No Verão, há quem faça dietas mais drásticas para perder peso rapidamente. Que implicações podem ter na saúde?
Uma alteração de estilo de vida é sempre positiva. O que é preocupante é quando as pessoas querem fazer tudo de um dia para o outro. O papel do nutricionista é ensinar as pessoas a comer correctamente. Queremos que este ensino se mantenha todo o ano. Nas dietas muito restritivas, para perder peso rapidamente, normalmente não temos os resultados esperados. O que temos é uma perda de massa muscular e de água, que não se pretende. Muitas vezes, quando há perda de peso repentina, as pessoas ficam muito satisfeitas para a época de Verão, mas quando se ‘desleixam’ ligeiramente acabam por recuperar rapidamente. O grande problema é que aumentam a massa gorda e diminuem mais a massa muscular. Quando isto é feito repetidamente vai ter repercussões em termos de metabolismo.
É possível ter férias ‘saborosas’ sem quilos a mais?
É, ou pelo menos tentar que não venham demasiados quilos a mais. Se as pessoas sabem que vai haver um jantar melhorado, bem regado, durante o dia devem ter alguns cuidados alimentares. Não é saltar refeições, porque isso dá mau resultado, pois temos tendência a comer mais na refeição seguinte e o nosso organismo vai absorver tudo aquilo que devia ter consumido anteriormente. A alimentação tem de ter um equilíbrio. Todos tiramos prazer da alimentação, isso é um factor fundamental: comer coisas que gostamos e nos sabem bem. É tentar manter o equilíbrio entre uma alimentação saudável e alguns petiscos, que devem ser consumidos sem abuso. Costumo dizer: nem sempre nem nunca. O equilíbrio faz parte de uma alimentação saudável.
Que tipo de refeições recomenda para adultos e crianças no Verão?
O Verão implica muitas vezes praia e piscina. Levar alguns snacks equilibrados e fruta, mas juntar um hidrato de carbono, para equilibrar a glicémia, ou uns frutos secos – mas não exagerar na quantidade e consumir ao natural -, hidratar-se muito bem e aproveitar as frutas frescas ricas em água, como a melancia e o melão. Levar bolachas mais equilibradas, como as tortilhas, um ou meio pão, com uma fatia de queijo, ou as panquecas de aveia feitas em casa. Iogurtes líquidos ou palitos de pepino são alternativas. Para as crianças também funcionam bem as polpas de fruta, sem adição de açúcar. Já há muitas crianças que aderem aos palitos de cenoura ou aos tomates cherry. Deve-se evitar recorrer diariamente à bola de Berlim ou ao gelado. Às refeições, optar por saladas frias, em que misturamos massas, alface, tomate e sempre uma fonte proteica para dar saciedade, que pode ser frango, ovo ou mozarela. É dar asas à imaginação com aquilo que temos em casa.
A obesidade é conhecida como a pandemia do século XXI. É preciso uma reeducação alimentar?
Tudo passa pela reeducação alimentar. A nível nacional temos feito um bom trabalho, apesar de ainda não ser suficiente. As câmaras municipais têm feito um trabalho nas escolas com um bom impacto, ao tentar aumentar a literacia alimentar junto das crianças, que acabam por levar esses ensinamentos para casa e transmitem aos pais, que sentem alguma responsabilidade em fornecer uma alimentação saudável. Também houve alteração da oferta alimentar nos bares e nos buffet, assim como a taxação dos refrigerantes e das bebidas açucaradas. O projecto de redução do sal no pão tem tido bons resultados. Temos a preocupação que as escolas ofereçam refeições equilibradas para as crianças. Sabemos que há um excesso, mas também temos crianças em carência alimentar e que precisam de ter uma segurança alimentar. Há crianças a ir para a escola sem pequeno-almoço e a única refeição equilibrada que fazem é nas escolas.
A obesidade continua a crescer?
O estudo COSI tem vindo a ser desenvolvido desde 2008 e avalia de três em três anos a prevalência de excesso de peso e obesidade junto das crianças dos 6 aos 8 anos. A prevalência estava a diminuir, mas o último resultado de 2022 demonstrou um aumento. Isto deverá estar relacionado com a pandemia, que alterou muito os hábitos das crianças. No confinamento, as actividades desportivas deixaram de ser feitas e as pessoas acabaram por comer mais. Nas minhas consultas de pediatria, no pós-Covid, houve um aumento da prevalência da obesidade. Algumas crianças, quando voltaram à consulta vinham com um aumento de peso substancial. Um estilo de vida saudável ajuda a reduzir as comorbilidades associadas à obesidade, como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares. Temos cada vez mais crianças com probabilidade de desenvolver uma diabetes tipo 2 muito precocemente. Estas comorbilidades, que antigamente dizíamos que eram características da população mais idosa, começam a surgir cada vez mais cedo. Temos de investir na prevenção e não deixar que as crianças e os jovens de hoje venham a ser adultos com problemas mais tarde.
Fala-se muito da dieta mediterrânica usada pelos nossos avós. Há alguma geração que coma pior?
Sou uma defensora da dieta mediterrânica. Até ao um ano de idade tudo corre lindamente, porque os pais estão super preocupados e cumprem religiosamente todas as recomendações. A partir do momento em que a criança já pode comer a alimentação da família, começam os problemas. Ainda assim, as coisas são relativamente controladas até ao 4.º ano, dependendo de família para família. A partir do 5.º ano, quando há independência e idas ao bar e, principalmente, as crianças que podem sair da escola e ir às redondezas… A fase da adolescência é a mais preocupante. Mas o seio familiar é importantíssimo. Para que consigamos ter sucesso, temos de envolver o seio familiar para que todos funcionem no mesmo sentido. Se fazemos diferenciação entre a criança que tem excesso de peso e a mais ‘magrinha’ estamos a fomentar que aquela criança se sinta ainda mais diferente e a diminuir a sua auto-estima. Todos têm de fazer uma alimentação saudável. E todos devem fazer excepções.
O que temos de bom na nossa alimentação?
Em Portugal temos muitas coisas boas baseadas na dieta mediterrânica. Temos um bom consumo de peixe, e peixe fresco, de legumes e de fruta da época, que podemos privilegiar. Conseguimos comer carne de boa qualidade, embora possamos reduzir a sua quantidade, o que será um benefício em termos alimentares e nutricionais, mas também de sustentabilidade. Somos também um País de consumo de sopa e devemos privilegiá-lo, seja de sopas inteiras ou todas passadas. Começar a sopa no início da refeição é excelente, porque é um alimento muito saciante. A nossa culinária é muito saudável. Além dos cozidos e grelhados, temos os estufados em cru, as jardineiras ou as caldeiradas, onde deixamos libertar os sabores dos alimentos, sem ser necessário exagerar na quantidade de gordura e de sal. Devemos privilegiar as ervas aromáticas.
Quais os riscos de procurar dietas na internet?
Se temos o lado positivo que chama a atenção para que as pessoas tenham uma alimentação mais equilibrada e saudável, temos também muitas dietas da moda, que podem ser prejudiciais. Temos de ter em consideração a condição de saúde daquela pessoa, porque nem todas podem fazer determinado tipo de alimentos ou de dietas: ou porque são demasiado restritivas ou demasiado ricas em determinado nutriente, o que pode ser prejudicial para uma patologia de base que a pessoa tenha. Há algum regime alimentar que recomende? O plano que aconselho é a dieta mediterrânica. Podemos retirar o que é positivo de cada dieta estudada e tentar adaptar, mas cada caso é um caso. Um plano alimentar é personalizado e vai ao encontro das necessidades daquela pessoa. Não há dietas iguais. Temos de personalizar tendo em consideração os gostos, os horários, a patologia ou não de base, qual o motivo de vir a uma consulta. Tudo isto está na chave do sucesso. Um plano está sempre sujeito a alterações e a melhorias.
Há medicamentos e dietas milagrosas?
Muitas vezes as pessoas querem resultados num mês daquilo que foi o acumular de anos. Isso não existe. Não há dietas, planos ou medicação milagrosos. Quando as pessoas chegam à consulta e perguntam: não há nada que eu possa tomar? A minha primeira abordagem é a modificação de estilo de vida: alteração alimentar e actividade física. Uma pessoa que é sedentária, às vezes bastam umas caminhadas para ter um efeito espectacular. Se for necessário mais alguma coisa, então encaminha-se para uma consulta de especialidade, como endocrinologia.
Sim. Se a pessoa tem necessidade de terminar a refeição com uma peça de fruta, não digo que não. Água durante as refeições engorda? A água é a única coisa que é zero valor calórico. Pode ser consumida sempre e em qualquer altura do dia. A única questão de ser às refeições é não exagerar na quantidade para não haver uma distensão gástrica.
Hoje em dia sabemos que não há a preocupação com o colesterol. Podem-se comer ovos ao longo da semana. Leite na idade adulta? Se a pessoa tolera bem o leite e se sente bem não tem problema nenhum. Hoje em dias temos outras alternativas, como as opções sem lactose, e temos as bebidas vegetais, que devem ser bem escolhidas. É um excelente alimento. Fruta com casca ou pele? Se for uma maçã, pêra, nectarina, desde que bem lavada, pode ser com casca, porque vai ter maior teor de fibra.
Sim. É possível comer açúcar e manter um peso saudável, desde que seja de uma forma equilibrada.
Também. Um cozido à portuguesa só com as carnes, de preferência as mais magras, as couves, o arroz e a batata cozida. O grande problema são os enchidos, as carnes gordas e a quantidade, porque acabamos por comer um bocadinho de cada e por ter um prato muito recheado.
Excesso de açúcar, de sal e de gordura. Há também situações de excesso de álcool. Um exemplo de alteração é começar por retirar o açúcar do café. Outra coisa simples é não ir às compras com fome, porque temos tendência para comprar alimentos que nos dão saciedade, ricos em açúcar e em gordura.