No novo projecto da Manipulartes que assinala os 50 anos da revolução de 1974, a cor da censura torna-se a cor que inclui, para destapar memórias e juntar gerações.
Uma História Escrita a Lápis de Cor Azul, com dramaturgia e encenação de João Augusto, é um espectáculo de marionetas de rua que está a ser construído com a colaboração da população sénior (utentes da associação Adesba) e alunos que frequentam o primeiro ciclo nas escolas de Marinheiros e da Maceira.
“Usando esta temática do 25 de Abril”, explica o autor do texto, surge uma criação para a infância (e famílias) de aproximadamente 20 minutos “sobre um criança de Leiria que terá nascido algures na década de 40”, em plena ditadura, no século XX português.
O arranque aconteceu em Fevereiro com dezena e meia de beneficiários de respostas para a terceira idade disponibilizadas pela Associação de Desenvolvimento e Bem Estar Social da Freguesia da Barreira (Adesba), numa acção que incluiu manipulação de marionetas e contos também dinamizada por Tânia Chavinha.
“Correu bastante bem”, diz João Augusto. “Saímos de lá encantados”. A recolha trouxe à superfície informação sobre o tempo em que “a escola não era para todos” e “aos oito anos as crianças iam trabalhar”, com alguns momentos inesperados, como a partilha que juntou, na mesma tarde, “o filho de um preso político e o filho de um informador da PIDE”, a polícia responsável por reprimir a oposição ao Estado Novo.
“Procurámos recolher os lugares, as realidades locais, para além das circunstâncias de vida”, explica. “Experiências” e recordações “de infância” que, na maioria dos casos, “são momentos felizes”.
Actualmente, decorre uma nova fase, em que os áudios obtidos na Adesba, e entretanto transcritos para texto em computador, estão a ser gravados e narrados por estudantes do quarto ano de escolaridade (agora nos Marinheiros, mas a intenção é envolver também a Maceira). O resultado vai ouvir-se no intervalo entre apresentações, quando o espectáculo sair à rua, o que deve acontecer já dentro de semanas.
Uma História Escrita a Lápis de Cor Azul, com apoio do Município de Leiria, “acompanha a vida (infância, adolescência e juventude ) de um rapaz dos subúrbios de Leiria e dos seus amigos”, segundo a sinopse divulgada pela Manipulartes. Pretende criar “uma experiência imersiva” relacionada com o quotidiano “das crianças e jovens de Leiria, entre as décadas 50 e 60”, e, por outro lado, motivar “a conversa entre as diferentes gerações do público”.
É, de acordo com João Augusto, uma narrativa “inventada, uma criação”, mas em que “toda a fonte é a Adesba”. Inspira-se no teatro antigo e da tragédia latina e contempla um espaço de cena que deverá assemelhar-se a um álbum de fotografias, como contexto para a utilização de várias técnicas de manipulação de bonecos.
“Estamos mesmo naquela fase de mãos na obra, de construção”, adianta João Augusto. A produção tem estreia agendada para Maio e itinerância prevista para quatro freguesias do concelho de Leiria, sempre ao fim-de-semana. “É um espectáculo que depois a Manipulartes tem para venda no seu catálogo”.
As parcerias incluem, além do Município de Leiria e da Adesba, a associação de pais da escola dos Marinheiros.