Conta 60 anos de vida e já leva mais de quatro décadas dedicadas ao peixe. Mas o que esta nazarena não esperava é que uma velha tradição de família, a venda de peixe seco, se tornasse num negócio de êxito, com reconhecimento de chefs de gabarito nacional. De peixeira a empresária, eis a história de vida que nos conta Isaura Fialho.
Isaura nasceu a 30 de Outubro de 1957. Foi a segunda filha de um pescador e de uma peixeira da Nazaré. E é na casa de família, que a viu nascer, que a nazarena continua a residir.
Quando era menina, Isaura não gostava particularmente da escola. Completou a instrução primária, mas recorda-se como os professores da época eram maus e incapazes de despertar o seu interesse pelos livros. Isaura gostava mais de acompanhar a mãe, que ia de camioneta lavar roupa ao rio, no Valado, e de ficar por ali a brincar com as outras crianças. E também gostava de ver a mãe a trabalhar com o peixe.
[LER_MAIS] Mas a mãe de Isaura, dona Maria da Nazaré, queria manter a rapariga afastada daquele ofício, por entender que lhe traria uma vida difícil. E foi por isso que a matriarca colocou Isaura numa formação de costura, a aprender com as senhoras que confeccionavam as saias e os aventais tradicionais da vila. “Aprendi e fiz bastantes coisas. Ainda continuo a fazer para mim e para os meus filhos”, conta Isaura Fialho.
“Mas eu gostava muito de ajudar a minha mãe na praça no Verão. Comecei a ajudar e fui ficando”, recorda Isaura que passou a trabalhar com peixe por volta dos 14 anos. Foi por essa altura também que Isaura começou a namorar com aquele que viria a ser seu marido. Foi num baile de Páscoa que o namoro avançou. Isaura já o conhecia de vista. Seguiu-se o casamento e chegaram dois filhos.
Não era habitual deixar as crianças em infantários, lembra Isaura Fialho. Portanto, durante alguns anos, anulou- se profissionalmente para tomar conta dos meninos. E o trabalho em casa era árduo. O seu marido fiscalizava obras nos Açores e durante 16 anos só vinha visitar a família de mês e meio em mês e meio.
Além da gestão da casa e das crianças, Isaura continuou a ajudar a mãe sempre que podia, com o negócio do peixe. E as suas vendas foram uma preciosa ajuda quando ambos os seus filhos foram para Lisboa fazer cursos superiores.
Mas dona Maria da Nazaré, matriarca da família, sempre fez questão de assegurar o negócio sozinha. Hoje tem 95 anos, a idade já não lhe permite trabalhar. Mas até aos 87 anos nunca tinha deixado de se dedicar ao peixe. Foi precisamente há oito anos, quando dona Maria da Nazaré passou a necessitar de mais cuidados de saúde, que Isaura deixou de ficar na retaguarda do negócio para o assumir o controlo do mesmo.
Mas introduziu algumas mudanças, que fizeram uma enorme diferença. Com a ajuda da filha e do filho, Isaura criou um projecto que baptizou deMaria da Nazaré. O nome saiu em jeito de homenagem ao trabalho da sua mãe ede todas as mulheres desta família que se dedicaram à tradicional secagem e venda de peixe seco.
E o plano consiste em secar as espécies habituais (cação, batuques, carapau e sardinha) com a introdução de alguns toques de inovação.
Isaura explica que muita gente que se abeirava da sua banca não sabia o que era nem como se podia cozinhar o peixe seco. Uma das suas ideias passou então por criar cartuchos, para venda individual de peixe, cartuchos personalizados com informação sobre o pitéu e com fotografias de dona Maria da Nazaré.
A dedicação de Isaura tem resultado no interesse dos clientes, de restaurantes e até de profissionais conceituados como chef Cordeiro e chef Alexandre. Com eles, Isaura aprendeu algumas dicas. Como as tábuas de degustação, com azeite e alho, exemplifica a vendedora, que se tornou numa empresária.
As exposições em feiras e as aparições na televisão tornaram-se frequentes. “Quem havia de dizer que uma tradição de família daria nisto”, realça Isaura Fialho. À medida que a procura estrangeira se intensifica, até outras línguas Isaura passou a dominar. Já se faz entender em Francês e em Inglês. E quando as palavras não chegam para as outras nacionalidades, recorre- se ao gesto e o cliente compreende também.
A empresária não usa sete saias e confidencia que, à excepção das meninas do rancho, talvez ninguém as use no dia-a-dia, tal é o peso que tal indumentária tem. Mas mostra-se apegada às tradições da Nazaré, algumas das quais já quase perdidas, como o jogo da banca ou os bailes que animavam a vila várias vezes ao ano. Como aquele da Páscoa, onde conheceu o marido.