Ana Luísa Amaral (1956-2022) foi e é uma das mais marcantes poetas do universo literário português. Escreveu vários livros de poesia, muitos deles traduzidos para outras línguas e premiados nacional e internacionalmente (refiro apenas os últimos: Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana e Prémio Francisco de Sá de Miranda, em 2021; Escritora Galega Universal, em 2022); tem uma presença notória na área da literatura para a infância; cabe-lhe um lugar fundamental na escrita ensaística, tendo feito parte de unidades de investigação, coordenando alguns projetos, em articulação estreita com a sua vida académica de universitária (foi Figura Eminente da Universidade do Porto em 2022-23).
Há muito que sou leitora da sua poesia e os seus livros infantis têm acompanhado o meu trabalho académico, mas o breve livro de 2017, What’s in a Name, pela síntese alcançada à volta de temática tão filosófica como é a da motivação da linguagem e a especificidade da humanidade, fez-me reagir – divulgando um exemplo de excelência talvez mais conhecido noutros países do que no nosso, a atermo-nos às várias traduções deste volume. Agora que a isso faço referência – e só agora… – encontro aí uma motivação para o título da obra ser em inglês. De facto, o poeta – todos os poetas – sempre procu(ra)ram sentidos, motivações, presságios, augúrios, avisos, dores, desesperos, angústias, alegrias, hinos da natureza e do mundo sob e sobre os traços das palavras.
Parece-me sintomático que o livro abra com o poema intitulado “COISAS” (opus cit., pp. 7-8), como auto-epígrafe das 4 partes que se seguem (embora a epígrafe inaugural exista, extraída do canónico Shakespeare, Romeu e Julieta, Acto II, Cena 2): COISAS (pp. 9-25), composto de 9 poemas, sendo que o nono se intitula mesmo What’s in a Name; REGRESSOS (pp. 27-44), com 9 poemas; POVOAMENTOS (pp. 45-66), com 12 poemas; OU, POR OUTRAS PALAVRAS (3 poemas) (pp. 67-73). O leitor é transportado para um espaço dramático com 3 atos principais, envolvidos por uma introdução e uma conclusão que podem pretender motivar a interpretação a ser feita da ‘encenação poética/linguística’ do corpo do volume. No entanto, a omnipresente presença lírica do ‘eu’, em todos os poemas, pode fazer perigar esta analogia dramatúrgica. Nenhum poema é voz da personagem a, b ou c, pela simples razão que todos se constituem como indagações do sujeito poético.
A indagação inicial prende-se desde o início com o ‘Dar nome a estas coisas’ (1º verso do 1º poema, p. 7-8), as coisas pequenas e insignificantes que fazem parte do contexto do eu e, por acréscimo / identificação (?), dos leitores. E apesar de a poeta se revelar ignorante, a sua confissão não a vai remeter ao silêncio, mas à escrita do corpo poético, a única forma artística em que se sente capacitada:
Por isso, e mesmo assim, de nomes falo: | porque não sou capaz | de melhor forma:
Na 1ª parte, as ‘COISAS’ poéticas vão sendo pormenorizadas, desde um insignificante pequeno mosquito (p.11), morto pela poeta, ao livro abandonado num banco de jardim (p. 14), à recordação da aprendizagem protetora dos pais aos filhos a andar de bicicleta (p. 15), à castanha aberta como sinal da solidão da/na natureza (pp. 16-17), à dificuldade/atraso de voar do poema (p. 18), à dilacerante perfeição das agulhas de pinheiro (p. 19), ao branco desespero do que nos coube e não se pode adquirir (pp. 20-21), à nudez dos corpos humanos e animais frente à futura morte (pp. 22-23), à transfiguração do nome ‘rosa’ no seu perfume, indomável e livre (pp. 24-25). Daí que a 2ª parte, REGRESSOS, possa ser lida como uma revisitação a todas as ínfimas ações (femininas?) que acendem cenários perfeitos até se transformarem em mitos: grelhar peixe, cozinhar empadas de frango, ler os próprios versos no estrangeiro, acordar de manhã, esperar pela musa da inspiração e as emoções que não regressam, a poesia vinda do passado, o cosmos e o caos da vida quotidiana, as poeiras… – e escrever poesia sobre tudo isso. E POVOAMENTOS, seja na minúcia da atmosfera feminina, seja na cósmica ou na da violência, da cultura ou do espaço da casa, das impossíveis semelhanças, impele à negativa de O que não há num nome (pp. 63-64), motivação para o horaciano ut pictura poesis.
Assim, na 4ª parte, conclui exibindo os paradoxos violentos da nossa época, em que a guerra tudo arrasa e as palavras são insuficientes para dizer o estado de podridão dos mares. A última palavra, o nome que diz o mal-estar da poeta e do leitor, e fecha o círculo desta forma:
mesmo sem palavras: o furor (p. 73)