns trabalham na região, outros por Portugal e ainda há os cientistas que se encontram a desenvolver trabalho de topo pelo mundo.
Juliana Dias, Marco Lemos e Sandra Neves são três exemplos de sucesso e trabalham para colocar a investigação ao serviço da comunidade. A famosa expressão ‘eureka’, celebrizada por Arquimedes, concorre com os “pulinhos” de alegria que Juliana Dias, investigadora do Centro para o Desenvolvimento Rápido e Sustentado de Produto (CDRSP) do Politécnico de Leiria, assume que dá quando vê uma das suas experiências resultarem. E cada conquista demora, por vezes, meses a ser alcançada.
Persistência é uma das características que tem de ter um investigador, já que 80 a 90% do trabalho desenvolvido é muitas vezes deitado ao lixo, assume Juliana Dias, que se dedica à engenharia de tecidos e medicina regenerativa. “Num ensaio de 3 a 5 réplicas de uma amostra repetimos o mesmo no mínimo 3 vezes. Se fazemos duas vezes bem e à terceira não dá, já não validamos. Voltamos a fazer e não dá… A persistência é a palavra-chave na investigação. Quando alcançamos algo ficamos muito felizes”, afirma a investigadora de 35 anos, natural de Leiria.
Regenerar pele
Juliana Dias utiliza campos electromagnéticos para fazer nanofibras, que construirá uma rede nanofibrilar e que irá mimetizar a pele, que poderá vir a ser utilizada, por exemplo, na regeneração dos tecidos em pessoas com queimaduras. Uma das vantagens desta técnica, aponta, é o baixo custo, o que poderá permitir que possa chegar ao mercado e ser depois utilizada em hospitais. Juliana Dias acrescenta que esta espécie de película permite ainda incorporar “biomoléculas ou fármacos”. Segundo a investigadora, em queimaduras extensas ou de terceiro grau, a pele não consegue regenerar sozinha.
“É nestes casos que temos de auxiliar a pele, seja em feridas profundas ou em grandes áreas, mesmo superficiais. O que se faz habitualmente são excertos. O nosso objectivo em laboratório é tentar desenvolver estruturas que promovam o máximo de semelhança ao tecido regenerado naturalmente. A vantagem desta técnica é que permite fazer grandes extensões de curativos, que não precisam de ser trocados com regularidade”, revela.
O desafio deste projecto é que também possa ser utilizado no tratamento do pé diabético, através do desenvolvimento de “estruturas que consigam não só preencher a ferida para evitar e combater as bactérias, mas ter capacidade de promover a formação de novos vasos sanguíneos”.
O electrospinning também permite desenvolver malhas fibrilares, que podem ser semelhantes ao tecido não tecido (TNT), que se usa nas máscaras e nos materiais de protecção. “ Um dos nossos objectivos durante a Covid era fazer máscaras que filtrassem o ar e tivessem capacidade de matar o vírus”, conta. Outro dos projectos onde as nanofibras estão a ser testadas é na radioterapia para o tumor do estômago.
O CDRSP em parceria com o Instituto Português de Oncologia do Porto e com o I3S – UP (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto), está a desenvolver estruturas nanofilamentares contendo nanopartículas que serão fixadas no tumor através de endoscopia e, desta forma, irão actuar localmente no tumor ajudando a matar as células cancerígenas.
Algas invasoras para embalar
Premiado esta semana pelo concurso de tecnologia do Knowledge Circle e já com patente europeia atribuída, o projecto europeu AMALIA (Algaeto-MArket Lab IdeAs), liderado pelo Politécnico de Leiria, num consórcio de diversas empresas e instituições de ensino superior europeias visa utilizar algas invasoras para substituir o plástico.
Marco Lemos, investigador no Centro de Ciências do Mar e Ambiente da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, adianta que a abundância destas algas “tem graves impactos no ambiente marinho”. Recolhendo-as do mar reduz o seu impacto e permite gerar riqueza e emprego no desenvolvimento de soluções biotecnológicas inovadoras.
“Uma das soluções criadas passou pela concepção de um substituto para o actual modo de conservação de pescado congelado, que utiliza películas plásticas. A solução inovadora passa por uma película feita exclusivamente de recursos marinhos. Este filme substitui os plásticos de uso único”, explica Marco Lemos, 43 anos anos, ao referir que esta solução é “tão eficaz e segura” que até é comestível.
Monitorizar doentes
Especializada no design na área da saúde, Sandra Neves, investigadora no LIDA – Laboratório de Investigação em Design e Artes da Escola Superior de Arte e Design, está a desenvolver com o CiTechCare – Centro de Inovação em Tecnologias e Cuidados de Saúde o Safetrack, um dispositivo para monitorizar doentes na urgência de Leiria.
Sandra Neves adianta que utilizou a abordagem de design participativo ao realçar a importância de criar um novo sistema de monitorização em colaboração com “os principais stakeholders do serviço hospitalar da urgência”, ou seja, os profissionais de saúde.
“Havia necessidade de monitorizar utentes, porque a sobrelotação, com a falta de recursos humanos dificulta o trabalho dos profissionais de saúde’, que, por vezes, não se apercebem de um possível agravamento dos sintomas dos doentes, enquanto esperam. “Desenhámos um sistema de monitorização, que é de alerta para detecção precoce. Ou seja, os parâmetros vitais estão a ser monitorizados e se houver alteração é comunicado ao computador e o profissional de saúde sabe que alguém está a precisar de assistência rápida”, precisa.
Este dispositivo começou por ser pensado como uma pulseira, mas os profissionais de saúde alertaram que uma pessoa com queimaduras no pulso ou amarrada não o poderia utilizar. “Esta abordagem em design participativo está a dar oportunidade de envolver os profissionais de saúde, num processo de design dentro das melhorias da saúde. É uma abordagem mais democrática de se fazer inovação na saúde.”
“A importância da ciência é indiscutível e a prova está em cada momento e centímetro ao nosso redor. O facto de podermos ambicionar chegar a uma idade avançada com qualidade de vida, contornando ‘facilmente’ doenças que outrora nos dizimavam, até à possibilidade das minhas palavras poderem ser lidas em qualquer ponto no globo são exemplos disso mesmo”, sublinha Marco Lemos.
Juliana Dias acrescenta que “fazer ciência é tentar encontrar respostas para aquilo que ainda não existe”, é “correr atrás de um sonho, com muita persistência”, a palavra-chave que entende ser essencial para um investigador. Já Sandra Neves encara a ciência como uma forma de dar “um contributo para o conhecimento”. “O meu principal objectivo é que o meu trabalho cause impacto na sociedade”, salienta a investigadora de 42 anos.
Falta de financiamento
Sandra Neves reconhece que o “contexto” de investigação entre Portugal e o Reino Unido “é muito diferente”, não só em termos de estrutura, como de cultura. “Ainda existe um caminho a fazer em Portugal, que faça com que as pessoas entendam exactamente qual o contributo que um investigador pode trazer para a comunidade e as instituições perceberem a mais-valia de terem investigadores”, diz.
O método de trabalho “colaborativo e participativo” que trouxe de Glasgow tem dado os seus frutos e no seu estudo conseguiu envolver, com alguma facilidade, todos os intervenientes. “Nada é feito de forma individual. Se estivermos dispostos a ouvir as pessoas e elas sentirem que estamos a ouvi-las há uma grande abertura.”
Marco Lemos destaca que existem em Portugal centros de investigação que ombreiam com os melhores do mundo” e as “redes de investigação internacionais” trazem “as melhores competências de parceiros localizados por todo o globo”, conhecimento que Portugal também exporta.
Contudo, o investigador, que também é director técnico do Centro de Diagnóstico Covid-19, em Peniche, reconhece que “falta a Portugal aumentar o investimento, quer público quer privado”. Por isso, “a ciência vive ainda muito de um espírito de sacrifício notável por parte dos seus investigadores, que penam na busca por financiamento, dedicando meses do seu trabalho em burocracias e submissão de projectos com taxas de sucesso mínimas”.
O pior, acrescenta Marco Lemos, “talvez seja o sentimento de não haver uma devida e justa valorização do trabalho do investigador por parte das instituições de ensino superior, que falham frequentemente em reconhecer o valor destes nos seus concursos de recrutamento ou promoção, deixando que outros atributos se sobreponham”.
Juliana Dias também considera que o financiamento é um dos principais problemas para os investigadores. A preocupação constante em adquirir financiamento e se têm contrato daqui a dois ou três anos retira-lhes “parte do foco que devia estar apenas na investigação”.
“A nossa situação melhorou. Antigamente só tínhamos bolsas e agora é obrigatório um contrato de trabalho, mas a termo resolutivo certo. Não é tão precário, mas não temos estabilidade a longo prazo”, explica. Concorrer de forma individual ao financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) é desesperante para a maioria dos investigadores jovens, que sabem que dificilmente são contemplados.
Há cerca de 300 vagas para cerca de quatro mil cientistas.