O percurso de Margarida Poças Serrano dava um livro. Dava e deu.Uma vida luso-francesa(Le Fado de la mère, na versão francesa) é um romance social inspirado na trajectória de filha de emigrantes da autora, natural de Reguengo do Fétal, Batalha, mas também da luta de uma rapariga para “escapar ao destino que o pai lhe tinha traçado de mulher submissa ao chefe de família e aos homens em geral”.
A obra, recentemente apresentada no Reguengo do Fétal, aborda ainda a importância fulcral que os livros tiveram na vida da autora, emigrada em França há 55 anos. “Foram eles que me salvaram”, afirma Margarida Serrano, que se formou em educação especial já depois de casada e do nascimento dos três filhos e que trabalhou com jovens autistas e com refugiados.
Margarida Serrano – que só descobriu na escola em França que esse era o seu nome, porque até ali sempre a trataram por “Fetalita” em homenagem à Nossa Senhora do Fétal – chegou a Saint-Maur des Fossés em 1966.
O pai e a irmã mais velha tinham ido três anos antes. Ela chegou com a mãe e as outras duas irmãs. Foi “um choque”. Habituada a “toda a liberdade do mundo” numa pequena aldeia portuguesa, viu-se “fechada atrás do portão” da casa onde o apoia acolhia, num anexo, outros portugueses que acorriam aos arredores de Paris. Havia ainda a barreira da língua que, num ano, conseguiu ultrapassar.
Seria ainda na escola primária que caiu nas ‘boas amarras’ dos livros, quando recebeu, como presente por ter terminado o ano, um exemplar de Cosette de Victor Hugo. “Li-o mais de 150 vezes. Só tinha aquele”, recorda[LER_MAIS] Margarida Serrano, que se tornou uma cliente habitual de bibliotecas.
Sessões literárias, a “missa” semanal
Na adolescência, as emissões literárias de Bernard Pivot, na televisão francesa, ajudaram-na a descobrir autores e guiar-se pelo mundo dos livros.
“Era a minha ‘missa’ semanal. À sexta-feira à noite fechava-me no quarto e devorava o programa”, conta, assumindo o papel que os livros tiveram na sua infância e adolescência para se refugiar da relação difícil com o pai e do estado de “tristeza permanente” em que a mãe vivia.
Apesar do sonho de estudar literatura, aos 16 anos acabou, por imposição do pai, a trabalhar numa fábrica de rebuçados. “No intervalo lia e era gozada”.
Mas Margarida pouco se importava que se rissem dela por ler e todo o dinheiro que o pai lhe dava de parte do seu salário era para comprar livros. Até aos 21 anos, trabalhou em lojas e mercados.
Depois, casou e teve três filhos, apenas com um ano de intervalo. Quando o mais novo entrou para a escola, começou a fazer voluntariado num centro social, onde descobriu a vocação por esta área.
Regressou à escola percebendo, então, a “bagagem cultural” que os livros lhe tinham dado pela facilidade com que fez exames e conseguiu equivalências. Formou-se em educação especial e esteve dez anos numa instituição que acompanhava crianças autistas.
Mais tarde, especializou-se na intervenção em pessoas com psicoses graves, como esquizofrenia, área onde trabalhou seis anos, antes de se dedicar à inserção profissional de adolescentes com deficiências “ligeiras”.
Na parte final da sua carreira, acompanhou, para melhor inserção social e profissional, refugiados em França por razões sanitárias e climáticas.
Pelo meio, enquanto frequentou a especialização em psicoses, surgiu a ideia para o seu primeiro livro – L´ Educatrice-, com base no trabalho de final de curso.
“A par da componente técnica, juntei experiências profissionais e procurei dar alguma beleza às palavras”, conta. Seguiu-se Le Fado de la mére, que adaptou agora à versão portuguesa (Uma vida luso-francesa).
Tem um outro livro escrito, que aborda a vida de uma mulher de 40 anos, e mais um “em projecto”.
“Até tenho medo de dizer a palavra escritora. Talvez me considere autora”, refere Margarida Serrano, que elege Marguerite Duras e Gustave Flaubert como os seus escritores de eleição, numa lista onde cabem também Honoré de Balzac e Émilie Zola e