Quais as principais dificuldades sentidas actualmente pelas empresas de moldes?
A indústria enfrenta um conjunto de dificuldades, algumas das quais já vêm de 2018, quando começou a haver alguma falta de encomendas da indústria automóvel, devido à indefinição da motorização dos automóveis. Em 2019 as encomendas caíram ainda mais e depois veio a pandemia. Associado a ela, veio todo um conjunto de problemas, que se traduziu muito na falta de encomendas e nas condições de pagamento. Muitos clientes querem que seja a indústria de moldes a financiar a fabricação das obras durante o seu decurso e muitas vezes até para além desse tempo. Para ser competitiva, a indústria de moldes tem de fazer investimentos intensivos. Ora, havendo menos negócio, tendo-se as margens deteriorado, havendo um conjunto alargado de empresas que fizeram investimentos para se modernizarem, criaram-se alguns problemas de falta de liquidez, que ainda se hoje se sente nas empresas.
A guerra na Ucrânia veio acentuar os problemas?
Quando no final do ano passado as coisas estavam a começar a acelerar, eis que surgiu a guerra, que veio baralhar tudo o que eram boas perspectivas.
Há dificuldade em obter matérias-primas, os preços estão mais altos…
Sim. Sentem-se dificuldades em conseguir matérias-primas nos prazos ajustados às nossas necessidades, o seu preço subiu nalguns casos 80%. Além disto, há os custos energéticos. A retoma que se começou a notar não estava alicerçada nos preços europeus, mas nos preços a que os nossos clientes compravam na China. Ou seja, temos um conjunto delicado de problemas: estamos a vender muito mais barato, mas temos custos directos e indirectos muito mais elevados.
Há empresas a aceitar trabalhos por preços que não pagam os custos de fabrico?
Muitas, todos os dias, para se manterem activas. Mas o que acontece connosco acontece igualmente com os alemães, por exemplo. Conheço fábricas alemãs de moldes que, neste momento, para terem actividade, aceitam o que o cliente puder pagar. Mas os alemães têm uma filosofia diferente da nossa. Quando não der, não dá, fecham a empresa e acabou. Em Portugal ainda se trabalha muito com o coração, faz-se tudo e mais alguma coisa, o possível e o impossível para manter as empresas activas, em funcionamento, e para manter os postos de trabalho.
A indústria portuguesa de moldes assentou o seu crescimento na indústria automóvel, que é a principal cliente, mas tem adiado o lançamento de novos modelos. E as empresas de moldes ressentem-se desta situação…
Há 20 anos, a BMW tinha um modelo de jipe, o Série 5. Hoje tem oito. O mesmo aconteceu com todas as outras marcas. Isto para dizer que a quantidade de modelos e de plataformas foi crescendo nos últimos anos, originando a necessidade de novos moldes. O nosso crescimento foi baseado nisso. Por que é que estamos tão dependentes da indústria automóvel e não apostamos noutros sectores? Porque muitos deles saíram da Europa, onde hoje já não se produzem televisões, por exemplo. Electrodomésticos são poucos os fabricados na Europa. Há todo um conjunto de sectores que há uns anos eram clientes da indústria portuguesa de moldes que fugiram para a Ásia. Claro que há nichos nos quais podemos apostar, como a indústria médica, que é enorme, mas é preciso muito lobby para entrar.
E a aeronáutica?
É outro exemplo. Há uns anos, quando a Embraer veio para Portugal, um conjunto de empresas fez treino e acções, cá e no Brasil, para poderem ser fornecedores. Não conheço nenhuma empresa portuguesa que tenha participado nesses cursos que esteja neste momento a fornecer peças à Embraer.
É difícil entrar nesses nichos?
Não é fácil. A indústria aeronáutica normalmente tem associados a si fornecedores de peças, não de moldes. Muitas vezes essas peças necessitam de tratamentos especiais que em Portugal não temos capacidade para fazer. Constatámos na altura que estes tratamentos encareciam de tal maneira as peças que ficaríamos fora de contexto.
O modelo de crescimento da indústria de moldes assente no sector automóvel é agora difícil de reverter…
Sim, a indústria automóvel é o garante de perto de 80% da nossa capacidade produtiva. Não estou a ver muitos sectores que possam ocupar uma grande percentagem daquilo que estamos a fazer para o automóvel, porque a nossa capacidade de produção é muito grande.
Poderemos assistir ao encerramento de empresas de moldes nos próximos anos, por falta de trabalho?
Podemos. Por aquilo que já disse. As condições de pagamento são cada vez mais leoninas, as empresas nossas clientes têm cada vez mais força e poder de negociação, os preços são esmagados até ao tutano. As empresas andam a fazer um trabalho de optimização dos processos produtivos, de melhoria das actividades e dos tempos de fabrico, mas por muitas melhorias que possam ser feitas, há situações em que não conseguimos ser competitivos. Não é que as empresas de outros países façam melhor e mais barato, mas possivelmente têm condições que nós não temos.
Falamos de que condições?
Um exemplo: na pandemia, quando as fábricas de moldes na Alemanha estiveram em lay-off, o Estado pagou 100% [dos encargos com os trabalhadores]. Nós tivemos de arcar com um terço. E no lay-off normal, um trabalhador ficava para a empresa a 42% do salário. Comparando com as empresas de moldes alemãs, há uma diferença grande.
O que se espera para 2022 em termos de exportações?
As exportações caíram no ano passado, já se esperava. Em 2020 ainda tínhamos encomendas de 2019, no ano passado já não. Em 2022, não se sabe como vão ser as exportações. Até há três meses podia dizer que a expectativa era que fosse um ano de recuperação, neste momento não sei. Há muitos dos nossos clientes que têm parte da sua capacidade produtiva afectada, por falta de componentes. Outros têm mesmo as fábricas paradas. Se não se vendem os carros em produção, também não serão lançados novos modelos, porque há um conjunto de investimentos que tem de ser amortizado com os modelos actuais. A informação que temos é que vai haver muita actividade, e estava previsto que tivesse sido retomada em Janeiro e continuasse, mas com a guerra ninguém sabe como vai ser.
Apesar das dificuldades, a indústria tem-se afirmado nos mercados externos. A marca colectiva Engineering & Tooling from Portugal tem aqui um papel decisivo?
Sim. As acções que fazemos passam por uma cada vez maior divulgação da marca, para que Portugal seja visto como produtor de moldes de qualidade e com capacidade de fazer desde o desenho da peça até ao fabrico da mesma. O objectivo é agregar valor, porque se Portugal se apresentar como fabricante de soluções, e não apenas como fabricante de moldes, é mais valor acrescentado que fica no país.
Quais os principais objectivos da nova direcção para este mandato?
O trabalho é de continuidade. Temos planeado realizar o congresso da indústria de moldes, em Novembro. Queremos também fazer um trabalho de proximidade com o governo, no sentido de tentarmos que sejam criadas linhas de apoio às empresas, para a capitalização das mesmas. É que as condições da indústria de moldes não são iguais às de outras indústrias. Começamos a fazer a encomenda e só passados dois anos estamos a receber alguma coisa. Há necessidade de capital para suportar todo este investimento que vamos fazendo. Por isso precisamos de linhas de crédito e de um sistema de capitalização específico para este sector. Também queremos dar continuidade às acções de promoção, quer com a presença em feiras externas quer com a visita a potenciais clientes; impulsionar a campanha de imagem Engineering & Tooling from Portugal e dar continuidade às acções de formação, de modo a dotar as pessoas de conhecimentos que lhes permitam dominar tecnologias e métodos que ajudem a obter ganhos de produtividade. E queremos rever os estatutos da associação, porque não pode haver um presidente com 12 anos de mandato.