A multiculturalidade é já uma marca do Politécnico de Leiria, que tem cerca de 1,600 estudantes internacionais, de 75 nacionalidades, nas suas escolas. Os quilómetros que separam muitos alunos das famílias obrigam a que o Natal seja passado na região ou noutra cidade de Portugal. O convívio entre diferentes nacionalidades ajuda a trocar experiências e a viver o espírito natalício de outra maneira.
O JORNAL DE LEIRIA falou com estudantes do Brasil, Equador, Indonésia e Moçambique. Há semelhanças e diferenças, mas a amizade que exalta na época é o que tem mais importância para os jovens que estão longe das famílias.
Naturais de Cabo Delgado, Moçambique, Zuneidy, 22 anos, Brigite, 24 anos, e Anselmo, 22 anos, são três dos 50 estudantes que vieram para o Politécnico de Leiria no âmbito de um protocolo de cooperação entre os governos dos dois países. Este será o primeiro Natal dos jovens longe de casa, apesar de nem todos celebrarem a quadra como os católicos, por serem muçulmanos.
Com pais de diferentes religiões – católica e muçulmana – Zuneidy e Brigite costumam comemorar o Natal no dia 25 de Dezembro. “Parte da minha família é católica e outra muçulmana. Habitualmente a família junta-se, jantamos e há uma comida especial, que no meu caso é uma refeição com carapau e mandioca”, adianta Zuneidy.
A manga também é presença assídua à mesa. Um almoço de família, sem troca de presentes, é habitual na família de Brigite, que destaca a importância de estarem juntos. Caracata, um dos pratos típicos de Moçambique, faz parte da ementa.
Muçulmanos respeitam tradição
Apesar de também ter raízes cristãs, Anselmo segue a religião muçulmana, pelo que não festeja o Natal em Cabo Delgado. “É um dia normal, mas respeitamos a data festiva. Às vezes, sentimo-nos um pouco à parte por não estarmos envolvidos nessas comemorações, mas temos o Eid”, explica o jovem.
O Eid é uma celebração muçulmana que marca o fim do jejum do Ramadão, um ritual que Anselmo cumpre. “A religião é harmonia e paz. Os muçulmanos convidam os católicos para participar. O meu pai também já me levou à missa no dia 25 de Dezembro”, revela.
Na festa a comida existe em abundância e há diversos pratos típicos. “O que não pode faltar são os doces e os salgados. Há muitas chamuças, rissóis e badjias”, contam.
No dia 20, o Politécnico realizou um convívio para a comunidade internacional, onde cada estudante poderia levar um prato típico. “É uma iniciativa interessante. Fortalece o nosso laço de família uns com os outros”, reconhece Brigite. Este ano, os três moçambicanos vão ficar em Leiria.
Brigite já combinou um jantar para o dia 24 de Dezembro com alguns amigos portugueses e brasileiros. “Vamos fazer o nosso Natal. Será um misto de Natal”. Zuneidy tem marcado um almoço para o dia 25 e Anselmo ainda aguarda por um programa. Se o convite chegar, afirma que participará porque também quer ganhar experiências. “Uma das coisas que quero levar daqui é saber como são as coisas em Portugal”, afirma Anselmo, acreditando que quando regressar a Moçambique quer estar preparado para responder a todas as curiosidades que amigos e familiares tiverem sobre Portugal.
Quando saíram de Cabo Delgado, a insegurança era grande. As principais dificuldades que encontraram foi a comunicação. “Precisávamos de escutar muito, porque há diferenças nas expressões e os portugueses falam muito rápido”, confessam.
À sua espera tinham as residências do Politécnico de Leiria, a disponibilidade das autarquias de Pombal e Caldas da Rainha em ceder alojamento e uma casa do Seminário Diocesano de Leiria, onde estão 12 estudantes moçambicanos. “Tudo corre bem”, assumem. “Já estamos habituados a estar numa casa com muita gente. Na nossa terra há o hábito de acolhermos familiares quando vão estudar para a cidade onde estamos e somos sempre muitos”, explicam os jovens que estão na habitação do seminário.
Equador como em Portugal
Melanie, 20 anos, Martim, 23 anos, e Aleksey, 19 anos, chegaram do Equador para estudarem Fisioterapia, Contabilidade e Finanças e Engenharia Civil, respectivamente. Passar o Natal longe da família não será fácil e as saudades, uma palavra muito portuguesa, apertam.
No Equador a quadra é festejada de forma idêntica à de Portugal. “Costumamos estar em família e jantamos peru”, adianta Melanie. Martim acrescenta que na sua família há a tradição do amigo secreto. “É igual. É muito festivo, a família junta-se toda e há troca de presentes. Comemos peru com salada e vários pratos típicos”, afirma Aleksey, que tem ascendência russa.
À mesa não faltam, por exemplo, os buñuelos, uma massa frita que se come com mel. No próximo dia 24, os jovens vão reunir-se com o seu grupo e festejar da mesma forma. “Vamos fazer um amigo secreto e a comida vai ser igual”, conta Martim. Os jovens estão felizes com a experiência no Politécnico de Leiria.
“Acho que esta experiência de independência é boa para aprender a experimentar coisas novas”, assume Martim, ao acrescentar que escolheu Leiria porque queria um novo desafio e aprender uma língua que não fosse muito diferente. “O português é muito semelhante e isso é bom para mim”, refere.
Sobre o Natal russo, Aleksey explica que essa parte da família não comemora o Natal, pois na Rússia a quadra é celebrada no dia de Reis.
Natal em indonésio
Rilal, 30 anos, veio da Indonésia para Peniche, onde está a realizar um mestrado em turismo. “Sou de uma família muçulmana e por isso o Natal não é realmente celebrado, mas em alguns sítios, como na capital da Indonésia, o Natal é celebrado em grande”, revela.
Em Leiria visitou as decorações natalícias que existem pela cidade. “Aqui é muito bom. Vou celebrar o Natal cá em Portugal, talvez vá até Lisboa com os meus amigos e ver algumas das atracções”, afirma.
Desconhecendo a tradição do bacalhau à mesa da Consoada, Rilal aceitou experimentar o prato português. “Não sou um bom cozinheiro, mas na Indonésia, a minha mãe faz comidas boas e deliciosas como o frango de caril e comemos isso no Natal”, adianta.
Rilal está com outros seis indonésios na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar. “Gosto de estar aqui. As pessoas são boas, a temperatura não é muito fria se compararmos com outros países europeus, o que é bom para mim”, destaca. Natal no Brasil implica praia Marina, 31 anos, está a tirar o mestrado em Mediação Intercultural e Intervenção Social, e Aline, 27 anos, está a estudar Teatro.
As alunas brasileiras vão passar o Natal à distância. “Vou passar a ceia com a família, mas com três horas de diferença e através do whatsapp”, revela Marina, mãe de um adolescente, que ficou com o pai no Brasil. “Há muita comida sempre. A festa começa muito tempo antes da ceia, que se realiza à meia-noite. Durante o dia vamos à praia e há churrasco”, adianta Aline.
Segundo as estudantes, no jantar de Natal pode haver o tender, o chester e o peru, o arroz de uva passas, assim como a farofa. Quanto a doces, o pavê, a rabanada e o maracujá dominam a mesa. Marina acrescenta que a quantidade de comida é sempre superior ao número de pessoas presentes, pelo que as sobras dão para toda a semana. O amigo secreto é também uma tradição, permitindo assim que “todos recebam presentes”.
Aline ainda não tem planos para este Natal, mas não está preocupada. “Somos brasileiros, de certeza que não vou passar o Natal sozinha”. Quando era pequena, os presentes eram deixados debaixo da árvores e quando tocavam as 12 badaladas eram abertos. “A minha mãe dizia-me sempre: ‘vê bem como se comportou para o Pai Natal lhe trazer o presente’.”
Na família de Aline, a tradição era escrever a carta ao Pai Natal e pendurar uma meia vermelha na porta, porque “no Brasil não há chaminés”.
“Os presentes eram escondidos e tínhamos de os procurar, com a indicação que o Pai Natal teria deixado algo por ali”, recorda.