Quando jogava na defesa do Grupo Desportivo Nazarenos, era: a) duro mas leal b) passa a bola não passa o jogador c) canela até ao pescoço.
Duro, mas leal!
Nesse tempo é que era bom?
Foi um tempo especial de construção pessoal e social. Guardo especialmente memórias de um grupo coeso de amigos onde a alegria era a imagem de marca. Um momento de glória entre as quatro linhas. O dia da estreia pelos seniores do GDN. Para a minha geração, esse factor ainda tinha um grande peso simbólico. Era uma honra! O concretizar de um sonho.
Em criança sonhava ser futebolista, pescador e artista plástico?
Piloto de navios. Esse era o sonho! Até fiquei com essa alcunha: “Piloto”. Muita gente ainda se refere a mim dessa forma. Na Nazaré, toda a gente tem alcunhas…
O bodyboard foi um amor de Verão ou ainda é pessoa para desafiar a Praia do Norte?
Sim, pratiquei bodyboard alguns anos. Mas o desporto que falou mais alto foi o futebol. Quanto à Praia do Norte: bom é ver as ondas no farol!
Filho de peixe sabe nadar, filho de pescador…
Sabe o valor da ausência do pai em momentos marcantes da vida, a inconstância de rendimentos e os seus efeitos na vida familiar, sabe de cor o sentimento de espera e de apreensão, sabe adaptar– se à irregularidade do tempo e do mar, sabe o que custa o reconhecimento social e o quão significa a palavra preconceito. Sabe que nada cai do céu e para se conseguir algo de significativo tem que se fazer o “triplo” do esforço!
Vai para uma ilha deserta: artes plásticas ou artes da pesca?
Para garantir a sobrevivência levava as artes de pesca. Já que as artes plásticas apareceriam naturalmente, garantida que estava a sobrevivência, era uma questão de aproveitar o que existisse e criar!
[LER_MAIS]
Entretanto está a finalizar o doutoramento em relações do trabalho. A luta continua?
Ainda falta algum tempo para finalizar! O doutoramento significa apenas mais uma ferramenta para servir o sector a que dedico grande parte da minha vida. Uma orientação para a acção. Um aprofundamento sobre a realidade do sector, as relações laborais que lhe dão corpo e as desigualdades sociais que lhe são inerentes. Perceber melhor os nexos de causalidade do cenário actual, tendo como caso de estudo a comunidade piscatória da Nazaré. A luta…continuará até ao fim!
Na faina quem se lixa é o…
Eu diria: na lota quem se lixa é o pescador! A faina é o seu habitat. Recuperando José Afonso “Tu trabalhas todo o ano/ Na lota deixam-te mudo/ Chupam- -te até ao tutano, Chupam-te o couro cab'ludo ”.
O mar é mais prisão do que liberdade?
É sempre um misto das duas coisas. Quando é prisão, é um cárcere terrível. Quando é liberdade, é a melhor sensação que existe.
O que era pior: a reeleição de Donald Trump, o fim da captura da sardinha ou ser convidado para rei do Carnaval?
O cenário mais improvável é ser convidado para Rei do Carnaval! A reeleição de Trump significa um retrocesso civilizacional e uma séria ameaça para a paz e estabilidade no mundo. O fim da captura da sardinha significa “o fim do mundo” para muitas famílias em Portugal. A reeleição de Trump seria o pior cenário, tendo em conta que também se pode lembrar de proibir a captura de sardinha!
Marchas, só do proletariado?
Os hinos comunistas, dos movimentos operários e libertadores anti-imperialistas ainda me emocionam, como quando os ouvi pela primeira vez. No entanto, e no sentido do encadeamento das questões colocadas, as marchas de carnaval dos Sakanagem são obras de arte! São uma autêntica recolha etnográfica conjugada com uma grande qualidade artística. Só quem conhece as “profundezas” da Nazaré e dos nazarenos é que consegue lá chegar.
O artista, para ser um bom artista, trabalha com máscaras ou com a verdade?
Muitas vezes, só usando máscara é que se trabalha “artisticamente” de forma pura e verdadeira.
Carapau seco ou sardinha assada?
Sardinhas, sem dúvida! Ainda que adore carapaus secos e enjoados!
Uma canção: O Anzol, O Homem do Leme ou O Barco Vai De Saída?
O Homem do Leme remete-me para a experiência vivenciada de estar ao leme sozinho à noite. Mas a obra de Fausto e a sua abordagem ao universo marítimo é sublime! O Barco vai de saída!
Com quem é que gostava de navegar, navegar?
Com quem não enjoasse! É horrível ver as pessoas pálidas, desfalecidas, parecem pescadas emalhadas na rede há dois dias…
Publicou um livro de fotografia, O Outro Lado. Que lado é este?
É um lado difícil. Complexo. Um lado a que poucos se adaptam. Um lado ainda à espera de justiça, reconhecimento, valorização. Um lado tão duro quanto deslumbrante.
Pintura, escultura, instalação ou fotografia?
Todas! Todas fazem sentido no meu processo de criação. Aparecem no tempo devido, adaptando-se à mensagem e a cada contexto físico ou conceptual.
Onde é que fica o seu porto de abrigo?
Em minha casa. Sempre.
Naturalidade
Nazaré
Residência
Nazaré
Formação
Artes Plásticas, Economia Social, Relações de Trabalho
Ocupação
Vice-presidente da Cooperativa Mútua dos Pescadores