No ano lectivo que se avizinha, a Ccer Mais – Cooperativa Para A Criação e Promoção Cultural Educacional, Marketing e Intervenção Social, de Leiria, irá ser a responsável pela gestão das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC) do Agrupamento de Escolas D. Dinis.
Entre os seus objectivos está a criação de um novo modelo, mais próximo das entidades locais e comunidades educativas, que englobará um trabalho com os artistas e associações da região.
Além das actividades já tradicionais, como o Desporto, a Ccer Mais pretende aplicar a sua vocação e sensibilidades no campo artístico, criativo e da Música. Nestas tarefas, a cooperativa conta com um trunfo.
No início do passado ano lectivo, o projecto Música Omnipresente levou a música, em todas as suas vertentes, da composição, ao vídeo, não esquecendo o marketing e a promoção, a vários estabelecimentos de ensino locais, porém a pandemia suspendeu os trabalhos, não sem antes realizar o primeiro grande inquérito de hábitos culturais feito a nível concelhio.
Foi também a primeira vez que, em Portugal, se elaborou um questionário sobre consumo cultural e musical, para jovens dos 9 aos 18 anos. As lições tiradas desse inquérito permitiram à equipa do Ccer Mais traçar um plano de actividades e de apostas para o próximo ano lectivo.
Mais concertos e menos CD
Quais as conclusões que a Ccer Mais retirou, o que foi perguntado e a quem? O JORNAL DE LEIRIA teve acesso ao documento e alguns dos aspectos mais relevantes são o formato de consumo de música, conhecimento ecléctico de artistas, estilos e bandas e algum desconhecimento do associativismo cultural local.
Quase 98% dos jovens questionados no âmbito do projecto Música Omnipresente gosta de música, mas é raro ouvirem-na na rádio (39%), preferindo a internet como principal canal (89% e 95%, respectivamente), o que poderá significar que preferem a partilha de música e a utilização dos serviços de estilo comparativo e sugestão, integrados nas plataformas musicais, como o Spotify, para ficarem a par das tendências.
Mas também pode significar que alguns, preferem navegar na internet em busca de novas sonoridades, estéticas e paisagens sonoras. Curioso é também o número de jovens que ainda ouvem CD. Entre os alunos do 2.º ciclo, apenas 11,9% admite fazê-lo e, no secundário, são 15,4 %.
O farol internet
bastante positivos, pois mostram, claramente, que
as artes e a música em particular fazem parte da
vida quotidiana da esmagadora maioria dos jovens
em idade escolar. A internet é o grande farol que
abre o vasto leque de opções, mas, tal como na
minha geração, continua a ser muito importante o
papel do influencer personificado nos pais,
“daquele” tio melómano “maluco”, do amigo
“muito à frente” ou do irmão mais velho e culto,
que nos mostram quais os melhores caminhos a
percorrer, quão vasto é o território musical por
descobrir fora da esfera dos tops e das músicas
para massas
Presidente
da Fade In – Associação de Acção Cultural
Quanto ao comprar música… Apenas cerca de metade, de ambos os níveis de ensino refere já o ter feito. A maioria (81,5% e 82,70%) diz já ter assistido a um concerto, demonstrando maior gosto por espectáculos ao vivo, em vez de formatos gravados.
“Se as perguntas fossem feitas há dez anos, haveria mais CD e menos concertos. É uma mudança importante no paradigma. Cada vez mais, não se pode apenas falar em criar e ter palco, são precisos projectos que envolvam e que sejam embaixadores de um território”, afirma Hugo Ferreira.
Escolas participantes
Neste inquérito foram inquiridos 329 alunos do 2.º ciclo do ensino básico e 260 do ensino secundário.
Na Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, os questionários foram direccionados aos alunos do Clube de Artes e Cidadania, enquanto na Escola Básica e Secundária Henrique Sommer, na Maceira, o inquérito foi endereçado aos jovens do 2.º ciclo e secundário.
Participaram ainda os alunos do ensino articulado da Escola Básica Dr. Correia Mateus, enquanto, na Secundária Francisco Rodrigues Lobo e Secundária Domingos Sequeira, os questionários foram endereçados aos alunos de Artes.
Na Carreira, do Agrupamento Rainha Santa Isabel, apenas foram focados os alunos do 2.º ciclo. Na Escola Básica D. Dinis, responderam ao inquérito os alunos que participam no Clube de Música.
Por fim, na Escola Básica de Santa Catarina da Serra, participaram os alunos do 2.º ciclo.
Ainda assim, a cena musical de Leiria é desconhecida para a maioria dos mais jovens, com apenas 27,4% a dizerem que conhecem pelo menos um artista de Leiria. A percentagens de alunos do secundário a referirem músicos locais é maior, contudo, não chega a metade dos inquiridos (42,3%).
As bandas locais e artistas mais mencionados são Rua Direita, Whales, First Breath After Coma, The Gift, Catraia, Surma, Stereossauro e David Fonseca. Os gostos musicais dos alunos inquiridos não divergem muito e rodam à volta de Diogo Piçarra, Billie Eilish, Calema, Blaya, Piruka, Matias Damásio Fernando Daniel, David Carreira ou Post Malone.
Alguns dos artistas mencionados deram concertos, no último ano, nas Festas de Porto de Mós, Festas da Batalha, Festas do Bodo, Leiria Festival, A [LER_MAIS]Porta e Há Música na Cidade. Mas há quem tenha ido ao Pavilhão Atlântico, a Vilar de Mouros e a várias salas no Porto e Lisboa, aponte o jazz e a música clássica e isso revela ecletismo nas escolhas.
Se é certo que há quem refira Maria Leal, entre os seus “cantores” favoritos, também se apontam clássicos como ACDC, Queen, Scorpions, Supertramp, Nirvana ou a diva Maria Callas, o que poderá demonstrar alguma influência paternal na construção da cultura e gostos musicais.
Donato Rosa, músico na banda Rua Direita e subdirector do Agrupamento Escolar Correia Mateus, entende ser positivo que os jovens estudantes de Leiria conheçam não só a sua banda, mas também muitos dos projectos que existem na sua cidade.
“Este facto é indissociável da oferta que Leiria apresentava até ao início da pandemia. Leiria Festival, Há Música na Cidade ou o Festival A Porta são exemplos de festivais abertos, tendencialmente gratuitos que permitem aos artistas chegar não só aos adultos que poderiam ir a um concerto à Stereogun, mas também aos filhos e amigos dos filhos que enchem as ruas da cidade ou o recinto da Feira de Leiria. Não fico surpreso com a maioria das respostas. Afinal de contas, é no ensino secundário que as personalidades começam a ficar mais vincadas e as tribos começam a ser criadas”, entende.
Os números também são interessantes quando se pergunta aos jovens se gostariam de criar música ou trabalho artístico. Uma maioria folgada de jovens do ensino básico respondeu que sim (70,5%), enquanto, no secundário, a resposta afirmativa é quase unânime: 98,2%.
Estes números, sendo animadores, esbarram no corte abrupto e sem dó dos ministérios da Educação e da Cultura no número de alunos no ensino articulado, uma quebra incompreensível que, de acordo com vários responsáveis ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA, poderão “significar a ruína do ensino articulado”.
Conhecem os espaços culturais de Leiria? Pouco mais de metade dos mais jovens (60,5%) já ouviu falar do Teatro Miguel Franco. No secundário, a percentagem é maior (77,7%). É um cenário que se repete, quando questionados sobre os restantes equipamentos culturais da cidade.
Os mais velhos, proporcionalmente, sabem melhor quantos e quais são, à excepção do Museu de Leiria, onde, uma percentagem ligeiramente superior dos alunos entres os 9 e 12 anos já ouviu falar do espaço (77,5 versus 76,5%).
O Teatro José Lúcio da Silva é uma referência e 79% dos mais novos sabem o que é, enquanto os números chegam aos 92%. Os espaços mais desconhecidos são o Museu da Imagem em Movimento (43,5% e 61,5%, respectivamente) e Banco das Artes Galeria (antigo Banco de Portugal), com 48,9 e 78,1%.
“É interessante a taxa apresentada pela Biblioteca Municipal Afonso Lopes Vieira. Embora pouco mais de metade dos alunos mais novos diga conhecer este equipamento, os mais velhos que o conhecem são uma larga maioria (83,1%). Isto explica-se pelos projectos educativos que a biblioteca tem levado a cabo nas escolas do concelho e por ser um local de encontro e de estudo para boa parte dos alunos de Leiria”, entende Hugo Ferreira.
Os resultados deste inquérito foram entregues aos pelouros da Cultura e Educação da Câmara Municipal de Leiria, pela Omnichord Records, a entidade promotora, para “numa perspectiva de total colaboração, ajudar a criar uma política cultural de futuro e de fomento à criatividade dos mais novos”.