O elevado preço dos quartos tem sido a grande preocupação das famílias dos estudantes que ingressam no ensino superior, sobretudo nas grandes cidades. Tirar um curso superior vai voltar a ser apenas para as elites?
Espero de todo que não. O caminho que fizemos de democratização de acesso ao ensino superior não nos vai permitir retroceder. O País mudou completamente desde 1974, quando havia três universidades centrais. O caminho tem sido exactamente o oposto. A qualificação é o maior elevador social. Esteve cá o primeiro-ministro, que dizia que só somos iguais a partir do momento em que todos temos acesso à educação, e em que partimos todos de uma base comum. Agora, a questão actual tem muito a ver com as dificuldades que as famílias têm em ter os filhos a estudar, sobretudo os deslocados. É um drama, porque podem querer tirar Engenharia Aeroespacial no Porto, que tem a melhor média do País, e não ter condições financeiras para isso. Quem tem condições económicas, tem outra vantagem, mas no acesso também é um bocadinho assim. As pessoas com melhores condições económicas têm capacidade para ter os filhos em explicações. A nível nacional, nos politécnicos temos a oferta formativa de TeSP [curso Técnico Superior Profissional], que tem sido uma grande solução para frequentar o ensino superior, pela disseminação no território. Neste momento, está em mais de 140 concelhos, ou seja, quase metade do País já tem cobertura de oferta de ensino superior. Só no IPCA [Instituto Politécnico do Cávado e do Ave], concorreram 3.050 jovens e adultos. As famílias acabam por aproveitar esta oportunidade de ter um ensino de proximidade.
Como é que se pode resolver este problema?
Só se pode resolver com mais oferta de alojamento. Enquanto as novas residências de estudantes não estiverem prontas, teremos dois anos dramáticos, em que não haverá quartos, e os que há são caríssimos. Assim, é impossível as famílias terem os filhos a estudar. Chegamos a um ponto, em que pode acontecer que seja apenas para uma elite. É isto que as políticas públicas têm de trabalhar, para não permitir que só quem tem condições financeiras consiga prosseguir estudos.
As bolsas de estudo são suficientes para fazer face a esta situação?
Não, mesmo tendo aumentado, no ano passado, os valores actuais são muito baixos. O incentivo que vão dar, este ano, de pagar 50% do complemento de alojamento aos alunos que não tenham bolsa, mas estejam naquele intervalo de quase ter, é positivo, mas não é suficiente.
Qual é a taxa de abandono no ensino politécnico?
Em termos globais, a taxa de abandono nos TeSP é mais elevada, fruto do tipo de alunos. Uma grande parte vem de contextos socioeconómicos mais complicados e depois, muitas vezes, não se identifica com o curso, porque não era aquela opção que queria. Mas é o ensino mais próximo, que lhes permite continuar a estudar. Nos TeSP, a taxa de abandono anda acima dos 20% e nas licenciaturas anda nos 10, 12%. Nos mestrados é mais baixa, porque há outra maturidade.
O que está a ser feito para combater o abandono?
Há muitos projectos aprovados, até com financiamento estatal, para as instituições terem capacidade para desenvolver medidas de combate ao abandono. Em muitos casos, é pela situação financeira, noutras vezes, os jovens não se adaptam ao ensino superior. Uma boa integração é meio caminho para as coisas correrem bem. Temos o abandono formal, em que o aluno vai aos serviços académicos e faz um requerimento a dizer que não quer continuar a estudar. E aí, às vezes, conseguimos reverter. E depois há o abandono não formal, que é mais difícil de controlar, porque o aluno deixa de aparecer na sala de aula. No IPCA, este ano, vamos implementar as presenças obrigatórias, para monitorizar o aluno que deixa de registar presença. Automaticamente, é reportado ao Gabinete da Promoção do Sucesso Académico, para evitarmos o abandono. Temos de tentar perceber porque é que isso está a acontecer. Muitas vezes, há o drama de já não haver nada a fazer. Mas isto também tem a ver muito com as famílias, e com o contexto de onde os alunos vêm. Os estudos mostram que há uma valorização menor do ensino superior nos contextos mais desfavorecidos. Não havendo uma melhoria dos salários das famílias, mais difícil é os alunos estudarem, e isso repercute-se no desenvolvimento do País.
Os estudantes que entraram no ensino superior nos últimos anos beneficiaram do facto de só terem de fazer uma ou duas provas de ingresso, por as aprendizagens não terem ficado consolidadas durante a pandemia. Revê-se nesta fórmula de acesso ao ensino superior?
O CCISP manifestou-se contra a mudança nas regras de acesso, na altura, mas não fizemos valer a nossa posição, porque ficámos todos contentes com o aumento dos estudantes no ensino superior, mas no próximo ano isso vai mudar radicalmente. O aluno tem de fazer exames para ter o 12.º ano concluído e, pelo menos, três exames para aceder à universidade, e a Medicina serão quatro. Fizemos estudos na altura, com base nos concursos anteriores, e se as regras tivessem sido essas ficavam muitos alunos de fora. Portanto, o grande impacto será no próximo ano, pois vão ser menos alunos a estudar no ensino superior. E isso vai afectar, sobretudo, o interior. Vemos os resultados do CNA [Concurso Nacional de Acesso], e há uma concentração enorme no litoral. Qualquer dia, o País tomba para o Atlântico.
Os resultados das candidaturas de acesso ao ensino superior mostram que há vários cursos leccionados em Politécnicos do interior, como Bragança, Castelo Branco, Tomar, Viseu e Guarda, a que não concorreu nenhum aluno, sobretudo nas áreas das engenharias. Como é que interpreta estes resultados?
Se não houver tantas vagas no litoral, os alunos têm de se espalhar pelas outras instituições. Quem vai para o interior é quem não tem média para entrar nas outras instituições do litoral. Tem de haver políticas públicas para a coesão territorial, como a limitação de vagas em sítios onde há uma procura muito grande. O interior até tem alojamento mais económico. Bragança é um grande exemplo de atracção de alunos internacionais. E há outros contingentes que vão fazer com que os cursos funcionem, como os Maiores de 23 ou os TeSP. No ano passado, ficaram 200 e tal alunos de fora dos TeSP do IPCA, por falta de vagas. Estes alunos podem ir para outras instituições. Se calhar, o interior não tem a oferta cultural que têm as grandes cidades, mas tem empresas, instituições e dinamismo. E com a ligação de auto-estrada é tudo muito mais fácil.
Os politécnicos podem conceder o grau de doutor, desde o ano lectivo passado. Tem havido procura da parte dos estudantes?
No Porto, o primeiro doutoramento encheu logo as vagas na primeira fase, porque está muito alinhado com o tecido empresarial. Esta é uma grande medida para as instituições do interior, pois podem ser feitos em parceria com as empresas daquelas regiões, trazer inovação, conhecimento, e contribuir para o desenvolvimento económico, social, e para fixar mais pessoas. Bragança tem três doutoramentos aprovados e imensos investigadores. Aliás, é uma das instituições que tem mais carreira de investigação, a par do Porto. É o culminar de tudo o que nós fazemos. Sempre fizemos investigação, e temos laboratórios, mas os alunos eram das universidades, pelo que contava para os indicadores deles. No fundo, põe as coisas no seu devido lugar.
Porque é que as universidades continuam a ter mais financiamento do que os politécnicos?
Uma das coisas porque nos batemos foi que não fazia sentido haver ponderadores diferentes na formação. Percebemos que um aluno de Gestão é mais barato do que um aluno de Medicina ou de Música. O que não compreendemos é que um aluno de Turismo num politécnico represente um montante menor do que um aluno de Turismo numa universidade.
E haverá receptividade do Governo para alterar o modelo de financiamento?
Já falámos com o ministro Fernando Alexandre, que mostrou alguma abertura para analisar. Em áreas iguais, o ponderador tem de ser igual.
Se fosse ministra do ensino superior qual a primeira medida que tomaria?
Rever o modelo de acesso ao ensino superior, e mexer na carreira docente. Acho excessivo o número de exames. Devia discutir-se voltar ao modelo dos dois exames. Há muitos países que nem exames têm. Não havendo igualdade social, quem tem melhores condições terá notas mais elevadas para chegar à frente. O modelo está excessivamente baseado em exames. Joga-se três anos da vida de uma pessoa em duas horas. E sabemos bem que há nervosismo e stress, o que é penalizador. Em relação à carreira docente, há uma discrepância, que penaliza os professores dos politécnicos. A carga horária é de 12 horas nos politécnicos e a das universidades é de nove, no máximo. É por isso que o caminho que fizemos a produzir investigação é notável. Outra coisa que mudava também rapidamente era o regime jurídico. Falta-nos resolver a questão das condições para sermos universidades politécnicas. Era uma das coisas que estava a ser feita com o Governo anterior. Sei que este Governo vai retomar esse processo, mas isso ainda não está a ser efectuado.
Ter uma carga horária superior afecta a avaliação dos docentes dos politécnicos, pois também lhes é exigido que façam investigação.
Tudo se conjuga. É a avaliação dos docentes, são os indicadores que temos, os rankings em que queremos estar e, naturalmente, a investigação. E agora com os doutoramentos mais ainda. Precisamos de ter condições iguais.
Segundo mandato no CCISP