Perto de 4.000 vestígios humanos, entre dentes, falanges, fragmentos de mandíbula e outros ossos de pequena dimensão, já foram encontrados, desde 2015, nas escavações realizadas no Abrigo da Buraca da Moira, localizado na Boa Vista, Leiria, onde, até ao final do mês, decorre mais uma campanha arqueológica. Este domingo, dia 24, o local estará aberto à visita, permitindo à população acompanhar de perto os trabalhos em curso.
Telmo Pereira, arqueólogo e investigador da Universidade Autónoma de Lisboa e do Politécnico de Tomar, explica que a campanha deste ano permitiu, até ao momento, aumentar a profundidade da escavação em mais de 60 centímetros – já foi possível chegar a dois metros – e, consequentemente, recuar no tempo.
“Para já, temos oficialmente datações com 27 mil anos, mas creio que já avançámos até aos 30 mil”, revela o especialista, referindo que o objectivo deste recuo é recolher elementos que ajudem a perceber “como se comportaram os primeiros homo sapiens, se estiveram aqui e se estiveram ao mesmo tempo que os neandertais, se usaram a mesma gruta ou se temos ocupação apenas de Paleolítico Superior”.
Identificado em 2002, no âmbito de projecto PNTA – Pré-História do Maciço Calcário Estremenho das Serras de Aire e Candeeiros e bacias de drenagem adjacentes, o sítio do Abrigo da Buraca da Moira começou a ser estudado em 2015.
“Quando chegámos, o silvado e o mato eram tão altos que não conseguimos ver todas as entradas da gruta. Começaram logo a aparecer restos humanos, o que nos deixou surpreendidos, porque havia afloramentos na rocha. Parecia um abrigo. E os mortos eram enterrados em grutas e não em abrigos. Percebemos, depois, que se tratava efectivamente de uma gruta que foi cortada quando houve exploração de pedra do local”, conta Telmo Pereira.
As primeiras campanhas puseram a descoberto uma necrópole, resultante de uma “ocupação do Neolítico e do Calcolítico, com6.500 a 4.000 anos”. “Em nove metros quadrados recolhemos cerca de 4.000 restos humanos e a contabilidade ainda não está terminada”, avança o investigador, revelando que, pelos estudos efectuados até ao momento, os vestígios pertencem todos a indivíduos do sexo masculino, com excepção de um.
“Deve haver, pelo menos, uma mulher grávida, porque um dos ossos pertence a um feto”, conta o arqueólogo, referindo que este seria um local onde as pessoas era “colocadas a descarnar antes de as ossadas serem depositadas noutro sítio”. Neste caso, o “depósito final” seria em grutas localizadas mais abaixo, onde foram encontrados “fragmentos de ossos grandes”.
Segundo Telmo Pereira, os elementos recolhidos até ao momento, onde se encontram também restos de animais que serviam de alimento, como javali, auroque (bisonte europeu já extinto), cervo ou cavalo, e “muitos utensílios líticos”, permitiram já concluir que o tipo de vale existente junto ao abrigo – que, tal como o Lapedo e a Ribeira das Chitas (Curvachia), “corre de Leste-Oeste em direcção à Bacia do Lis e ao mar -, funcionou como “nicho de sobrevivência” durante uma fase fria do Paleolítico, “a mais fria do planeta”.
“Durante, pelo menos 12 mil anos, este sítio serviu como um acampamento temporário, para paragem logística entre deslocações, um sítio de reabastecimento de comida e de água.”
A equipa coordenada por Telmo Pereira está agora a “descer na estratigrafia” para chegar ao período “em que o homo sapiens sai de África e ocupa paulatinamente a Europa e em que se dá a extinção dos neandertais, os últimos dos quais sobreviveram na Península Ibérica”. “Procuramos respostas que ajudem a explicar essa extinção e a substituição dos neandertais pelo homo sapiens.”
As escavações no Abrigo do Buraco da Moira estão inseridas no projecto EcoPLis – Ocupação Humana nos Ecótonos do Rio Lis, um programa de investigação arqueológica que junta várias instituições académicas e científicas e que conta com o apoio da Câmara de Leiria