Neste ano lectivo, segundo dados provisórios cedidos pelo Politécnico de Leiria, a instituição conta com 12.500 estudantes. O valor, explica fonte da instituição é ainda provisório por ainda estar a decorrer o processo de regularização de inscrições, nova matrículas, candidaturas a mestrado e pós-graduações, pelo que o valor final poderá ser superior.
Já houve um tempo, em que deixar a terra natal para ir estudar fora era sinónimo de mudança radical e quase uma entrada forçada na maioridade. Hoje, já não é bem assim. Os jovens estão habituados a viajar e a depender de si próprios e de mais ninguém. O JORNAL DE LEIRIA foi falar com alguns dos alunos do Politécnico de Leiria e questioná-los sobre as mudanças próprias do percurso estudantil e indagar das suas primeiras impressões e primeiros contactos com a cidade que os acolheu.
Uns estão a iniciar o plano curricular de licenciatura, outros já passaram um ano na cidade e, outros ainda, são estudantes de mestrado vindos do outro lado do mundo. O facto de Leiria ser uma cidade pequena, calma, com tudo concentrado, agrada-lhes e tem sido facilitador de novas experiências, amizades, convívio e até de aplicação nos estudos.
Mudança sem percalços
Daniela Piedade, 19 anos, é de Santa Maria, nos Açores, e ingressou, em segunda opção, no curso de Comunicação e Media, na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (ESECS), em Leiria. Diz que a transição entre a vida insular e o quotidiano à beira-Lis foi fácil. “Encontrei a cidade calma de que estava à espera. Não criei muitasexpectativas porque nunca cá tinha vindo”, conta. Em primeira opção, diz, de sorriso franco, enquadrado por longas melenas, preferiria ter ingressado em Jornalismo, na Universidade de Coimbra.
Admite, porém, que ficou bastante contente com Leiria. “Foi uma mudança sem percalços.” No dia a seguir à saída das colocações, já tinha assegurado alojamento perto do campus da ESECS. “A cidade é pequena o suficiente para conseguir ir a pé a todo o lado”, refere.
Uma cidade das ilhas em Portugal continental
De porte esguio e sorriso tímido, Gustavo Mendonça, 21 anos, é da cidade de Praia da Vitória, na Terceira, também no arquipélago dos Açores. Na voz, um ligeiro sotaque atlântico. Os dias passados nas salas de aula da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, no Morro do Lena (Leiria), onde frequenta, após um ingresso na primeira opção, um cTESP de Programação, em Engenharia Informática, não diferem muito daquilo a que estava habituado. “É uma cidade parecida ao que temos na Terceira. Está tudo juntinho e pertinho”, conta.
“[Leiria] é uma cidade parecida ao que temos na Terceira. Está tudo juntinho e pertinho”
Só nota uma diferença. Na ilha, deslocava-se de carro e, em Leiria, descobriu o Mobilis. ” Tudo pesado, até agora, não foi nos usos e costumes de Leiria onde encontrou maiores dificuldades. Foi na busca de alojamento. “Tive alguma dificuldade em arranjar casa. Os preços eram elevados e pareceu- -me que os sítios que fui ver não valiam o que me pediam.”
Acabou por optar por partilhar uma casa com mais dois estudantes do ensino superior, também alunos na ESTG, aventura que começou há cerca de um mês e que tem tido frutos positivos, ao nível da convivência e interajuda. “Arranjei casa partilhada na Avenida Nossa Senhora de Fátima. Estou-me a adaptar bem”, garante. Diz que há muitos açorianos no continente e que, há dias, foi a Coimbra a um encontro de insulares. “Eles lá juntam-se para fazer jantares.”
Fazer um mestrado no outro lado do mundo
Deixou a família e a filha pequena em Dili, para enfrentar longas horas de viagem de avião, os transbordos e as esperas em aeroportos estranhos. Noémia Auxiliadora Ruasi, 34 anos, chegou, na semana passada, de Timor, literalmente do outro lado do Mundo, Veio para estudar na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, o Campus 4, do Politécnico de Leiria, instalado mesmo ao lado do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, em Peniche.
“O nosso país é muito religioso e há uma grande ligação a Deus. Fátima é a única terra que é muito famosa em Timor”
“Sou aluna de mestrado na área de Segurança Alimentar”, diz num português ainda inseguro, porém perfeito. Esta é a segunda vez que passa por Portugal, depois de um estágio e estudo comparativo na Escola Superior de Tecnologia da Saúde, em Lisboa, em 2016. Explica que escolheu a ESTTM porque está interessada em viver num local com um ambiente diferente dos de Lisboa e Leiria.
Conhece Peniche de fotografias e de pesquisas na internet e agrada-lhe o que já sabe da cidade. “Sei que é uma pequena localidade perto do mar e que faz parte do distrito de Leiria”, diz. Mas os seus olhos brilham quando diz que é perto de Fátima, não escondendo a sua devoção a Nossa Senhora.
Quando terminar os dois anos de mestrado, pretende regressar para a ilha natal. “Sou professora na Universidade de Timor Leste e quero introduzir nas disciplinas que ensino todos os conhecimentos e procedimentos que irei aprender no Politécnico de Leiria. Há muitas diferenças entre o que se faz em Portugal e em Timor, na Segurança Alimentar. Vim para melhorar conhecimentos e políticas, nesta área, no meu país.”
Natal longe de casa
Ao lado de Noémia, Maximiano Oqui, 30 anos, serve de intérprete de português para tétum, a língua de Timor, quando as perguntas são mais complexas. Também é aluno de mestrado e veio de Timo, mas já está em Leiria desde o ano passado. É, como Noémia, professor na Universidade de Timor Leste.
“Este mês completam-se dois anos que estou a tirar um mestrado na área de Enfermagem – Pessoas em Situação Crítica – na Escola Superior de Saúde de Leiria. Espero regressar a Timor no próximo mês para continuar a trabalhar na universidade e aplicar e partilhar com os meus estudantes toda a experiência que aprendi aqui em Portugal.” Em Março do ano passado, sentiu necessidade de voltar a casa e aplacar a saudade que, no peito, já lhe apertava o coração, até ficar, parecia, do tamanho de uma ervilha.
“Leiria é uma cidade calma e tranquila, muito diferente de Lisboa, Porto ou Braga”
“Vi a família, vi o meu filho, fiz férias e aproveitei para fazer lá uma investigação na universidade, para completar o grau de mestrado.” Admite que lhe custou muito passar sozinho o Natal longe do seu país. “Leiria é uma cidade calma e tranquila, muito diferente de Lisboa, Porto ou Braga. Mas é uma experiência nova e é muito importante poder ter tido a oportunidade de estar a aprender em Portugal.”
A maior dificuldade, quando chegou, habituado que estava a exprimir-se maioritariamente em tétum e bahasa – indonésio -, foi falar em português. Agora, passados quase dois anos, olha para trás e com uma gargalhada, diz, num português escorreito e correcto, que foi “uma coisa complicada”, mas agora já está “mais ou menos”.
Jade veio da China
Jéssica, 21 anos, chegou em Setembro do norte da China, da província de Shanxi. Antes estudou dois anos na Universidade de Sichuan, sendo aluna da licenciatura em Língua Portuguesa Aplicada, criada e administrada pelo Politécnico de Leiria. “Jéssica” é o “nome português” desta jovem de traços e maneira de ser delicados.
Foi escolhido pelo professor coordenador do curso, para facilitar a integração da aluna no Politécnico. O seu verdadeiro nome é Zhao Qi, sendo que Qi significa Jade. Quando terminar os estudos, será licenciada pelo Politécnico de Leiria. No futuro, diz, o facto de ter escolhido este curso abrir-lhe-á muitas oportunidades de trabalho.
“Achei que não me pudesse acostumar à comida daqui, mas quando cheguei, percebi que gosto da comida portuguesa. É muito boa”
Muito pragmática, quando se lhe pergunta as diferenças detectadas entre Portugal e China, aborda os estudos: “na China, prefere-se ensinar a teoria da língua, mas, aqui, presta-se mais atenção à prática. É por isso que penso que a minha oralidade não é muito boa.” “Vou trabalhar mais para melhorar”, promete num português cauteloso, mas sem mácula.
À sua espera em Leiria, tinha o professor Daniel, também chinês, que orientou a jovem com os primeiros contactos e com as dificuldades na língua. “Achei que não me pudesse acostumar à comida daqui, mas quando cheguei, percebi que gosto da comida portuguesa. É muito boa.”
“Já me disseram que sou do Porto”
De Quito, Equador, Lúcio Sebastián Vivanco Naranjo chegou em 2018, mas já poderia passar por leiriense. Muito conversador e expansivo, como qualquer jovem de 19 anos, usa termos como “bué” e “beca”. “Já me disseram que sou do Porto e de Braga, à conta do meu sotaque. Quando cheguei, falava só uma beca de português, mas o tempo e os amigos ajudaram. Ao fim de três meses, já me conseguia desenrascar a falar, mas na escrita foi mais complicado.”
Frequenta a licenciatura de Desporto do Politécnico de Leiria porque, quando estava a frequentar o ensino secundário, foi abordado durante uma digressão pela empresa Ecuador Global que lhe deu a conhecer universidades e politécnicos portugueses. “Tenho de ser sincero. Não entrei na minha primeira opção. Essa era ser jogador da bola, mas o meu pai não deixou. Agora quero ser treinador ou preparador físico.”
Antes de se candidatar, o progenitor aconselhou-o a visitar Leiria e a escola. “Quando cá cheguei, achei que era uma cidade muito parecida à do meu avô, que é bué pequena, mas, como esta, tem tudo. E eu curto bué. Podes chegar a todos os lados a pé e não precisas de ter carro.” Quando terminar os estudos, pretende ficar a trabalhar em Portugal.
Até lá, ocupa o tempo com os estudos e joga nos Juniores do Grupo Desportivo Recreativo da Boa Vista, nos arredores da cidade. “No sábado, ganhámos por 6-0 ao Caseirinhos. Eu marquei dois golos”, conta, com orgulho. A saudade é a única coisa que tira, por momentos, o sorriso a Lúcio.
“Fiz as cadeiras todas no ano passado e fui dois meses de férias ao Equador. Voltei uma beca mais gordo e cerca de uma semana depois, comecei mesmo a sentir as saudades, que não tive durante um ano. Quando lá estava, a minha mãe estava sempre a fazer-me a comida. Agora, depois dos jogos, tenho de ir fazer o jantar, quando já estava acostumado a ter um banquete em casa”, ri.
“Quero voltar a visitar Fátima”
Nos tempos livres, embora estejam cientes de que vivem numa cidade com muita oferta cultural e de lazer, os alunos escutados pelo JORNAL DE LEIRIA preferem dar longos passeios ou ficar a descansar. “Aproveito para ficar no sofá, a ver televisão, ou a rever matéria para ter bons resultados académicos e ir mais cedo para casa”, diz Daniela Piedade. O outro açoriano do grupo, Gustavo prefere dar voltas pela cidade, para a conhecer melhor. “E de ver televisão e estar no computador. Estudar também”, diz.
A praxe também não lhes tem dado grande descanso. “Temos de descansar da praxe ou ir à praia.” Noémia tem uma prioridade para quando tiver algum tempo livre: “quero voltar a visitar Fátima”. Já lá esteve em 2016 e adorou o sentimento de paz e felicidade que encontrou. “O nosso país é muito religioso e há uma grande ligação a Deus. Fátima é a única terra que é muito famosa em Timor.”
Maximiano elege as saídas e convívio com os amigos aos fins-de-semana. “Já visitámos Lisboa e o Estádio da Luz”, diz, mostrando as suas garras benfiquistas. “E fomos ao Porto e a Coimbra. Aproveitei o tempo para conhecer o País.”
Zhao Qi ainda não conseguiu ir a concertos, cinema ou teatro, mas pretende ir. “Para já, tenho aproveitado para visitar a cidade e.. .dormir”, diz. A aluna chinesa não sabia bem o que era a praxe, mas a descrição de outros jovens, pintados, a fazer exercícios físicos, vestidos de preto no relvado da escola fê-la soltar um “ahhhh! Eu já vi isso”, seguida de uma gargalhada.
Lúcio não só estuda Desporto, como vive desporto e adora futebol. Já conhece Leiria como a palma da mão e agora está a coleccionar idas aos estádios das principais equipas nacionais. Já foi a Alvalade duas vezes. “Uma para ver um jogo da Liga Europa e outra para um Sporting – Porto. E já fui ao Estádio do Vitória de Guimarães. Também curti ir.”
O próximo será o Estádio da Luz, para ver o próximo jogo da Selecção Portuguesa. “Mas a minha vida não é só futebol. Gosto de passar algum tempo no miradouro que fica em frente ao castelo, a ouvir música. Gosto de ir beber café com os meus amigos. O pessoal da tuna é bué porreiro. Também jogo peladinhas no parque do avião”, resume.