No final de Dezembro, anunciou que a ETES (Estação de Tratamento de Efluentes Suinícolas) do Lis, apontada como solução para resolver um problema que se arrasta há anos, não será construída. E agora, qual é a alternativa?
Após estudo profundo concluiu-se que a ETES não é solução. Já foram várias as tentativas para construir essa estrutura, a partir de quem tem a responsabilidade de resolver o tratamento dos efluentes, que são os produtores, com 85% de financiamento comunitário. Quem representa os produtores nunca avançou com a obra porque nunca teve determinação para a fazer.
Mas o Governo assumiu que a ia fazer.
É verdade. Sei o que disse. A determinada altura – já lá vão dois ou três anos – assumi que o Estado a ia fazer. Só que uma estação deste tipo acarreta uma obrigação de entrega de efluentes e consequente tarifa. Não encontrámos da parte dos produtores um compromisso relevante para podermos fazer este investimento público. A possibilidade de construirmos uma estação de tratamento dedicada e de ela não vir a funcionar era muito grande. Isso seria delapidar dinheiro público e não têm de ser os contribuintes portugueses a custear essa solução. Quem tem de pagar, ainda que eventualmente com apoios comunitários, são os produtores. A responsabilidade do tratamento é dos senhores suinicultores. É assim em qualquer sector. Por isso, optámos por uma saída diferente.
Qual é a alternativa?
A solução passa por quatro pontos. Em primeiro lugar, por rever a portaria que regula o plano de gestão de efluentes pecuários. Temos de exigir critérios mais fechados para os produtores. Depois, é necessária uma ferramenta de rastreabilidade para controlo desses efluentes, à semelhança da que já existe para os resíduos. Contamos que fique concluída até ao final deste ano. Vai haver guias de transporte e de destino final de todos os efluentes gerados. Se quem produzir 100 litros de efluentes só comunicar o destino de 50, é porque colocou o restante onde não devia. Isto vai introduzir muita moralidade e permitir uma actividade de fiscalização mais apertada. Quando cheguei ao Ministério do Ambiente não havia uma fiscalização articulada entre as várias entidades que têm essa responsabilidade. Agora, a cada ano, construímos um plano nacional de fiscalização e inspecção ambiental. No de 2021, foram incluídas as suiniculturas, que terão uma fiscalização muito mais apertada.
Mas, não havendo ETES, que destino terão os efluentes?
Estamos a falar de matéria orgânica, pelo que as soluções preconizadas passam obviamente pela sua valorização, seja em centrais de compostagem, seja enriquecendo solos. Mas também não é enriquecendo solos que já estão mais do que enriquecidos com aquilo que lá foi depositado no ano anterior, no outro e no outro. Tem de haver uma rede pública, que funcione em situação de backup, com as ETAR da Águas de Portugal (AdP) já existentes, que possa assegurar a recepção do efluente para tratamento e encaminhamento para destino final adequado. Esta solução é de carácter excepcional, mas obrigatória para unidades produtivas que não tenham soluções de valorização ou de tratamento devidamente autorizadas. Repito: lembro-me bem do que disse e temos trabalhado com esse objectivo. Mas não podemos gastar sete, oito, nove ou dez milhões de euros na construção de uma estrutura, que implica uma grande complexidade de tratamento e que, por isso, vai fazer com que a tarifa justa seja cara, tendo a profunda convicção que essa ETAR vai ficar vazia.
Justificou a decisão de não construir a ETES com a falta de compromisso de quem produz efluentes. Onde é que os suinicultores não cumpriram?
Herdámos a situação depois da tentativa falhada de se construir uma ETES pelos próprios. Chegámos à conclusão, pelos estudos que se fizeram, que teria de ser aplicada uma tarifa que não ia ser paga por ninguém.
Os suinicultores recusaram-se a pagar a tarifa?
Não consigo dizer que tenha havido recusa. O que sei é que não há compromisso algum que nos permita dizer que esta é a solução. Estamos muito convencidos de que a ETES não é solução.
Falou da questão da valorização dos terrenos como parte da solução. Mas como se pode aplicar numa região onde predomina a pequena propriedade e já com uma grande sobrecarga dos terrenos por anos de espalhamentos?
É óbvio que não o podemos fazer nesses mesmos terrenos. Com o sistema de guias, iremos saber qual o destino final dos efluentes, que muitas vezes pode e deve ser o espalhamento. Teremos uma base de dados que nos permite saber se está a ser espalhado onde já foi anteriormente. Uma coisa é valorizar o solo organicamente, outra é polui-lo. Se há coisa que Portugal tem é solos a precisarem de ser valorizados. Abaixo do Tejo e na zona da raia temos uma área de parcelas em risco de desertificação, devido ao empobrecimento dos solos, precisamente por insuficiência de matéria orgânica. Há muitos sítios onde os efluentes podem ser espalhados com controlo ambiental e com vantagem para o próprio solo.
Outra das alternativas apontadas é o uso das ETAR existentes, mas tanto autarcas como suinicultores alegam que estas não têm condições para acolher e tratar efluentes suinícolas.
Estamos a fazer um levantamento muito rigoroso, que queremos concluir até ao final de Fevereiro. Não tenho razão para discordar dos senhores autarcas. Terá de ser feito algum investimento nas estruturas existentes, mas será na casa das centenas de milhar de euros e não das dezenas de milhão. Há hoje na região a convicção de que o problema da poluição suinícola continua longe da resolução. Não nego que houve uma perda de tempo motivada pela tentativa de encontrar uma solução mais infraestrutural. Mas acredito firmemente que, com os dados que vamos ter a partir de Março, dos investimentos que vamos fazer e, sobretudo, com a entrada em funcionamento das guias de transporte e de destino final dos efluentes, a situação vai melhorar bastante. Isso, associado também ao reforça da fiscalização.
O que acontecerá a quem não cumprir?
Se há área em Portugal que não precisa de alterações é a da dimensão das multas ambientais, que podem ser de milhões de euros. Contudo, é também fundamental garantir que os processos administrativos não são contrariados depois pelas decisões judiciais. Num Estado de Direito é normal que as pessoas recorram para a Justiça. O que sentimos como frágil é termos sentenças que confirmam os factos detectados administrativamente e que, às vezes, trocam multas de meio milhão de euros por donativos aos bombeiros de 500 euros. Isto é que não pode acontecer. Quero acreditar que, havendo uma maior sensibilidade da população para as questões ambientais, os senhores juízes, que julgam em nome do povo, virão a produzir acórdãos diferentes num futuro próximo.
Mais de três anos depois do grande incêndio que destruiu o Pinhal de Leiria, o processo de recuperação tem-se revelado lento. Para quando uma aceleração?
Não concordo que se diga que a recuperação [do Pinhal de Leiria] esteja a ser lenta. Estive há pouco tempo no local para ver o que está a ser feito e constatei isso mesmo. Dos 9500 hectares que arderam, estamos a reaborizar 2500 hectares, dos quais 1200 estão executados. Fizemos também uma intervenção numa parcela que não ardeu para garantir que seja hoje mais resiliente ao fogo. Estamos a acompanhar a regeneração natural, que já é visível em cerca de 1800 hectares. Há ainda a expectativa de ver o que acontece esta Primavera em mais 2000 hectares, onde estimamos que a regeneração natural venha a acontecer. E prevemos iniciar este ano a rearborização de mais 2200 hectares. Tudo somado, dá um número muito próximo da área ardida.
Os especialistas advertem que já não há mais margem para a regeneração natural.
Quando estive no Pinhal de Leiria, no final do ano passado, constei que isto é falso. Ao lado de pinheiros com a minha altura, vi outros com dois palmos de altura que tinham rebentado há poucos meses. Continua a haver regeneração natural. Que não haja dúvidas: os pinheiros mais indicados para aquele local são os que já lá existiam aproveitando as sementes que ficaram no solo. Nos pinhais novos, que tiveram cortes há cinco ou dez anos, a expectativa de regeneração natural é baixa, mas nas áreas ardidas que tinham pinheiros com dezenas de anos, a possibilidade de tal acontecer é muito alta. Certo é que demorará muitos anos até que o Pinhal tenha a silhueta que está na memória das pessoas, com árvores com copas de 18 metros de altura. Percebo a frustração das pessoas, mas não há forma de acelerar o processo de desenvolvimento das árvores que plantamos e das que rebentam por regeneração natural.
O plano de acção para o Pinhal prevê um investimento de 9,2 milhões de euros até 2024. Admite rever esse valor?
Esse é o valor de que necessitamos até 2024. Se naqueles 2000 hectares que referi onde temos a expectativa de que ainda ocorra regeneração natural tal não acontecer, termos necessariamente de reforçar o investimento. A venda da madeira [ardida] gerou um resultado na ordem dos 15 milhões de euros. As pessoas gostariam de ver esse valor investido numa noite ou numa manhã, mas isso não faz qualquer sentido. Esta era uma receita esperada ao longo de 30 anos, que foi encaixada num só ano. Nesses mesmos 30 anos, iremos gastar muito mais do que os 15 milhões de euros.
Além da produção de madeira, o Pinhal tem também um papel importante na área do lazer. A recuperação também contempla esta vertente?
O uso do Pinhal tem de ser consentâneo com aquilo que é a fragilidade do ecossistema. É óbvio que o Pinhal continuará a ser fruído. Aliás, em breve irá avançar uma empreitada para a recuperação de alguns caminhos. Não fazia sentido termos ido a correr asfaltar os caminhos. Se o tivéssemos feito, eles já estavam destruídos pelo trânsito de camiões para retirar a madeira. Por outro lado, a não recuperação imediata dos caminhos retirou pressão humana ao local, num momento em que havia perigo de queda de árvores. Agora, que a situação está mais estabilizada, vamos avançar com essa recuperação.
O Observatório Técnico Independente criado para estudar a recuperação do Pinhal de Leiria propôs o envolvimento do Município da Marinha Grande e até de privados na gestão do pinhal. Por que é que o Governo se opõe?
A presidente da Câmara da Marinha Grande tem sido informada de tudo o que temos feito. É verdade que temos em curso alterações ao nível da gestão em áreas protegidas, o que não é o caso, com a co-gestão. Aliás, parece-me que este Ministério é o campeão da descentralização. Vejase o que fizemos ao nível dos transportes colectivos e agora com as áreas protegidas. Neste último caso, houve muitas críticas das associações ambientais e até dos partidos políticos. No caso da Mata Nacional de Leiria [MNL], temos em mãos a grande empreitada de recuperação. Depois disso, admito que a partilha da gestão com a Câmara da Marinha Grande possa ser colocada em cima da mesa. Com privados é que não. Ou seja, o modelo de co-gestão que está a ser adoptado em alguns parques naturais pode vir a ser seguido na MNL? Mentiria se dissesse que estamos a pensar nisso neste momento. Não estamos. O nosso foco é o de recuperar o Pinhal e a área ardida. Mas esse é um princípio que encaro com muita naturalidade.
Após o grande incêndio de Pedrógão Grande muito se falou em ordenamento florestal. Quase quatro anos depois, parece que pouco mudou. Basta passar pelos territórios ardidos para constatar o estado de abandono.
O muito que é necessário faz-se à la longue. Por isso, a decisão de elaborar 20 planos de paisagem para o País, que preconizam acções a favor da valorização e qualidade da paisagem. Quando foram os grande incêndios de 2017, apesar de já se falar muito do assunto, inclusive na academia, não existia nenhuma ferramenta para estimar o que são os serviços de ecossistemas e como podem ser compensados financeiramente. Aquando do incêndio de 2018, em Silves e Monchique, já tínhamos essa ferramenta. Está também em curso a elaboração de um plano de paisagem para o Pinhal Interior. A floresta é o maior repositório de biodiversidade que o País tem. Não podemos olhar para a floresta como um conjunto de árvores, da mesma forma que não podemos olhar para a árvore só pelo tronco. Este é um bem público. Por isso, é preciso remunerar todos quantos aceitam ter boas práticas florestais. Vamos deixar de pagar para plantar e passaremos a pagar para plantar e gerir.
Como é que o modelo funcionará?
Associada à actividade da plantação, faremos contratos por 15 anos em que, anualmente, os proprietários/produtores serão remunerados pelos serviços de ecossistemas que produzem. Fora da equação fica o eucalipto. Mas o valor estimado de remuneração é sempre por comparação entre as árvores que vieram a ser escolhidas e o eucalipto, porque, sejamos transparentes, o eucalipto é, objectivamente, a espécie que dá mais dinheiro ao produtor. Se por hipótese, o eucalipto me dá 10 e o carvalho negral me dá sete, eu obrigo-me a pagar 3.
Ao desordenamento florestal está, inevitavelmente associado o despovoamento do interior.
O nosso ministério já concluiu o Programa Nacional da Politica de Ordenamento do Território, que identificou dois territórios particularmente frágeis: Pinhal Interior e a ‘esquina’ do Douro, entre o Douro interior e o Douro internacional. São os dois sistemas mais desestruturados que o País tem e é preciso olhar para eles com um particular cuidado. Certamente, o próximo quadro comunitário de apoio irá reconhecê-lo. O que o plano nos mostra é que aquilo que são hoje territórios de baixa densidade continuarão a sê-lo no futuro, até porque não há perspectiva de crescimento da população em Portugal nos próximos 20 a 30 anos. Mas, ser território de baixa densidade não tem de ser nenhuma canga nem nenhum ferrete. Os territórios de alta densidade também têm problemas. Pois têm, e problemas graves e de difícil resolução, como o da qualidade do ar e dos congestionamentos de tráfego. O que se deseja é que os territórios de baixa densidade tenham tanta qualidade como os urbanos. Temos de saber distinguir território de baixa densidade de território abandonado. Se esses territórios não vão ter mais gente nem, provavelmente, mais actividade económica, não podem ter menos rendimento. Esse rendimento tem de chegar aos gestores do território através da remuneração dos serviços de ecossistema que eles prestam e que são um bem público, responsável pela biodiversidade do País, pela água boa que bebemos, pelo ar puro que respirámos.
Outro dos problemas ambientais que afecta a região de Leiria e o País é a erosão costeira, com a necessidade de intervenções nas arribas. Estamos já a pagar caro erros do passado?
O litoral português, independentemente de erros de ordenamento que existem, é uma das zonas mais frágeis da Europa em consequência daquilo que é já hoje resultado das alterações climáticas. Portugal perdeu, nos últimos anos, 13 quilómetros quadrados de costa. É um número absolutamente assustador. Leiria, sendo um distrito frágil, não é dos mais frágeis nesta matéria. Se pensarmos na costa de Esposende, no distrito de Aveiro, ou na Cova Gala, identificamos problemas com um grau de gravidade que, felizmente, ainda não existem em Leiria. Isto não quer dizer que não existam problemas com o litoral em Leiria. Correcto. Reconhecemos isso e estamos a fazer o reforço e a requalificação dos esporões do rio Lis. A obra, de 1,5 milhões de euros, foi consignada em Outubro e acabará esta Primavera. Já está candidatada a empreitada para a reestruturação dos esporões do rio Alcoa, que queremos terminar ainda este ano. O mesmo é válido para o desassoreamento da foz rio Alcoa, com a reposição de sedimentos na deriva natural, orçado em cerca de um milhão de euros. Vamos também investir na protecção do cordão dunar do Baleal, em Peniche, e na dragagem superior da lagoa de Óbidos, com a deposição de areias na deriva litoral.
Uma das soluções que tem sido adoptada para combater o problema da erosão é a construção de pontões. Não é tempo de pensar em soluções mais a longo prazo?
Desde que sou ministro não foi construído qualquer esporão nem vai ser. Estamos a reparar os que já existem, porque já houve uma estabilização da costa à sua volta. Não acredito nas soluções artificiais perpendiculares à costa. Admito que possa haver ainda algumas soluções artificiais, como aquela que está a ser pensada para a costa de Ovar, que é um quebra-mar destacado. Fazer mais esporões é como passar um pente, deixando o cabelo apenas de um lado da risca e o outro lado fica careca de areia.