Os próximos dias poderão ser absolutamente históricos para o andebol masculino de Leiria. Depois de terminar a fase final da 2.ª Divisão da temporada passada no quarto lugar, o Atlético Clube da Sismaria apurou-se para uma liguilha que colocará dois emblemas na 1.ª Divisão, fruto do alargamento de 12 para 14 equipas do principal escalão da modalidade. À frente da equipa da Sismaria estará um dos treinadores com um dos mais vastos currículos do andebol português. Depois de resultados de excepção à frente do Belenenses, de ser campeão nacional feminino pelo Gil Eanes, de ter liderado a Selecção Nacional feminina de Portugal e de apurar Angola para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, João Florêncio decidiu aceitar o convite do clube de Leiria para repetir um feito só alcançado em 1977/78, quando este mesmo clube garantiu, pela única vez, a promoção ao patamar mais alto do andebol português. Os jogos serão disputados em Avanca e estão marcados para esta sexta-feira (20 horas) e sábado (18 horas), com a Académica de São Mamede e o Fafe, respectivamente.
Tendo em conta o seu vasto currículo, o que o fez deixar Lisboa e aceitar o convite da Sismaria para tentar colocar a equipa na 1.ª Divisão de andebol?
A questão do currículo não é determinante nas escolhas. Sei que tenho algum currículo, mas sobretudo gosto dos desafios e adoro o treino de andebol. O convite da Sismaria pareceu-me aliciante, sobretudo devido a uma hipótese histórica de subida de divisão. Estava disponível para encarar o projecto, que me pareceu muito interessante. Conversei com pessoas que conheço há muitos anos e chegámos a um acordo.
Acredita que é desta que Leiria e a Sismaria em particular volta a ter uma equipa na 1.ª Divisão?
Temos possibilidades. Os jogadores gostam de trabalhar e estão motivados. É um grupo que tem consciência de que as dificuldades de uma 1.ª Divisão são muito maiores do que aquelas que têm tido, mas está motivado e interessado em aprender com uma nova realidade. As hipóteses em termos de liguilha são significativas. O Fafe é um clube que tem uma tarimba e uma estrutura de equipa de 1.ª Divisão, ainda por cima reforçou-se, mas estamos em pé de igualdade com a Académica de São Mamede, que tem mais ou menos a mesma ambição de subir do que nós, também se reforçou com oito atletas e mudou de treinador com esse objectivo. Sabemos que vai ser um opositor forte, mas achamos que temos condições para discutir, pelo menos com a Académica de São Mamede. Com o Fafe as hipóteses serão menores, mas não serão de deitar fora.
A Sismaria também de reforçou de forma significativa com esse objectivo?
Temos feito aquisições para suprir algumas carências da equipa. Também houve algumas pessoas que saíram, atletas com algum significado no seio do grupo, mas a equipa mantém o seu núcleo duro. Temos tentado um ou outro reforço que traga um bocadinho mais de capacidade competitiva e nos faça mais fortes.
O João Florêncio fica em Leiria independentemente do resultado da liguilha de subida à 1.ª Divisão?
O nosso acordo foi feito, mas a própria Sismaria tem consciência que que esta possibilidade de subida vem um bocadinho cedo tendo em conta o projecto. Para a própria capacidade estrutural do clube, a subida de divisão é um impacto sério, certamente. Por isso, quando falámos, foi por fases. Vamos para já encarar esta primeira fase da subida de divisão e, depois, iremos reequacionar o que vai acontecer daqui para a frente.
A única presença da Sismaria na 1.ª Divisão foi em 1978/79. Sendo a cidade tão apaixonada pela modalidade, consegue perceber o que tem falhado ao longo destas quase quatro décadas?
É algo estranho para qualquer pessoa que acompanha a modalidade. Tenho muitos amigos em Leiria, pessoas com quem me relaciono há muitos anos e com quem me dou muito bem, ligados à Sismaria, à Juve Lis e ao Académico, e é uma questão que se coloca sempre. Leiria consegue produzir bons jogadores, atinge patamares engraçados de competitividade nos escalões de formação, mas depois, nos seniores, acontecem dois tipos de fenómenos. Por um lado há uma rivalidade muito grande entre os próprios clubes e dividem-se um bocadinho as forças, embora há uns anos já tenha havido um projecto comum. Por outro lado, existe um problema que têm todos os clubes: quando chegam à idade de entrar na universidade, um boa parte dos atletas vão embora. A Sismaria debate-se com esse problema. Tem jogadores que estudam em Lisboa e vão jogar a Leiria. Esta é uma modalidade colectiva, que implica que tenha de se treinar e preparar as coisas em conjunto. É impensável pensar o andebol como um somatório de pessoas. Estes são os grandes handicaps que o andebol de Leiria tem tido, mas também tem muitos treinadores e jogadores que se têm afirmado em termos nacionais e até internacionais.
O andebol de Leiria está ao nível da 1.ª Divisão?
Depende de como fazemos essa análise. Se todos os jogadores de Leiria jogassem na cidade, então seria uma equipa fortíssima, com capacidade para discutir boas classificações. No entanto, hoje, não é só o País que é global. Se olharmos para os clubes principais, com maior poderio económico, têm sete, oito, nove, dez estrangeiros. Em Portugal, hoje, os europeus não contam como estrangeiros e no caso concreto do andebol, os cubanos e os brasileiros também não.
Vai ficar desiludido de a Sismaria não alcançar o objectivo?
Dou o meu melhor e faço sempre por tentar que as pessoas estejam comigo. Às vezes aprendemos mais com as derrotas do que com as vitórias. Ajuda-nos a reflectir e a perceber por que não conseguimos, saber se havia coisas que podíamos ter feito e não fizemos. Estamos cientes da dificuldade, mas acreditamos que é possível. Se não conseguirmos é óbvio que vamos ficar tristes. Desiludidos não sei.