A 1.ª edição do livro Os Dias de Saturno saiu em 2009, há 15 anos, estava há muito esgotada e, na sequência do sucesso de outros romances pícaros de Paulo Moreiras [PM], surgiu em boa hora esta edição revista, corrigida e aumentada. A capa apresenta um subtítulo convidativo: “Amor, alquimia e os prazeres da mesa num maravilhoso romance de aventuras”. Confesso que não sou muito dada aos ‘prazeres da mesa’; porém, o que mais me impressionou foi o perfil de honestidade investigativa assumido e reiterado pelo escritor de cada vez que uma nova obra sua aparece a público. Entre ‘estranhos percursos’ há correspondências que nos guiam nos ‘labirintos do entendimento’.
A leitura da Bibliografia Selecionada, no final do volume, mostra-nos o fulcro da metodologia de trabalho de PM: uma das correspondências entre a escrita literária e a investigação académica – as frequentes notas-de-rodapé poupam ao leitor a consulta do dicionário/enciclopédia e permitem ultrapassar o hiato na velocidade da leitura por causa do vocabulário desconhecido. Funcionam como um glossário intencional para reduzir o percurso labiríntico de leitura do oitocentista Os Dias de Saturno.
Se o romance de aventuras faz uma alquimia das emoções (guiando-se pelos quatro pilares ou ‘estações’ reconhecidas pela alquimia da evolução humana: nigredo, albedo, citredo, rubedo), num século XVIII muito bem documentado e subtilmente retratado nos contrastes gritantes entre a populaça e os fidalgos, através da arte da poesia ou dramática, nos seus laivos irónicos e sarcásticos, não deixa de ser marcante, através dos dois amigos protagonistas – o mestre de cozinha, Domingos Rodrigues (autor de Arte de Cozinha, 1680), e o médico do palácio real, João Curvo Semedo (autor de Polyanthea Medicinal, 1697) – como a ciência, sempre que trata aspetos menos consensuais, precisar de se refugiar no segredo e no núcleo de iniciados.
Se todas as ‘demandas não são mais do que as demandas do amor’, como escreveu PM no seu/meu exemplar de D. Fuas Bragatela, Os Dias de Saturno são a eterna busca da eternidade na alquimia humana do amor: o elixir da juventude passa-se de pais para filhos, como julgo que a Memória deste novo romance deixa entrever.
Pequeno ajuste de contas: sintome insatisfeita com a ‘Adenda à presente edição’… A académica gostaria de ter elementos para fazer uma edição crítica que mostrasse aos leitores elitistas o que quer dizer um escritor do séc. XXI com expressões como ‘corrigir erros’, ‘arestas limadas’, ‘inexperiência de escrita’, ‘conhecedor desta arte’, ‘reescrever cenas’. Sou uma mulher teimosa e perseverante – como todos os escritores e investigadores… – e a entrevista ficará agendada para quando eu tiver lido a 1.ª edição deste livro, que felizmente não tinha feito e em nada me ‘chamuscou’ a surpresa total de usufruir/ saborear d/estes ‘prazeres da escrita’.
Para o escritor Paulo Moreiras o peso da História e do conhecimento torna-se, a cada novo romance, leve através da criação de novos e bem sustentados enredos, alicerçados no saber que vem do passado e ilustrados com personagens que continuam vivas pelas suas complexas pulsões e reflexões psíquicas e psicológicas, existenciais e filosóficas. Chamo a tudo isto ‘prazer da escrita’; porém, é possível que o ‘prazer da mesa’ esteja entrelaçado…