* Texto publicado originalmente a 7 de Abril de 2022 na edição em papel 1969 do JORNAL DE LEIRIA
Demorado e burocrático. O processo de integração no mercado de trabalho dos cidadãos ucranianos que chegaram a Portugal nas últimas semanas, em fuga da guerra no país de origem, não está a acompanhar a rapidez com que surgem as ofertas de emprego, nem o desejo de autonomia que quase todos os refugiados manifestam.
Logo no início de Março, entraram na Associação Empresarial da Região de Leiria (Nerlei) mais de 200 ofertas de emprego dirigidas a deslocados da Ucrânia. Volvido um mês, são raros os casos, no concelho de Leiria e nos concelhos vizinhos, de refugiados que já estão a trabalhar.
A lentidão administrativa na legalização, em especial na obtenção do número de contribuinte (NIF), é um dos obstáculos, num processo que também inclui a documentação a emitir pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o número de identificação da Segurança Social (NISS) e o número de utente do Serviço Nacional de Saúde. Mas há outros factores a ter em conta: o transporte, a creche ou jardim de infância para as crianças, as aulas de português, além da estabilidade no alojamento, num momento em que a generalidade das habitações disponibilizadas são temporárias.
Kostya Chesnok, de 21 anos, é, por isso, uma excepção. Foi contratado pelo Grupo Justo para o armazém da empresa em Leiria, na área das peças para automóveis. Um trabalho semelhante ao que tinha na Ucrânia. Veio com outros 57 refugiados acolhidos na Batalha, dos quais 30 são menores, que estão a viver numa residencial também ligada ao Grupo Justo. No novo emprego, oito horas diárias garantem o mesmo salário do que 12 horas na Ucrânia. Está em Portugal com a namorada, mas ainda não decidiu se quer ficar ou regressar. O que sabe é que quer manter-se activo. “Preciso de fazer alguma coisa, não posso ficar a chorar ou a gritar. Se me sentar em casa a ver televisão vou ficar louco”.
O impasse torna-se “desesperante” para os que continuam à espera. “Estão cá há um mês e alguns ainda não têm a situação toda regularizada”, adianta Mariana Justo, do conselho de administração do Grupo Justo, que considera a demora “inaceitável” e que acredita existir “falta de comunicação” entre as entidades envolvidas. “Tenho empresas que os querem empregar, mas não conseguimos”.
A representante da comunidade ucraniana em Leiria, Yuliya Hryhoryeva, confirma que “o processo está muito lento”. E diz mais: “Há dois pontos, trabalho e alojamento, que estão suspensos”. “Não conheço ninguém empregado. Sei que procuram, sei que se inscreveram no IEFP, mas até hoje ninguém está empregado”, refere. “E começam a mostrar impaciência, porque querem trabalhar”.
Desde a primeira hora envolvidos na ajuda humanitária aos refugiados, também os municípios se debatem com a burocracia. “Os deslocados têm muita vontade de trabalhar. Era importante que este processo fosse mais rápido. Está a demorar cerca de três semanas”, refere a vereadora Catarina Silva, da Câmara de Pombal.
No concelho há um exemplo conhecido, um cidadão vindo da Ucrânia a residir em Vila Cã, contratado pela Pocinho, de Ansião, para trabalhar em electricidade. A gerente Celeste Farinha explica que a empresa, que fornece o transporte, “está a precisar de pessoal” e admite contratar mais refugiados.
Segundo o jornal Público, apenas um terço dos refugiados ucranianos que já chegaram a Portugal está em condições de começar a trabalhar e o salário médio em quase 22 mil ofertas disponíveis para deslocados da Ucrânia no IEFP é de 884 euros brutos. O Expresso acrescenta que na segunda-feira [4 de Abril] a bolsa de emprego para refugiados já tinha 26.355 ofertas activas. Perto de três centenas encontram-se a trabalhar e 3.600 estão a ser acompanhados para integração.