A candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura é entregue hoje, quinta-feira, pelas 12 horas e 27 minutos.
Está previsto que seja o presidente do Município, Gonçalo Lopes, a remeter as 20 cópias do bid book, redigido em inglês, na estação de correios do Leiria Plaza.
O horário escolhido salienta o último ano com Capital Europeia da Cultura em Portugal (2012, em Guimarães) e também o próximo (2027, objectivo que Leiria persegue a par de outras 11 cidades: Aveiro, Braga, Coimbra, Évora, Faro, Funchal, Guarda, Oeiras, Ponta Delgada, Viana do Castelo e Vila Real).
“Provavelmente, seremos a primeira candidatura a fazer a entrega”, admite Paulo Lameiro, coordenador do grupo executivo da candidatura de Leiria.
O lema, que será revelado esta quinta-feira, tem como ideia central um conceito de governação do território mais democrático e mais participado pelas comunidades.
“O trabalho tem sido muito maturado. Não queremos esperar pelo limite, achámos que o devíamos fazer tranquilamente”, afirma ao JORNAL DE LEIRIA. O prazo para o cumprimento da primeira etapa, com o depósito do livro de candidatura, só expira na terça-feira, 23 de Novembro.
Após o envio a partir da estação de correios do Leiria Plaza, com o conceito, as linhas programáticas e as respostas a cerca de 50 perguntas, segue-se, esta quinta-feira, a conversa Que candidatura é esta? no Mercado de Sant’Ana, em que intervêm Gonçalo Lopes e também Lígia Afonso e Ana Bonifácio, duas das cinco mulheres responsáveis por redigir o bid book de Leiria (em conjunto com Ana Umbelino, Elisabete Paiva e Teresa Andresen).
Ao longo do dia, a agenda contempla a apresentação do lema e do filme da candidatura de Leiria, corporizada na Rede Cultura 2027, que é encabeçada por Leiria e reúne 26 municípios dos distritos de Leiria, Lisboa e Santarém, no território entre Castanheira de Pera e Arruda dos Vinhos.
Está ainda marcada uma reunião do conselho geral da Rede Cultura 2027, de que fazem parte todos os presidentes de câmara, com o propósito de aprovar o orçamento e plano de actividades para o próximo ano, incluindo algum apoio à programação.
Anunciada por Raul Castro em 2015, no Dia do Município, com grupo de missão a trabalhar desde 2016, a candidatura de Leiria chega a um dos momentos mais importantes do trajecto.
“Pessoalmente, [sinto] o contentamento de um parto, isto é um parto autêntico”, refere Paulo Lameiro, para quem a dimensão do “sonho” e o “esforço hercúleo” necessário para juntar 26 municípios originam “uma viagem muita enriquecedora”, já com “resultados no terreno”.
Para o coordenador do grupo executivo da candidatura de Leiria, importa “desmistificar duas ideias”. Por um lado, a Capital Europeia da Cultura não significa dinheiro para os agentes culturais, embora exista um orçamento de milhão e meio de euros a que se somam 25 milhões prometidos pelo Governo. Por outro, “ganham as cidades que têm propostas mais consistentes para mostrar a Europa, pela cultura, nessas cidades”.
Ou seja, será a Europa a mostrar-se na Capital Europeia da Cultura e não a Capital Europeia da Cultura a mostrar-se à Europa.
O anúncio de finalistas é esperado no primeiro trimestre de 2022 e a designação vai ocorrer em Dezembro de 2022 ou Janeiro de 2023. A escolha é da responsabilidade de um júri de peritos independentes, com membros nomeados pelo Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Comissão Europeia, Comité das Regiões e pelo Ministério da Cultura português.
O bid book de Leiria foi redigido por Ana Umbelino, Ana Bonifácio, Elisabete Paiva, Lígia Afonso e Teresa Andresen.
Ana Umbelino: “A construção de pensamento novo sobre modelos de cooperação entre cidades e seu alcance. Um renovado olhar sobre a relação entre as artes, a cultura e o território, suportado por um léxico próprio, elegendo a escuta como metodologia capaz de produzir conhecimento contextualizado dando expressão a um coral polifónico que ecoa as necessidades, os sonhos e aspirações das pessoas comuns. O desenho de um modelo de governança alicerçado na cooperação, proximidade, horizontalidade e participação cidadã que aproxima e conecta territórios vizinhos em torno de um ideal comum e de uma tarefa partilhada. Um modelo de governança que encara a complexidade e a diversidade dos sistemas humanos como activos e não como problemas. Um dispositivo que torna os recursos de que esta vasta área territorial é portadora visíveis e mutualizáveis transformando-os, assim, em bens comuns ao serviço de um projecto político de desenvolvimento que explora os conceitos de inteligência e criatividade colectivas”.
Ana Bonifácio: “Quando somos confrontados sobre a capacidade de execução instalada para acolher o título de Capital Europeia da Cultura, pedem-nos que o façamos na perspetiva institucional e na perspetiva material das infraestruturas culturais, turísticas, das acessibilidades e dos projetos urbanos previstos para o futuro próximo. Do ponto de vista institucional, defende-nos o manifesto, de base local, assinado em 2019 pelos 26. Mesmo com as mudanças que resultaram das eleições autárquicas, mesmo com diferentes intensidades de envolvimento dos municípios no passado e no futuro, entendemos que dificilmente pode haver uma marcha-atrás no compromisso coletivo pela cultura e pela rede dos municípios (RC2027) que existe e está plena. Leiria acendeu este fogo, foi rastilho e será uma espécie de chama longa desta convergência de territórios unidos pela cultura. Com alicerces fundados no reconhecimento dos 5844 Km2 – que inclui o intenso processo de escuta dos agentes culturais que levámos para a frente sem que essa fosse uma premissa sine qua non (mas que para nós foi!) – reconhecemos a imensa diversidade de meios, de ideias e de desejos, bem como detetámos duas outras condições: a imensa variedade das pré-existências materiais – lugares naturais ou construídos – e a capacidade de adaptação e transformação que faz parte das nossas gentes. No entendimento comum da necessidade de trabalhar as pré-existências, ficou, assim, bastante claro que temos todas as bases materiais – as “velhas” infraestruturas – para recriar pela cultura. São milhares de trilhos, centenas de espaços públicos com vocação de encontro, espaços expectantes e devolutos, dezenas de museus, casas da cultura, sedes de coletividades, coretos. Queremos apostar nas reconversões funcionais, nas recuperações e reabilitações ou, tão só, nas simples novas ocupações. Sobretudo ficou claro que os nossos agentes culturais não ficam ensimesmados ou sentados na busca de acontecer, mas movem-se, numa corrida de fundo que transforma e deixa marcas de longo termo. Sabemos, porém, que o interior deste litoral terá de ficar mais perto. Queremos que a programação cultural que propomos até 2027, para 2027 e para depois, estreite caminhos, chegue mais longe, acolha e não exclua. Quando nos perguntam se temos a infraestrutura adequada e viável para acolher o título de Capital Europeia da Cultura, respondemos sem hesitação: Sim, claro que temos!”
Elisabete Paiva: “O Manifesto da Rede Cultura 2027 é muito claro ao assumir como prioridade a participação cultural das comunidades dos 26 municípios da rede. Foi, assim, evidente para o grupo de trabalho que concebeu e redigiu o projeto de Leiria 2027 que a participação e a democracia cultural deveriam ser pilar das opções estratégicas e programáticas. Acreditamos que a participação cultural é um direito individual e coletivo e um dos desígnios para o século XXI, uma alavanca para inverter a fragmentação e a exclusão social, a forma de suportar com imaginação as incertezas de um mundo globalizado e em acelerada mudança. Acreditamos que é um dos valores que um projeto europeu deve defender. Com suporte no compreensivo processo de escuta dos agentes culturais e decisores políticos e inspiradas pelos exemplos de projetos colaborativos experimentados pela Rede, inscrevemos no projeto de Leiria 2027 não apenas um conjunto de projetos participativos, mas um conjunto de princípios metodológicos transversais às práticas de curadoria, mediação e comunicação. Estes princípios e metodologias estruturam propostas que desejam trazer para o centro da Capital Europeia da Cultura as comunidades urbanas e rurais, as várias gerações e os seus múltiplos saberes e sensibilidades, as escolas e instituições culturais, tanto quanto as famílias, os empresários e os artistas. Sempre com a convicção de que as artes estão inscritas no ADN da humanidade, e por isso nos ligam, e são uma herança que nos pode projetar num futuro mais justo, são e feliz, enfim, democrático”.
Lígia Afonso: “Consideramos a existência de atores e práticas culturais de excelência, particularmente ao nível da música, da literatura e do design contemporâneos, e a sua vocação internacional como um ativo do território, o que é sobretudo evidente ao nível das estruturas independentes, sejam elas associativas ou empresariais. Diagnosticamos, no entanto, a fraca visibilidade, apoio e integração destes projetos no âmbito institucional e estabelecemos nesta candidatura, por isso, como prioridade, os princípios do seu reconhecimento, consagração e internacionalização, apontando para a criação de uma cultura partilhada de construção de políticas públicas ao serviço da cultura. A construção deste programa cultural assenta exatamente nesse reconhecimento, articulação e potenciação. Partindo de uma prática ativa e contínua de escuta, e das necessidades e aspirações dos agentes culturais do território, estabelecemos as metodologias de suporte ao programa cultural. Aprofundando os princípios de construção colaborativa da candidatura, a própria programação da Leiria 2027 será suportada pelo trabalho conjunto e capacidade propositiva dos agentes culturais, procurando tirar partido das potencialidades de um tempo mais dilatado de implementação, com foco no encontro e no processo, contrariando modelos de produção centrados na efemeridade e na espetacularização e respondendo organicamente às características de um território diverso e polissémico”.
Teresa Andresen: “Somos uma paisagem cultural, somos património intercultural, somos um território inscrito no tempo longo. Os municípios que subscrevem a candidatura de Leiria espraiam-se maioritariamente num território constituído por formações do meso-cenozoico onde se inscrevem os terrenos calcários estremenhos. Esta natureza calcária está na origem das paisagens cársicas, ricas em grutas e galerias e revestidas por vegetação mediterrânica, encontradas a ocidente, onde se destacam as imponentes serras de Sicó, Aire, Candeeiros e Montejunto. Esta matriz ecológica está na base de uma paisagem cultural onde gerações habitaram e cultivaram um território de terras pobres, água simultaneamente abundante e escassa, ventos fortes e clima ameno. Os lugares dispersaram-se na paisagem e deram origem à matriz urbana policêntrica que hoje caracteriza o território da Rede Cultura 2027. Historicamente, esta região desempenhou as funções de território de transição, de intermediação e cruzamento entre povos. A paisagem cultural revela essa função de lugar de encontro, apto a receber e enquadrar, mas igualmente preparado para resistir, adaptando-se à mudança introduzida a partir de fora. No território da Rede Cultura 2021 habituamo-nos a representar o tempo longo como uma pré- história, um tempo congelado à espera da verdadeira história. No Lagar Velho em Leiria, descobriu-se o esqueleto de uma criança – o Menino do Lapedo – e as provas de que neandertais e modernos se tinham cruzado e não apenas sucedido. O nosso território oferece, por isso, condições singulares para a investigação internacional sobre o tempo longo, na convicção de que ele nos ajudará a perceber melhor o lugar da humanidade na relação com a natureza e as outras espécies, nomeadamente nas respostas para a adaptação às alterações climáticas”.