Leonel Bernardo era Hrubesch, “por causa do alemão que marcava muitos golos de cabeça”. José Morais era simplesmente Morais. Juntos, apresentavam-se como o terror dos adversários do Vieirense naqueles inícios da década de 80 do século passado.
Um ficou-se por ali e é proprietário de um restaurante na Praia da Vieira. O outro é treinador de futebol, acabado se se sagrar bicampeão sul-coreano pelo Jeonbuk Motors.
É verdade. O técnico que foi observador de José Mourinho no Inter de Milão, no Chelsea e no Real Madrid e que acaba de vencer a K League nasceu no Cuanza Norte, em Angola, mas passou a adolescência na região.
Eram os tempos da descolonização e o rapaz veio de África com a “tia Filomena” para a Praia da Vieira, por volta de 1976. Morava “ali, perto de onde agora é o café do cinema”.
A bola acompanhava-o sempre e cedo arranjou um grupo de amigos, daqueles que têm apenas e só uma actividade. Queriam jogar à bola, fosse na praia, na paragem da Rodoviária Nacional ou nos pelados lá da terra.
“Sempre foi muito brincalhão, mas também bastante reservado”, recorda Leonel Bernardo, um desses “grandes amigos” de infância.
Na verdade, Leonel até foi das pessoas que mais beneficiou com o talento de José Morais, ao serviço do Vieirense. “Era muito bom jogador. Alinhava a extremo-direito e eu, que jogava a ponta-de-lança, marquei muitos golos à custa dele.”.
No entanto, também tinha alguns defeitos, daqueles naturais naquelas idades. “Gostava de fazer as fintas dele, já de passar não gostava tanto”, recorda, entre sorrisos, o goleador.
Morais passou primeiro pelo Grupo Desportivo da Praia da Vieira, mas foi no Industrial Desportivo Vieirense que fizeram dupla. Jogaram juntos nos juvenis, nos juniores e foram chamados aos seniores em simultâneo, também com Neto e Chavinha, quando os mais velhos, na maioria pescadores, tinham ido ao meixão.
O treinador do Jeonbuk ainda passou pela União de Leiria, regressou ao Campo Albano Tomé Féteira para os seniores, e entretanto deixou a praia e a vila.
[LER_MAIS]A tropa chamou-o, fê-la Tancos e foi continuando por clubes mais próximos do quartel, como o Ferroviários do Entroncamento ou o Dragões de Alferrarede.
Depois, foi tirar Educação Física para o então ISEF, em Lisboa. Até que, aos 26 anos, pendurou as chuteiras. “Diziam que tinha ido para o Benfica tirar um curso”, explica Leonel.
Entrou, de facto, nos quadros do clube da Luz por intermédio de Jorge Castelo, seu professor. Foi também lá que, em 2000, conheceu José Mourinho com quem trabalhou em três gigantes do futebol mundial.
A ligação entre os comparsas tornou-se naturalmente mais distante, mas não desapareceu. “É a vida, é mesmo assim. Sempre foi aparecendo e passava sempre no meu restaurante A última vez que estive com ele foi em 2013, era observador do Mourinho no Real Madrid.”
Desde essa altura que não o vê. “Dizem que já voltou à Vieira mais uma vez, que andou por aí. Se calhar foi ao restaurante à tarde, mas a essa hora nunca estou lá.”
José Morais já passou em clubes distintos, como o AEK de Atenas, o Barnsley ou o Alanyaspor e Leonel Bernardo está sempre atento, “orgulhoso”, ao percurso do colega, agora com 55 anos, que acaba de conquistar o quarto título da carreira.
Antes, tinha vencido a Supertaça saudita pelo Al Shabab, a liga tunisina pelo Espérance e o campeonato sul-coreano de 2019. “Olhe que nunca imaginei que fosse treinador. Não se falava disso!”