Está neste cargo desde 2015. Quais têm sido os maiores desafios?
A preocupação de aumentar o número de praticantes. A própria Federação Portuguesa de Futebol tem tido essa preocupação e tem sido excelente em arranjar fundos para os clubes. Seja aquando da Covid-19, ou mais recentemente, com os programas “Crescer 2022” e “Crescer 2024”. Temos agora 140 mil euros para distribuir segundo as candidaturas dos clubes. Esta é uma fase que se segue à anterior, com o “Crescer 2022”, onde tivemos 390 mil euros e apoiámos 16 clubes nas mais diversas formas. Agora estamos no “Crescer 2024”, cujo prazo para as candidaturas termina a 17 de Dezembro. Temos que aumentar o número de instalações para dar resposta à procura. Mas temos um problema em Portugal, onde existem dois países. Em um terço do País está 70% da população, e depois temos dois terços com 30% da população. Nos últimos anos temos tido, de forma mais intensa, actividades com Coimbra, Santarém, Castelo Branco, Portalegre, para rentabilizar os clubes. Porque, caso contrário, muitos só andam a fazer quilómetros. Tem havido uma grande ajuda das câmaras municipais, e se não fossem estas, não havia o desporto que há. Também tem sido importante a reestruturação das federações. Somos 10 milhões de habitantes, temos os piores índices de participação desportiva da Europa, mas em todas as modalidades aparecem grandes talentos. Inclusive no futebol feminino. Muito porque esta direcção da FPF começou a implementar o que já havia no futebol masculino. Em que não é só ter a selecção, mas também os torneios inter-associações por escalão, e as selecções intercalares.
Em Leiria estamos também a crescer muito no futebol feminino.
É tudo uma relação entre a oferta e a procura. Começaram a haver clubes a proporcionar essa oferta e apareceram dezenas de miúdas. Havendo condições, a prática acontece. O problema que existe bate nos 50 milhões de euros previstos no Orçamento do Estado de 2024 para a juventude e o desporto. Segundo a Organização Mundial de Saúde, os jovens dos 5 aos 11 anos têm que ter pelo menos um estímulo diário de 60 minutos, têm de dormir entre 9 a 11 horas por noite, e não devem ter mais que duas horas de actividades com ecrã. No 1.º Ciclo, um terço dos miúdos são obesos. Isso resolve-se com actividades. Não tem de ser futebol. Pode ser um rancho, filarmónica, pintura. Com a obesidade e a inactividade que existe, o custo ao País é de 1,2 milhões ao ano. Por outro lado, em países como os Estados Unidos da América, sabe-se que um dólar investido em programas desportivos tem um efeito de aproveitamento de três vezes na saúde. Andamos sempre a falar da doença e dos custos para tratar a doença, e não se fala da saúde e da prevenção.
Recuando aos principais desafios do seu mandato.
Passam pelo apoio aos clubes para melhorarem as suas instalações. Com as nossas galas anuais temos dignificado os campeões e as práticas desportivas, e o melhor aluno/jogador. Também desde 2014/15 existe um instrumento [certificação] para clubes de futebol e futsal. No fundo, é verificar se os clubes estão conforme a lei. Se os treinadores têm os cursos, planos de treino, se os clubes têm desfibrilhador nas instalações, médico, fisioterapeuta, um plano de transição para o futuro. São nove dimensões de análise, e é um instrumento fantástico. Antes de 2014, quando reuníamos com um clube, o tema que nos falavam era a arbitragem. A partir dessa altura passou-se a abordar o desenvolvimento da modalidade. Temos vindo sempre a crescer em Leiria. O ano passado tínhamos 67 clubes certificados e este ano temos 73.
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E no futebol de formação, o que ainda há a melhorar? Têm sido dados alguns passos…
Os passos passam pela melhoria que os clubes vão registando. E tudo se traduz depois na competição. A Divisão de Honra é um bom espaço para treinadores, jogadores e clubes evoluírem e prepararem-se para os nacionais, quando isso acontecer. Temos alguns programas a decorrer, como um intitulado “Integridade”, onde vamos aos clubes explicar a importância da ética, nomeadamente as preocupações com o match fixing, que é um autêntico veneno. As apostas dos jogos, em que toda a população é atraída por essas práticas e depois não resistem a jogar. Temos outro programa, o “Saber Estar”, construído com os clubes, onde, em ligação com os pais, discutimos as boas práticas de intervenção dos pais nas bancadas.
Como avalia esses comportamentos dos pais?
As nossas acções têm corrido bem. O problema é que existem relatórios da polícia onde o crescimento do número de incidentes tem sido na assistência dos pais, que aumentou quatro vezes no nosso País. Recentemente foi apresentado em Santarém o livro “Pais e Atletas no Futebol”, onde a AF Santarém entrevistou os miúdos sobre esta matéria. E é giro ver as respostas. Dizem que só querem jogar, divertir-se e que até têm vergonha das intervenções dos pais na bancada. Os miúdos querem é brincar, não é ganhar. Isso é noutra idade. Outra questão é que em Portugal apenas um em cada cinco mil jogadores masculinos assinam um contrato profissional. E isso não significa que esse jogador depois acabe por seguir no futebol.
E que avaliação faz do futebol distrital actualmente?
No nosso distrito tem aumentado o número de praticantes. Pensava que seria difícil, atendendo às dificuldades do número de instalações. Mas o que é certo é que tem aumentado e, à data de hoje, faltam-nos cerca de 300 atletas para atingirmos o número registado no final da última época, onde tínhamos 11.715 atletas. Tudo isto resulta de uma boa organização dos clubes, com os apoios das câmaras, empresários, patrocinadores, e os programas da AFL. Os clubes reorganizaram-se e modernizaram-se após a pandemia e têm feito um trabalho fantástico. Em alguns clubes começa a ver-se o cargo de presidente a ser assumido por uma mulher. Está a haver uma renovação da dinâmica interna dos clubes, que hoje têm várias funções. Uma é a prática desportiva, outras relacionam-se com a saúde e o combate à pobreza. Geralmente os clubes dão umas sandes, umas bebidas, há sempre jantares e almoços, portanto, também têm tido esta função. Há ainda a questão da inclusão, onde temos tido solicitações de meninos com problemas cognitivos, que adoram estar no banco e junto aos colegas, e que pedem para fazer a inscrição. Por outro lado, têm também a função de combater a desertificação dos territórios. Em muitos sítios, se os clubes desaparecerem, a seguir só falta a junta de freguesia e a igreja. Temos pessoas que dedicam décadas a um clube, com um constrangimento muito grande hoje em dia, que é o aumento das inscrições. Aumentou sobretudo devido ao seguro desportivo. Em Leiria aumentou na ordem de 50%, tendo o custo de inscrição de um atleta sénior no futebol passado de 64 para 84 euros. Por cada jogador. Portanto, se inscrevem 30, agrava muito.
O seu plano de acção para este mandato tem como mote “Renovar e Inovar”. Em que áreas é necessária esta renovação?
A renovação pretendida era ao nível dos meios tecnológicos, e tem-se feito. É também esta tentativa de melhorar as instalações, procedimentos, conhecimentos. A renovação dos campos pelados por relvados tem-se feito, a iluminação, balneários. Tudo isso é importante. Além dos programas “Crescer 2022” e “Crescer 2024”, no nosso plano de actividades também temos o apoio à renovação das instalações.
Um sonho antigo da AFL é ter uma Academia. Até 2027 vamos ver concretizado esse objectivo?
A Academia ficará em Leiria, em ligação com a União das Freguesias de Parceiros e Azoia e o município, e estamos agora a finalizar pormenores para continuarmos com o processo. Ainda antes do final do mandato será inaugurada. Ficará numa freguesia em expansão, junto a uma escola de 1.º Ciclo e ao pavilhão, acessível para todas as actividades da escola, e para ser utilizada pelas pessoas. Vai ter todo interesse. Não só para nós, mas para os jovens e os clubes do concelho que queiram utilizar.
Um dos problemas que tem apontado é a sub-orçamentação do futebol. Precisa de haver uma mudança a nível nacional?
Por vezes chego a achar esquisito o que acontece. Temos vários clubes de ponta fantásticos, e se não fossem esses clubes, não havia desporto de alto rendimento em Portugal. Mas o motor de toda essa actividade e esse clube é o futebol profissional. E o futebol profissional no nosso País tem que funcionar à sua custa, não pode haver apoios públicos explícitos. Os apoios que devem ser feitos é à formação. Não existe uma assunção do desporto como desígnio nacional, como acontece em Espanha, onde no PRR definiram 10 eixos, sendo um deles o desporto. Em Portugal o desporto não consta no PRR. Há uma rubrica muito baixa para uma situação, mas especificamente para o desporto não há. As pessoas caíram naquela ideia que já se fez o apoio no Euro 2004 e já se arranjaram 10 estádios, em que há dois ou três que não funcionam. Isso não é totalmente verdade. O apoio que houve em 2004 do Estado para o desenvolvimento dos 10 estádios, teve de ser assim, porque se não fossem os 10, perdia-se a candidatura. O valor global foi cerca de 550 milhões de euros. Precisamente o valor que, passados uns anos, foi gasto num só estádio na Irlanda. Até o investimento aqui feito foi relativamente barato. No caso de Leiria, poderá ter havido um aumento dos custos, devido à construção da ponte e à melhoria dos espaços em redor, que hoje são uma mais-valia para a cidade e para a região. Agora, os clubes hoje em dia, sobretudo os profissionais, são empresas, que têm objectivos desportivos, mas também o objectivo do lucro e de uma boa execução económica e financeira. São situações diferentes, os campeonatos profissionais e os campeonatos não profissionais.
Como perspectiva o futuro do futebol distrital?
Temos boas condições para continuar a evoluir, para ter bons resultados, porque temos clubes muito bons, com dirigentes fantásticos e dedicação plena aos seus clubes. Não tendo hipótese de adivinhar, mas segundo os números conhecidos e o trabalho desenvolvido, penso que o futuro será risonho. E cada vez mais a participação desportiva vai melhorar. O aumento do número praticantes também vai obrigar a haver mais instalações, e vai-se alargando conforme as possibilidades. Infelizmente só a nível governamental o desporto não tem sido considerado um desígnio nacional.