O que pode ser considerado uma alimentação saudável?
Há um conjunto de evidências que nos permite identificar o que é um padrão alimentar saudável, que está representado naquilo que é o guia alimentar para a população portuguesa, que é a roda dos alimentos, e que nos ajuda a identificar o que é que devemos consumir diariamente e em que quantidades. Estamos a falar de recomendações que são dirigidas para pessoas saudáveis e ajustadas às necessidades de diferentes grupos etários, cujas quantidades diferem. Este guia alimentar identifica um conjunto de alimentos que estão agrupados de acordo com as suas características nutricionais. Aqui destacam-se aqueles que são de origem essencialmente vegetal, com a fruta e as hortícolas a terem um grande destaque na nossa alimentação. Mais de metade da população portuguesa não consume diariamente a quantidade recomendada para estes alimentos. Este é dos principais erros alimentares dos portugueses. Nos grupos mais jovens, mais de 70% não cumpre as recomendações. É uma percentagem muito elevada. Temos também os alimentos do grupo dos cereais, que ocupam uma maior proporção na roda e que devem estar diariamente presentes na nossa alimentação. Os portugueses têm um consumo acima da recomendação dos alimentos do grupo da carne, pescado e ovos. Há também um grupo alimentar muito importante que temos deixado de lado nos últimos tempos, que são as leguminosas. Falo do feijão e do grão, que são alimentos muito típicos da nossa tradição alimentar e que muitas vezes eram colocados nas nossas preparações culinárias, substituindo, por exemplo, a carne e o pescado. Há ainda um conjunto de alimentos que não fazem parte da roda dos alimentos e que têm um peso importante na alimentação: têm pouco interesse nutricional e só acrescentam essencialmente calorias. Um exemplo muito claro deste tipo de produtos são os refrigerantes, constituídos por água com açúcar. Cerca de 40% dos jovens inclui estas bebidas ao seu dia alimentar.
Como se pode mudar os hábitos alimentares nos jovens?
Temos de tornar os alimentos saudáveis mais disponíveis e fazer com que sejam bem confeccionados, porque sabemos que não é fácil as crianças gostarem destes produtos. Os hábitos alimentares que se criam numa fase muito precoce da nossa vida são determinantes. Nos primeiros meses de vida deve-se introduzir estes alimentos de forma repetida e apresentando- os de forma distinta e individualizada. Os hortícolas estão na sopa, que é uma excelente forma de promover o seu consumo, mas também temos de os colocar de forma individual no prato para treinar o gosto por estes alimentos. Também se consegue com muita facilidade ter sucesso ao trabalhar estes temas com as crianças numa fase mais precoce. Não é um trabalho que passe só pela escola, também tem de ser feito em casa.
Os portugueses comem bem ou já comeram bem?
São vários os factores que determinaram um conjunto de alterações nos nossos hábitos alimentares, condicionados por aquilo que é a oferta, que é muito [LER_MAIS]distinta da do passado, mas também muito condicionada pelo nosso estilo de vida actual. Muitas vezes, o nosso tempo disponível para confeccionar os alimentos não é compatível com a necessidade de fazer refeições em casa, de investir tempo na compra, e na preparação dos alimentos. Sabemos que algumas práticas culinárias que são consideradas mais saudáveis levam mais tempo e exigem mais competências e foi algo que também se foi perdendo ao longo do tempo. Não há um factor único que explique estas alterações nos hábitos alimentares. É um conjunto muito relacionado com o nosso modo de vida actual e que leva a uma procura por produtos mais convenientes, de utilização mais rápida e que, na sua maioria, têm um menor interesse do ponto de vista nutricional. Utilizamos cada vez menos alimentos frescos e mais alimentos processados, com impactos negativos na qualidade da nossa alimentação. Relativamente àquilo que é a alimentação actual dos portugueses, temonos vindo a afastar daquilo que era o nosso padrão alimentar tradicional: o padrão mediterrânico. Agora temos uma percentagem muito baixa da população portuguesa que segue o padrão alimentar mediterrânico, que é um modelo de consumo benéfico, quer para a nossa saúde quer também para o meio ambiente.
Qual o impacto de uma má alimentação?
Sabemos que em Portugal os hábitos alimentares inadequados são um dos factores de risco que mais condicionam a nossa perda de anos de vida saudáveis. A nossa esperança média de vida aumentou mas também vivemos mais tempo com doença. Temos mais de 50% da população portuguesa com excesso de peso ou obesidade. A obesidade ultrapassa os 20% e, em crianças, o excesso de peso e a obesidade são cerca de 29%. Temos também uma elevada prevalência da diabetes, uma das mais elevadas a nível europeu. A hipertensão também tem uma prevalência de cerca de 36% da população e as doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte em Portugal, o que também está muito associado a comportamentos alimentares inadequados.
De que forma a alimentação pode contribuir para ajudar a recuperação de um doente?
Os factores de risco que condicionam a grande maioria da carga da doença em Portugal são modificáveis. Se modificarmos a alimentação conseguimos de alguma forma alterar ou prevenir um conjunto de doenças. Devemos começar pela aposta na prevenção, porque a modificação de alguns comportamentos pode prevenir um conjunto alargado de doenças crónicas. A terapêutica nutricional é muito importante para o tratamento de doenças.
A população deveria ter um acesso mais facilitado aos nutricionistas?
Esta é uma área centralíssima. Devemos apostar naquilo que é a capacidade de resposta dos cuidados de saúde primários. É uma área que está definida pelo Ministério da Saúde como prioritária para melhorar o acesso aos cuidados de saúde. Na área do aconselhamento da alimentação saudável, os cuidados de saúde primários têm um papel muito importante e os nutricionistas são os profissionais mais habilitados para o fazer. O nosso objectivo é que os cuidados de saúde primários sejam cada vez mais capazes de identificar pessoas que têm pré-obesidade e pessoas que beneficiam de aconselhamento para um estilo de vida mais saudável. Desta forma criam-se oportunidades para que essas pessoas possam ter acesso a um plano de intervenção para reverter a situação e melhorar uma série de comportamentos.