O anúncio da abertura de uma loja maçónica mista, com homens e mulheres, em Leiria, terá provocado alguma agitação entre os maçons portugueses.
Num artigo publicado no JORNAL DE LEIRIA, há duas semanas, David Martins, um histórico do movimento a nível nacional e Mónica Santos, revelaram a entrada em funcionamento, em breve, da Loja Isabel de Aragão, afecta à Grande Loja Simbólica da Lusitânia.
Será a oitava loja maçónica na zona.
Cerca de duas semanas depois, Martins, que reivindica ser “o mais antigo maçon de Leiria e o quinto do distrito”, sendo membro de uma loja do Grande Oriente Lusitano (GOL), “a mais antiga potência maçónica portuguesa, da família liberal e adogmática da maçonaria”, terá sido suspenso do GOL.
A acção terá sido tomada por decreto do actual grão-mestre, Fernando Lima, que o acusa “de grave delito maçónico”, por ter “transgredido as leis internas daquela organização secular, ao apoiar e fomentar o aparecimento da referida Loja Maçónica, sem autorização do Grande Oriente Lusitano”.
Contactado pelo JORNAL DE LEIRIA, David Martins respondeu que “não precisava de ter qualquer autorização, pois a nova loja, quando surgir, integrará homens e mulheres e, portanto, surgirá sob os auspícios de outra potência maçónica, a Grande Loja Simbólica da Lusitânia, via mista”.
O maçon adianta que “lamentavelmente, não é permitida a iniciação de mulheres no GOL”. Reconhece, porém, que possa ser acusado de ter transgredido essas leis, inclusive, filiando-se simultaneamente nas duas organizações, mas que o fez conscientemente.
“O grão-mestre não poderia ter seguido outro caminho, embora o pudesse fazer de outra forma, até porque, na verdade, a nova loja, nada tem a ver com o GOL. Agora, admitir que cometi um delito maçónico? Não, isso são atoardas, para intimidar quem ouse rebelar-se contra leis e regulamentos passadistas, inspirados no século XVIII. Talvez receando que o exemplo se multiplique.”
David Martins, maçon
“Disseram que eu “tinha razão antes do tempo”, como se estas fossem causas do futuro”
Parece que terá havido algum azedume na forma como foi contactado, e diz-se que o acto de acusação faz alegações graves…
Não é nada que não tivesse equacionado e mais não comento. Reafirmo o que sempre disse: que o meu compromisso solene é com a Maçonaria, os seus Princípios e Valores, e, paralelamente às Leis da República e da Constituição da República Portuguesa. Na defesa destes princípios, estou disposto a ir até às últimas consequências. Por isso aguardo, tranquilamente, a notificação do Tribunal Maçónico, e defender-me-ei.
Fala-se em quebra de juramentos…
Ninguém me dá lições de lealdade à causa e, muito menos, admito que me apontem o dedo. Nem ao grão-mestre o admito. Tenho 76 anos, e mais de metade da minha vida tem sido consagrada à defesa dos grandes valores da Maçonaria, que são também as grandes causas da Humanidade. O primeiro juramento do maçon, é “amar os seus irmãos e ir em seu socorro se precisarem de auxílio”. Aqui, pode entender como seus irmãos, todas as pessoas que precisem de ajuda, e não só os outros maçons. É dever de um maçon ser solidário, tolerante, fraterno…
E não sentiu isso?
Senti, nas palavras de apoio de muitos maçons – homens e mulheres -, que me contactaram, afirmando que eu tinha razão. Alguns, criticando-me, até disseram que eu “tinha razão antes do tempo”, como se estas fossem causas do futuro e não de hoje. Mas são. Talvez até de ontem…
Quais são essas causas que o movem?
Move-me a Liberdade, como primeira grande causa. Depois a Igualdade que só é possível em Liberdade e, por último a Fraternidade entre todos os Maçons, como prelúdio da Fraternidade Universal, entre todos os Homens de boa vontade. É uma utopia? Talvez, mas luto por ela! Do ponto de vista intrinsecamente maçónico, move-nos, inspira-nos a nova loja. Move-nos o trabalho conjunto a desenvolver com as dezenas de Maçons, que se filiaram no seu quadro, ou que, desde Abril, foram iniciados. Quando todos anseiam por progredir nos “mistérios da Maçonaria”, e apreender todo o seu simbolismo e filosofia maçónica, não temos tempo a perder com questiúnculas estéreis. Voltando à questão de que me acusam, de ter faltado aos “juramentos”, tudo isso é impreparação, ignorância, e falta de cultura maçónica por parte de quem faz esse tipo de afirmações. Sabem bem que, em quase todas as potências maçónicas – e o GOL não é excepção -, o neófito, após a iniciação, é confrontado com a situação de ter de jurar cumprir leis que ainda não conhece, porque só mais tarde lhe são reveladas, tomando então conhecimento do alcance desses compromissos. Bem sei que naquele momento, lhe é garantido que esses compromissos não atentam contra os direitos civis, religiosos, morais, etc… mas, na verdade, não é bem assim, como se vê, surgem equívocos como estes…
Sente-se, ou sentiu-se enganado?
Não! Nunca me senti enganado, porque sempre tive outra visão dos compromissos que assumi e que entram na esfera do transcendente, da minha intimidade, da minha dimensão espiritual, da minha livre consciência, do que entendo ser um homem livre, do meu percurso interior de iniciado maçon. Nunca por estas razões que invocam, só porque lhes dá jeito, para consolidar autocracias e enganar os néscios que tudo confundem. Tudo isto porque entraram na Maçonaria, mas nunca receberam a Maçonaria. Na verdade, há regras internas que atentam contra os Direitos e Liberdades dos cidadãos, e, por isso, fico perplexo com a desfaçatez dos que invocam razões dessas para me atacarem. Afinal, limito-me a respeitar e a defender o livre direito de associação, exercendo-o. Limito-me a aplicar e a defender o princípio da igualdade de género dentro das lojas, a lutar para que se apliquem esses direitos constitucionais. Infelizmente, não tenho muitas ilusões e sei qual o destino de quem ousa pôr em causa a autoridade estabelecida. Por isso, é na Grande Loja Simbólica da Lusitânia, onde também pertenço, que conseguimos trabalhar com a força e o vigor possíveis. Aí, encontramos o ambiente propício à construção de melhores pessoas, percebendo todo o alcance da iniciação. Orgulho-me de ser maçon e de ser reconhecido como tal pelos maçons. Os que me não reconhecem, podem pertencer à Maçonaria, mas duvido que sejam maçons.
Há discriminação na Maçonaria?
Sim há, em algumas organizações maçónicas há. Sobretudo contra as mulheres. Por isso é que, agora, ver e impulsionar a criação de uma loja maçónica de pessoas, sem rótulos do tipo, regular, liberal, feminina, mista, adogmática, ou outras, é um sonho realizável que nada tem de especial, mas é tratado como algo transcendente.
Acredita que essas leis vão mudar?
Não sei. Até agora, a mais antiga potência maçónica portuguesa, não tem conseguido encontrar dentro de si as forças necessárias para a mudança. Outras [LER_MAIS]grandes potências maçónicas congéneres, já fizeram. O Grande Oriente de França, ou o Grande Oriente da Bélgica, por exemplo. Só no Grande Oriente de França, 75% das lojas maçónicas, que agrupam mais de 22 mil maçons, são mistas. Há espaço para todos. Os que querem lojas de pessoas, lojas só de mulheres ou lojas só de homens.
O David nunca utiliza o termo “obediências maçónicas… fala de organizações, potências, grandes orientes, lojas, porém, nunca “obediências”. Porquê?
Não gosto. Às vezes, também falo assim, mas logo me arrependo. Afinal, é por levarem à letra essa expressão, que há grão-mestres que se julgam o Papa, e tendem a agir como donos da livre consciência dos maçons. Não dou para esse peditório.